Operadores de resíduos ameaçam queixar-se à Comissão Europeia

Municípios estão isentos da emissão das novas guias electrónicas ao contrário dos privados que gerem resíduos. Apoger, uma das associações do sector, queixa-se de desigualdade e diz que estão em causa investimentos e empregos.

Foto
A partir de Janeiro, entidades gestoras de resíduos passam a ter de preencher guias electrónicas Enric Vives-Rubio

A iminência da entrada em vigor das novas guias electrónicas de acompanhamento de resíduos, as e-GAR, está a deixar em polvorosa uma das associações do sector, a Apoger — Associação Portuguesa de Operadores de Gestão de Resíduos e Recicladores, cuja direcção ameaça mesmo apresentar uma queixa à Comissão Europeia. Em causa, dizem, está uma desigualdade de tratamento entre os municípios, que estão desobrigados de preencherem as e-GAR quando recolhem os resíduos urbanos, e os privados que operam com alguns destes resíduos, e que estão obrigados a usar as novas guias.

Como o PÚBLICO noticiou no mês passado, a partir de 1 de Janeiro cerca de 250 mil entidades que, por todo o país, estão envolvidas na produção, transporte e gestão de resíduos vão deixar de preencher guias de acompanhamento desses materiais em papel, as chamadas GAR, para passar a fazê-lo online.

As e-GAR vão poupar tempo e dinheiro a empresas e à Administração Pública, e o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) destaca também o seu efeito positivo na melhoria da rastreabilidade do circuito dos resíduos e no acesso mais rápido, imediato, na prática, à informação sobre o lixo que produzimos e o destino que lhe estamos a dar.

Mas a mudança tecnológica não gera consenso entre todos os envolvidos. A presidente da Apoger, Quitéria Antão, garante que a associação não está contra a desmaterialização das guias de acompanhamento, mas considera que o sector que representa - um “acervo importante de operadores de gestão de resíduos licenciados para recepcionarem e valorizarem as fileiras de resíduos urbanos, papel, cartão, plásticos, metais e outros classificados na Lista Europeia de Resíduos” - vai ser prejudicado, em relação os municípios.

A lei que regula as e-GAR, disponível no site da Agência Portuguesa do Ambiente, estabelece excepções para alguns fluxos de resíduos, e um dos que está isento do preenchimento das guias electrónicas é o que envolve os produtores individuais (cada cidadão), e um município. Se um cidadão quiser entregar os resíduos que produz a uma das empresas do sector, esbarra na dificuldade de se inscrever no portal onde é feito o registo dos produtores e restantes agentes, e a partir do qual se emitem as e-GAR. Na prática, para a Apoger, isto retira-lhes todo um mercado, pondo em causa investimentos e empregos.

“Os operadores de gestão de resíduos que se licenciaram para receber as fileiras urbanas de resíduos, que pagaram as taxas de licenciamento respectivas, que investiram em instalações, equipamentos, mão-de-obra qualificada e que desenvolvem a sua actividade nas condições técnicas exigidas por lei, no acto de licenciamento, exigem receber os resíduos urbanos, classificados na Lista Europeia de Resíduos, em regime de isenção de aplicação da e-GAR exactamente nas mesmas condições que os municípios e as entidades gestoras de fluxos específicos”, insiste a Apoger num comunicado.

Nele, a associação que representa 170 empresas, “que em 2016 facturaram cerca de mil milhões de euros” dando emprego directo e indirecto a milhares de pessoas, explica que está a ponderar apresentar uma queixa à Comissão Europeia, na perspectiva de que as regras para as e-GAR representam uma distorção do mercado. “A actual e-GAR vai contra o que foi proposto pela Comissão Europeia, revisto e aprovado pelo Conselho Europeu em 22 de Novembro passado, levado a efeito no âmbito da revisão da actual Lei-Quadro dos Resíduos", sublinhou a associação.

A Apoger esclareceu ainda que "a definição de resíduos urbanos, nesta directiva, é introduzida para fins da definição do método e consequentes regras de cálculo na monitorização do atingimento das metas de reciclagem" e que "é neutra em relação ao status público ou privado do operador que faz a gestão destes resíduos e inclui resíduos de domicílios e outras fontes que são geridos por ou em nome de municípios ou directamente por operadores privados”.

Governo desvaloriza ameaça da Apoger

Questionado pelo PÚBLICO, o secretário de Estado do Ambiente desvaloriza esta ameaça da Apoger, por considerar que neste processo de desmaterialização nada mudou no comparativo entre municípios e os operadores privados. Carlos Martins recorda que a lei já previa que estes agentes preenchessem um formulário, e que os municípios já estavam dispensados de o fazer por causa da logística da recolha de resíduos urbanos, onde, exemplifica, é impossível saber quem coloca o quê nos contentores da via pública.

A questão, insiste, o governante, é que a tutela tem confiança no sistema público, que envolve os sistemas multimunicipais de recolha, triagem e valorização de resíduos, através dos quais é garantida a rastreabilidade dos resíduos recolhidos pelas câmaras. Com os privados, assume, é difícil perceber se as quantidades declaradas são as efectivamente recolhidas. E a afinação dessa informação é um dos objectivos da e-GAR, explica.  

Segundo Quitéria Antão, nos últimos dias foi feita uma alteração ao sistema de registo, de modo a permitir a inscrição de produtores individuais de resíduos, cujos dados poderiam ser preenchidos pela empresa que os recolhesse. Mas a presidente da Apoger garante que a ferramenta informática não está a funcionar adequadamente, retirando aos seus associados a possibilidade de trabalhar com esses resíduos.

A partir de Janeiro, com as e-GAR, é suposto que qualquer motorista das empresas que transportam várias tipologias de resíduos se façam acompanhar por um dispositivo (um telemóvel, por exemplo), a partir do qual uma autoridade de fiscalização pode verificar a respectiva guia e contrastar a informação nela constante com a carga. Dessa guia constará todo o fluxo desses resíduos, do produtor ao seu destino final.

O impacto da mudança foi explicado desta forma ao PÚBLICO, pelo presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta: se hoje em dia as entidades envolvidas na produção ou gestão de resíduos tinham de carregar mensalmente para uma base de dados online os movimentos de cada mês, a partir de Janeiro essa tarefa deixa de ser necessária, pois os dados de cada guia electrónica entram automaticamente nessa base de dados. Nuno Lacasta comparava o impacto das e-GAR ao do e-factura. Se aqui, a validação de facturas serve também para pré-preenchimento do IRS de cada cidadão, no caso das e-GAR, "cada entidade está a pré-preencher o seu mapa de resíduos, a pré-preencher dados do Relatório do Ambiente", assinala.

Sugerir correcção
Comentar