A política de combate às drogas em Portugal continua a impressionar o mundo
Nesta terça-feira, o britânico Guardian voltou a debruçar-se sobre o assunto com uma longa reportagem. Mas foram vários os órgãos internacionais que quiseram saber mais sobre a luta contra as drogas em Portugal nos últimos anos.
A política contra as drogas que Portugal iniciou em 2001 continua a chamar a atenção da imprensa internacional. Nesta terça-feira o britânico Guardian publicou mais uma longa reportagem sobre a evolução portuguesa nesta matéria e questiona mesmo porque é que o resto do mundo não lhe segue o exemplo.
Numa reportagem assinada pela jornalista Susana Ferreira, o jornal descreve de forma pormenorizada a forma como o país chegou a um “estado de pânico” relativamente ao consumo de droga. Começando a explicação nos tempos do Estado Novo – altura em que a Coca-Cola estava banida do mercado nacional e era preciso uma licença para se obter um isqueiro – explica-se que o país, depois da revolução, ficou aberto ao mundo exterior, a “novos mercados e influências”. “Quando a marijuana e depois a heroína começaram a entrar, o país estava totalmente despreparado”, escreve o Guardian.
Isto levou a que durante os anos 1980 a situação se agravasse drasticamente com um em cada 100 portugueses a registar algum tipo de dependência de heroína, o que contribuía também para fazer de Portugal o país com o maior rácio de infecções por HIV na União Europeia.
Mas, em 2001, “Portugal tornou-se o primeiro país a descriminalizar a posse e consumo de todas as substâncias ilícitas”, continua o jornal. “Em vez de serem detidos, aqueles que eram apanhados com fornecimento pessoal poderiam ser sujeitos a uma advertência, a uma pequena multa, ou obrigados a comparecer numa comissão local – um médico, advogado ou assistente social – [para serem informados] sobre tratamento, redução de danos e de serviços de apoio disponíveis”.
O artigo explica que depois desta medida “a crise dos opiáceos rapidamente estabilizou” e que se assistiu à reducção de infecções por HIV, que chegaram a mínimos históricos, passando de 104,2 novos casos por cada milhão de portugueses em 2000 para 4,2 casos por cada milhão em 2015. “Os dados por detrás destas mudanças foram estudados e citados como prova por movimentos de contenção de danos em todo o mundo”, lê-se. No entanto, o jornal nota que “é enganador creditar estes resultados positivos inteiramente a uma mudança na lei”.
Apesar deste destaque dado ao caso português, nos últimos anos registou-se um aumento, ainda que pouco expressivo, das mortes por overdose em Portugal. Segundo o último balanço apresentado num relatório do SICAD, em Fevereiro deste ano, 2015 ficou marcado pelas 40 mortes por overdose, contra as 37 de 2014 e as 28 registadas em 2013. “É o segundo ano consecutivo em que se regista um aumento no número de overdoses, apesar de os valores dos últimos anos se manterem aquém dos registados entre 2008 e 2010”, lê-se no documento. Em 2008 houve 94 mortes por overdose.
Nas mortes provocadas por overdose, registou-se a presença de opiáceos destacavam-se em 53% dos casos, seguindo-se a cannabis (30%), a cocaína (28%) e a metadona (25%). Na grande maioria destas overdoses, foram detectadas várias misturas de substâncias, sobretudo entre benzodiazepinas e álcool e as drogas ilícitas.
Mas existiram também mortes cujas autópsias detectaram pelo menos uma substância ilícita. E, neste caso, os números são maiores: 268, sendo que em 141 dos casos foi possível obter informação sobre a causa de morte. Deste universo, e além das overdoses, as causas da morte foram atribuídas a acidentes (36%), morte natural (33%), suicídio (20%) e homicídio (6%).
Não é a primeira vez que um órgão de informação internacional aprofunda e investiga a luta contra as drogas que se desenvolveu em Portugal. O próprio Guardian tinha, em 2010, publicado um artigo em que expunha “o que o Reino Unido pode aprender com a política das drogas de Portugal”.
Mais recentemente, em Setembro deste ano, foi a vez do New York Times realizar uma longa reportagem onde promete explicar "como ganhar a guerra contra as drogas". "Portugal trata a adição como uma doença, não um crime", diz o jornal norte-americano, antes de citar as autoridades de Saúde nacionais, que estimavam que cerca de 25 mil portugueses consumissem então heroína, comparando com os 100 mil de consumidores na altura em que se iniciou esta política.
O Washington Post escreveu também um artigo sobre a mesma temática. “Porque é que quase ninguém morre de overdoses de drogas em Portugal”, lia-se no título deste texto publicado em Junho de 2015. Como se pôde verificar com os dados apresentados pelo SICAD, esta afirmação do diário norte-americano pode estar um pouco afastado da realidade dos números. Contudo, como nota o Post, a comparação com os outros países europeus aproxima o título da verdade.
Nesse mesmo ano o site Vox também se debruçou sobre o caso português, partindo de um estudo realizado por Glenn Greenwald para o Cato Institute. Descriminalização das drogas em Portugal: Lições para criar Políticas de Drogas Justas e Bem-Sucedidas era o título da investigação. A fama de Portugal neste âmbito chegou também ao Médio Oriente, através da Al-Jazira, que desenvolveu o assunto em Junho de 2016 com a publicação de uma reportagem em Portugal.