É preciso confessar que a raclette rasca de casinha-das-bonecas também é boa
Compre uma “racletteira” económica em qualquer loja de electrodomésticos. Por 40 euros comprará uma maquineta com oito caçarolas e oito espatulazinhas de madeira.
O mundo da raclette não é tão puro e suíço como aqui se contou há duas semanas. Aliás, é muito difícil comprar a Raclette AOC do Valais a partir de Portugal. Ajudará escrever o nome do queijo em alemão: Walliser Raclette AOP, já que existem queijarias alemãs dispostas a mandar meio queijo para Portugal.
A coisa complica-se bastante quando consideramos o resto da Suíça.
Quando foi dado o estatuto AOC à raclette do Valais, os produtores de raclette de outras regiões suíças ficaram zangados — sobretudo os que trabalham com leite cru.
Há, de facto, bom queijo Raclette de leite cru que não é do Valais.
Certifique-se que é mesmo de leite cru — rohmilch, em alemão. Um deles até nem é redondo, antes quadrado: é a Raclette Risler. Atenção que também fazem com leite pasteurizado, o que dá um queijo menos aromático.
A Suíça tem um logótipo especial para a Raclette para distinguir as raclettes suíças das francesas e alemãs, para não falar de outras nacionalidades. Felizmente existe um excelente site sobre queijos suíços — queijosdasuica — onde se podem tirar todas as dúvidas possíveis.
Atenção porque nós vivemos sob a influência francesa e o gigante francês, tão exímio nos queijos, tende a esconder a pequena mas formidável Suíça.
No entanto, não é preciso adoptar os elevados padrões suíços para se divertir e deliciar a comer raclette. Esqueça, por um momento, as máquinas suíças — ttmsa — e compre uma “racletteira” económica em qualquer loja de electrodomésticos. Por 40 euros comprará uma maquineta com oito caçarolas e oito espatulazinhas de madeira. Cada pessoa precisa de duas caçarolas e de uma espátula, pelo que quatro pessoas podem partilhar uma máquina.
Há máquinas de 400 e 600 watts que levam tempo a mais para derreter o queijo. Mais vale uma de 800 ou de 1200. Não vale a pena gastar mais dinheiro para ter um tampo de pedra. A parte de cima da máquina pode servir de grelhador — para fritar bacon ou fazer bifes — mas isso depende de si. Os puristas da raclette contentam-se com queijo, batatas cozidas e cornichons, podendo-se acrescentar bresaola, presunto ou fiambre. Uma boa mostarda também ajuda bastante.
Encontrará muitos queijos chamados Raclette nos supermercados. Todos derretem bem mas o gosto deles varia muito, desde o simplesmente amanteigado ao artificialmente condimentado. O pecado da grande maioria destas raclettes é serem sensaboronas. Precisam de pimenta preta e até de picante para brilharem um bocadinho.
A única marca que não me desiludiu foi a Entremont, na versão Nature.
Nestas embalagens de queijo industrial as fatias já vêm cortadas para caber nas caçarolas das maquinetas de raclette — o que dá jeito.
Desconfio que a melhor raclette não-suíça seja a de leite cru que se faz em Savoie. Esta zona é maravilhosa para queijos sem respeitar fronteiras. Há quem acrescente uma fatiazinha de Beaufort, Comté ou Gruyère à Raclette, para lhe dar pitada de personalidade — mas isso complica a textura final, tornando o queijo borrachoso quando arrefece, como acontece nas tostas mistas. Achei uma perda de tempo e uma diluição do prazer da raclette mas, lá está, a experimentação é um dos prazeres de uma refeição racletteira e uma raclette sem personalizações caprichosas é uma raclette falhada.
Os queijos ditos Raclette — sejam baratos e anódinos ou AOC e inconfundíveis — são concebidos para derreterem muito bem, a uma temperatura que não queima a língua. Quando arrefecem não ficam borrachudos ou elásticos, como acontece aos queijos normais, feitos para comer tal qual vieram ao mundo.
Em contrapartida, só os melhores queijos Raclette podem ser comidos a frio: os de leite cru feitos na Suíça. Não são grande coisa mas comem-se bem, apesar de ser um crime não os derreter.
Também há quem use as caçarolas para pôr batatas e outras coisas por baixo do queijo. Eu só uso para derreter queijo mas a liberdade é a rainha destas brincadeiras e a racletteira é um instrumento quase infinitamente adaptável.
Claro que os purismos também têm graça — mas só porque divertem tanto como as desobediências.