Silêncio total sobre solos contaminados em Lisboa
A comissão técnica que devia ter definido orientações para gerir os solos foi criada há meses. Mas ninguém informa sobre o que aconteceu entretanto.
Foi há mais de oito meses que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) anunciou que tinha criado uma comissão técnica para acompanhar e monitorizar as obras na região de Lisboa que envolvessem solos contaminados. Um dos objectivos dessa comissão era definir medidas concretas para gerir os solos e estabelecer orientações para o futuro. No entanto, o silêncio é total desde então.
A criação da comissão técnica foi decidida depois de um conjunto de moradores do Parque das Nações se ter queixado repetidamente, em Janeiro e Fevereiro, de um forte cheiro a químicos proveniente das obras de construção de um parque de estacionamento subterrâneo para o Hospital CUF Descobertas. A José de Mello Saúde, proprietária do equipamento, confirmou que existiam solos contaminados no local e que os tinha enviado para aterro. As queixas dos moradores, que sempre acusaram várias entidades de não prestar suficientes informações sobre o assunto, motivaram um debate específico na Assembleia Municipal de Lisboa, pedido por Os Verdes, e levaram o PSD a pedir à câmara uma lista de todas as obras em que pudesse haver solos contaminados.
A APA divulgou a existência da dita comissão técnica no início de Março. “Aquilo que se pretende é estabelecer uma estratégia concertada para que se estabeleçam medidas de gestão do risco e monitorização”, disse Regina Vilão, da APA, numa conferência empresarial precisamente sobre gestão de solos contaminados. Dessa comissão fariam parte técnicos da própria APA, da Câmara Municipal de Lisboa e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT). “O objectivo é criar um documento orientador para futuras obras”, afirmou ainda a responsável na mesma ocasião.
No fim de Março, a câmara precisou num relatório que, além de avaliar a obra da CUF, a comissão tinha também como objectivo “contribuir para um guia metodológico que sirva de orientação em outras obras que incidam sobre solos contaminados”. Nesse relatório referia-se que a comissão já se tinha reunido duas vezes.
Oito meses depois, nada mais se sabe. O PÚBLICO perguntou à APA e à câmara, no início de Novembro, se a comissão técnica tinha produzido algum relatório, se tinham sido adoptadas medidas de monitorização e gestão, se havia novas obras com solos contaminados. Mais de um mês depois, e após várias insistências, as perguntas continuam a não ter resposta.
A associação A Cidade Imaginada – Parque das Nações, que representa moradores daquela freguesia, também se queixa de falta de informação. Perto do local onde foi construído o parque de estacionamento começaram entretanto outras obras, e a associação contactou a APA, em Julho, “questionando que medidas emanadas da comissão estariam já a ser tomadas em relação à nova obra”, conta Célia Simões, da direcção. “Até hoje não obtivemos qualquer resposta.”
Os deputados de Os Verdes, também voltaram ao tema, tanto na assembleia municipal como na Assembleia da República, através de requerimentos à câmara e de perguntas ao Governo. “Não chegou resposta”, afirma Cláudia Madeira, deputada municipal daquele partido, acrescentando que “não se consegue perceber muito bem de quem é que são as responsabilidades”. Cláudia Madeira garante que, caso o prazo legal de 30 dias para a câmara responder seja ultrapassado, voltará a insistir. “Até termos resposta”, afiança.
Rui Berkemeier, ambientalista da Zero, também se queixa da falta de explicações sobre este assunto, que a associação vem pedindo há algum tempo. “A grande questão aqui é o mapeamento das zonas de risco – e isso ainda não está feito”, diz o ambientalista. Critica igualmente o atraso na publicação da lei relativa à Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos. “Essa legislação anda há dez anos a arrastar-se”, afirma Berkemeier. No fim de 2015 houve uma consulta pública sobre a lei, mas nada aconteceu entretanto. “O relatório de consulta pública não é público. Não sabemos se houve ou não críticas, e quais, a essa legislação. Não se percebe porque é que isto acontece”, acusa.