Marcelo à espera de “um salto em frente” no apoio aos sem-abrigo

Depois de servir feijoada de chocos atrás do balcão da antiga Sopa dos Pobres, o Presidente da República deixou claro que espera que os planos aprovados pelo Governo sejam sinónimo de “um novo arranque”.

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O Presidente serviu refeições a sem-abrigo em Lisboa LUSA/ANTÓNIO COTRIM

De bata branca e boné à medida (porque as redes de cabelo não o favorecem), o Presidente da República passou esta segunda-feira para o lado de dentro dos balcões da antiga Sopa dos Pobres e passou meia-hora a servir feijoada de chocos a dezenas de sem-abrigo.

Cem anos depois de outro Presidente – Sidónio Pais - ter baptizado aquela antiga cozinha económica como Sopa dos Pobres (levando a que durante décadas fosse conhecida como Sopa do Sidónio), num momento em que a I Guerra Mundial trazia consigo uma profunda crise social e económica, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a um dos temas que lhe são mais caros, mas desta vez em tom de expectativa quanto ao “novo arranque” que espera das políticas do Governo para combater o fenómeno.

Na sua opinião, o Plano de Acção 2017/2018, aprovado na semana passada em Conselho de Ministros, “é o símbolo de um novo arranque para os próximos anos”. O Presidente destacou a definição de "áreas prioritárias, como a habitação, e com uma colaboração muito intensa com as câmaras, com as instituições sociais", e referiu que, "pela primeira vez, se faz um cálculo financeiro".

“Era preciso quantificar, saber o que vale o quê, em cada ministério, e isso não é um trabalho fácil”, considerou. Embora note que não há muitas novidades entre este plano e o anterior, que acabou no início do ano, o chefe de Estado sempre diz que “o plano está mais pormenorizado". "Temos uma base para arrancar o trabalho até ao final de 2018 e aí faz-se uma avaliação (...) Vamos lá ver se, finalmente, há aqui um salto em frente", acrescentou.

Já as 20 habitações que o plano prevê oferecer como resposta ao fenómeno são dignas de uma menção menos honrosa: “Essa é uma questão que nos preocupa, assim como à secretária de Estado da Segurança Social. Temos que alargar um bocadinho e desenvolver colaborações com as autarquias. Eu concordo que aí temos de ser mais ambiciosos que essa meta anual”, disse com jeitinho.

Na actual CASA – Centro de Apoio aos Sem-Abrigo da Santa Casa da Misericórdia, Marcelo começou por ser discreto. Desatentos ou tímidos, muitos dos utentes que iam buscar o seu tabuleiro – sopa, prato, pão e fruta – não se manifestavam pelo facto de estarem a ser servidos pelo Presidente da República. Alguns faziam-no à saída: “Senhor Marcelo, adeusinho, obrigado por tudo”, disse um. Outro utente lembrava que há um século que não passava por ali um chefe de Estado e outros ainda pediam para lhe dar “uma palavrinha” e eram encaminhados para uma assessora.

Os casos eram diversos e estranhos. Havia um apátrida, outro que afirmava ter descoberto a cura para o herpes, um que queria apresentar uma queixa a Pedro Passos Coelho “porque há 30 anos que o jogo não o deixa viver”. Histórias que apontavam para problemas de saúde mental, tão frequentes naquela população, comentava a assessora.

Uma idosa queria apenas ler ao Presidente duas cartas que lhe escreveu, uma sobre o Natal e outra pedindo "ocupações válidas para o futuro" dos jovens que ali fazem refeições. Estava Marcelo sentado à mesa a comer com a secretária de Estado da Segurança Social, o director da CASA e o novo provedor da SCML, Edmundo Martinho.

"Comem, vão para a rua, sem esperança, sem sonhos para construírem as suas vidas. Precisam de regras, precisam de disciplina. Há tanto trabalho, doutor, a fazer nesta cidade e em todo o país. Fico triste, senhor Presidente, quando olho ao redor, e os vejo parados, como se a vida tivesse acabado para eles", leu Maria Adélia Ferreira Barbosa, de 79 anos, utente da casa.

No final, o chefe de Estado saiu pelas traseiras, para um beco onde se instalaram dois sem-abrigo em colchões de espuma rodeados de sacos. Marcelo estende a mão um deles, que pelos vistos já conhecia: “Então aquele sobretudo, ficou bem?” O homem responde que sim, mas que era “muito largo”. Mas de qualquer forma já não o tem: “Estava aqui guardado, mas anteontem levaram-no”. Para onde, não sabe. Ficou o gorro vermelho na cabeça: “Esse não tiro nunca”.  <_o3a_p>

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