“A Santa Casa vai nomear um a dois gestores executivos no Montepio”
Edmundo Martinho diz que há sintonia total entre Governo, regulador e Santa Casa para a entrada da instituição que lidera no capital da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG). E explica o que entende que deve ser um banco para a economia social.
No pressuposto de que as disponibilidades de uma instituição não são infinitas, gostava de saber se a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem dinheiro reservado para investir na CEMG (a partir daqui designada Montepio)?
A SCML não tem dinheiro reservado. A possível entrada na CEMG não danifica em nada os projectos [da instituição].
Não o preocupa o facto de a SCML se ir expor, com verbas, a um sector altamente consumidor de capital, permanentemente a fazer aumentos de capital?
Permanentemente não está. Mas é verdade que houve um período em que isso aconteceu. Mas a análise que fazemos do Montepio, nesta altura, aponta para um conjunto de rácios com alguma solidez. O processo está em curso e os rácios de capital, que resultaram deste último aumento de capital, e aqueles com que vier a ficar depois do aumento de capital adicional que vai dar entrada à Santa Casa, são rácios que nos dão alguma tranquilidade.
Estamos a falar da SCML poder ficar com 10% do capital da CEMG?
O valor ainda não está definido, mas será até 10%.
Quantos administradores executivos do banco Montepio a Santa Casa prevê nomear?
Ainda não está decidido. Sabemos que vamos nomear, mas não sei se um ou dois. O que está decidido é que os órgãos de governação serão eleitos sempre por consenso.
Um investimento que vai corresponder a cerca de 18% dos activos da SCML. Faz sentido?
Na minha opinião faz. A nossa tradição é sermos pioneiros, o que não é o mesmo que ser aventureiro, daí que a operação esteja a ser estudada com cautela para que a entrada no banco Montepio decorra em condições de segurança, mas com ambição grande. A Santa Casa deve estar atenta à mudança dos tempos. E hoje em dia a economia social precisa de se ancorar noutro tipo de valores e de instrumentos. E o instrumento financeiro é essencial desse ponto de vista. Faz todo o sentido que a economia social em Portugal disponha de um instrumento financeiro que lhe dê um impulso e a ajude a recentrar-se e a ganhar outra capacidade de resposta. E a sair do amadorismo em que tem estado, nomeadamente, ao nível da gestão. A existência de um banco com estas características é essencial para benefício e protecção do sector social no seu conjunto. E a SCML não pode alhear-se do seu papel.
Pode ser mais concreto?
A estrutura financeira da Santa Casa está muito relacionada com as receitas dos jogos e é preciso que pense a sua sustentabilidade em termos globais. Tem que assegurar recursos para poder responder às suas responsabilidades, em particular na cidade de Lisboa. Isto, ainda que a Santa Casa só retenha uma parte reduzida do conjunto desses recursos. E nesta linha, a entrada no sector financeiro que entretanto estabilizou imenso, pode ser um contributo importante para o nosso desenvolvimento. Tanto mais que esta participação, a concretizar-se, define não apenas essa entrada directa no capital, mas supõe uma participação ao nível das opções estratégicas e de gestão para além da mera representação accionista. Ou seja: a Santa Casa pode ter uma palavra a dizer nas opções do banco Montepio — mas não na (dona do banco) Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) —, beneficiando a sua actividade e fazer beneficiar todo o sector.
A entrada no banco Montepio far-se-á em que termos?
Através da compra de acções e do aumento de capital correspondente. O limiar máximo do investimento não ultrapassará os 200 milhões de euros.
Vão pedir uma mudança nas orientações do banco Montepio?
Uma base importante dos clientes da CEMG são associados da AMMG, estamos a falar de mais de 600 mil pessoas. A actividade do banco Montepio é comum à do sector, mas não a conheço ao pormenor. A Santa Casa tem a ambição, na medida da sua dimensão, de poder ter uma palavra a dizer de modo a que o banco Montepio se centre nas áreas da economia social.
E que reduza a exposição ao sector da construção...
Não tenho a visão de que o banco Montepio seja o dos pobrezinhos, mas tem que estar no mercado com a atitude de um grande banco da economia social. Tem que ter preocupações quanto à presença de balcões em certos locais, tem de se preocupar com a forma como o crédito é concedido. Tem que ser instrumental para a estabilidade e para a sustentabilidade do sector social. Para nós o investimento no banco Montepio não é meramente financeiro.
A Santa Casa condiciona a sua entrada no banco Montepio à presença de outras entidades do sector?
Não diria condicionar, mas se à Santa Casa se juntarem outras entidades da economia social será mais fácil transformar o banco Montepio numa entidade do sector. Havia dezenas de entidades da economia social que tinham títulos de participação e que os transformaram em acções e hoje são accionistas e continuarão a ser. A AMMG tem vindo a fazer reuniões com misericórdias e mutualidades... Mais do que o peso financeiro é o valor simbólico de um banco que congrega entidades da economia social.
Não teme a privatização com instituições fora da economia social?
Para já não é possível, pelos estatutos. Falou-se no interesse de fundações de bancos, mas os bancos não entravam directamente. E cabe aos accionistas da CEMG determinar até que ponto é uma mais-valia para esta ideia global [reforço do sector social].
A Santa Casa está aberta a que entidades da economia social estrangeiras entrem na CEMG?
Dito assim não. A questão essencial é saber quais as motivações.
Que comentário lhe merece a declaração do seu antecessor, Pedro Santana Lopes, de que só a vontade do Governo o levou a estudar o assunto?
O que me leva a estudar o assunto é acreditar que pode ser muito importante para a Santa Casa e para a economia social. Mas tem sempre que haver convergência entre o que são as posições do Governo, do regulador e da Santa Casa. E neste caso existe.