Impasse laboral na Autoeuropa sem fim à vista
Governo fala em “situação de risco” e CT aposta em nova ronda negocial após chumbo do segundo pré-acordo.
Depois de a maioria (63,2%) dos trabalhadores que votaram terem rejeitado o pré-acordo estabelecido com a direcção da Autoeuropa, a comissão de trabalhadores (CT) quer iniciar uma nova ronda negocial com a empresa. “Agora há que acalmar e interpretar os resultados [da votação]”, afirmou ao PÚBLICO o coordenador da CT, Fernando Gonçalves, e “partir para outra plataforma de entendimento” com a administração.
Questionado sobre se não estava mais pressionado pela falta de tempo, afirmou que o processo irá demorar “o tempo que for necessário”. Para já, ainda não há data para um novo encontro entre a CT e a direcção e, depois da rejeição de dois pré-acordos em poucos meses, falta saber que margem de manobra é que ainda há para melhorar uma eventual nova proposta.
Em última instância, o grupo alemão pode avançar com a aplicação do novo modelo laboral de forma unilateral, já que a posição dos trabalhadores não é algo vinculativo, mas tal seria certamente encarado como uma posição de força e susceptível de provocar reacções como greves, com um forte impacto negativo nas relações laborais.
Questionada, fonte oficial da Autoeuropa afirmou apenas que a empresa lamentava o resultado da votação e que ia “analisar os impactos” para depois decidir quais os passos a tomar. Não há dúvidas, no entanto, de que o novo chumbo representa um revés para os planos da unidade de Palmela.
O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, já veio falar numa “situação de risco” para a empresa. “O tempo está a correr muito depressa e, quando há um impasse, a situação não corre a nosso favor”, afirmou.
Os dados da votação, conhecidos esta quarta-feira à noite, vieram assim prolongar a conjuntura de instabilidade laboral vivida na fábrica da Volkswagen de Palmela (Setúbal). Dos 5726 trabalhadores que podiam votar fizeram-no 4975 (com 13% de abstenção), dos quais 63,2% (3145 trabalhadores) optaram por rejeitar o pré-acordo.
Propostas eram “uma melhoria”
Logo após o resultado ter sido conhecido, a CT emitiu um comunicado em que defende que “as condições estabelecidas, ao contrário do que alguns pretenderam fazer crer, representavam uma melhoria para os trabalhadores em relação ao que já anteriormente tinha sido proposto e igualmente rejeitado”.
A estratégia passa por “reiniciar o processo negocial com o objectivo de alcançar um novo entendimento”.
No início de Agosto, a anterior CT acabou por pedir a demissão após a maioria dos trabalhadores ter rejeitado o primeiro pré-acordo que ficara estabelecido com a administração liderada por Miguel Sanches.
O acordo sobre o qual os trabalhadores se pronunciaram esta quarta-feira previa duas fases distintas: uma entre o início de Fevereiro e Julho do próximo ano, transitória, e outra a partir de Agosto, e que já incorporava a laboração contínua da fábrica de modo a conseguir satisfazer a procura pelo novo veículo utilitário desportivo, responsável pela esmagadora maioria dos cerca de 240 mil novos veículos previstos para 2018 naquela unidade fabril. A escolha da Autoeuropa para produzir o T-Roc implicou um investimento da ordem dos 670 milhões de euros por parte da VW.
A CT, eleita em Outubro, destacava junto dos trabalhadores o facto de ter conseguido “garantir a distribuição do horário semanal de segunda a sexta-feira na fase de transição, a manutenção do trabalho extraordinário como tal, a rotação semanal entre turnos, menos sábados trabalhados, mais dias de descanso para os trabalhadores”. O pré-acordo previa ainda, sublinhava a CT antes da votação, a contratação no ano que vem “de cerca de mais 400 colaboradores de modo a ser possível a introdução da 4.ª equipa de trabalho”.
O problema dos sábados
A principal questão está ligada à inclusão do sábado como dia normal de trabalho, e com três turnos por cada dia, de modo a cumprir as metas de produção do T-Roc. Em troca, passariam a existir algumas compensações, mas sem que o trabalho ao sábado fosse voluntário e pago como horas extraordinárias.
Embora com representantes na CT, a comissão sindical do SITE Sul (afecto à CGTP) já tinha defendido esta semana que as negociações na Autoeuropa não devia ser encerradas. Apesar de falar em “algumas melhorias” face ao primeiro pré-acordo chumbado, “existem ainda matérias em que é possível progredir”, defendeu este sindicato, avançando com três pontos: “A salvaguarda de que o futuro regime de horário de trabalho, a implementar após as férias [de Agosto], seja de adesão individual, respeitando assim a vontade de cada trabalhador”; a retribuição “de todo o trabalho extraordinário em conformidade com os valores actualmente praticados”, e que a “laboração contínua deve ser discutida fora do actual processo”.
Em Setembro, o presidente executivo da marca Volkswagen, Herbert Diess, questionado por um grupo de jornalistas portugueses, já afirmara esperar uma conclusão das negociações em Outubro. O mesmo responsável afastou então a possibilidade de transferir parte da produção para outras fábricas, mas esta é sempre uma sombra que paira, até porque o T-Roc é uma das grandes apostas da VW para subir os lucros e tentar superar o escândalo da manipulação das emissões de veículos a diesel.
Não deixou de sublinhar, no entanto, que o grupo foi “apanhado de surpresa” pela contestação dos trabalhadores, recordando a estabilidade laboral que tinha marcado a fábrica de Palmela até aqui.
Um peso-pesado na economia
Incluída na lista das maiores empresas exportadoras (embora também importe muitos componentes, há um forte contributo de componentes nacionais), a Autoeuropa tem um peso da ordem do 1% do PIB e de 4% nas exportações, de acordo com os dados da própria empresa.
Em Junho, além do contributo das exportações de serviços, o Banco de Portugal destacava que as vendas ao exterior iriam ainda beneficiar “no final de 2017 e ao longo de 2018 do aumento previsto da capacidade produtiva de uma unidade industrial do sector automóvel”, ou seja, da Autoeuropa.
Governo preocupado
Esta quinta-feira de manhã, em declarações à TSF, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, defendeu que “sempre foi possível encontrar soluções negociadas”, mas sem deixar de sublinhar que o actual impasse é “um risco para a empresa”. “Seria ilusório estar a fazer uma afirmação no sentido contrário”, vincou o membro do Governo.
Mais tarde, no Conselho de Ministros, Vieira da Silva voltou ao assunto, afirmando, citado pela Lusa, que “as situações de impasse em empresas com pressão externa como a que tem a Autoeuropa são situações de risco”.
“O Governo terá uma proximidade muito grande em relação à situação, mas tem a expectativa de que a administração e os trabalhadores terão a capacidade de resolver rapidamente, encontrando pontos de convergência – porque o tempo está a correr muito depressa e, quando há um impasse, a situação não corre a nosso favor”, acrescentou Vieira da Silva.
Tiago Barbosa Ribeiro, deputado do PS ligado às questões laborais, também expressou a sua preocupação, apelando ao “diálogo social” e sublinhando que, na falta de acordo, “todos saem a perder”.