Lugares para professor fechados aos cientistas mais jovens
Relatório oficial é mais um retrato da precariedade na ciência e ensino superior: 19% dos investigadores entre 35 e 39 anos que dão aulas não têm um vínculo laboral estável às instituições onde trabalham.
A carreira de docente no ensino superior está praticamente fechada aos cientistas mais jovens, mostra um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC). Apenas 11% dos investigadores com menos de 30 anos estão a dar aulas. Destes, só 1% entraram nos quadros das instituições. O relatório publicado no mês passado é mais um retrato da precariedade na ciência e ensino superior, defendem os representantes de quem trabalha no sector.
É a primeira vez que se publica um estudo como este. Não existem, por isso, dados disponíveis que permitam comparações com anos anteriores. Todavia, numa análise das informações disponibilizadas pela DGEEC, e tendo em conta as idades dos cientistas, percebe-se que o número de investigadores que dão ao mesmo tempo aulas no ensino superior está em queda.
Por exemplo, entre os cientistas que têm entre 55 e 59 anos, a esmagadora maioria (77%) são simultaneamente professores do quadro e outros 6% são docentes com outro tipo de vínculo. Apenas 17% dos investigadores destas idades estão afastados do ensino. Pelo contrário, na faixa etária dos menores de 30 anos, a esmagadora maioria (89%) não tem actividade docente.
Os dados da DGEEC mostram mesmo uma proporcionalidade inversa entre a idade dos investigadores e a sua condição de professor. Ou seja, quanto mais jovens são os cientistas, menos probabilidades há de que sejam também docentes. A excepção são as faixas etárias mais velhas (60 a 64 anos e mais de 65 anos), o que se explica pelo efeito das aposentações. Muitos professores nestas idades deixaram já de dar aulas, continuando a fazer trabalho científico e a pertencer a unidades de investigação.
Há uma porta fechada para cumprir o princípio de que se “ensina melhor aquilo que se investiga”, explica Cláudia Botelho, cientista na Universidade do Minho e presidente da Associação Nacional de Investigadores de Ciência e Tecnologia (ANICT). “Esta foi sempre uma forma de os cientistas passarem o conhecimento que produzem e, ao mesmo tempo, atrairmos os alunos para a investigação”, acrescenta.
Nesse sentido, as regras das bolsas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) permitem que os investigadores dêem quatro horas semanais de aulas no ensino superior. “É uma prática que defendemos”, afirma Cláudia Botelho. Os dados mostram também “uma realidade preocupante”, defende a presidente da ANICT: a forma como a precariedade atinge sobretudo os mais jovens que trabalham em ciência e no ensino superior.
A DGEEC não revela que tipo de vínculos têm os investigadores que não dão aulas. Contudo, de acordo com a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, publicado em 1999, há menos de 700 pessoas contratadas no sistema científico nacional. Ou seja, a esmagadora maioria destes cientistas que não tem actividade docente serão bolseiros de investigação ou pessoas com outros tipos de contratos precários.
Além disso, as faixas etárias mais jovens não são apenas aquelas em que há menos investigadores a dar aulas, mas também aquelas em que mesmo quem é professor tem menos acesso à carreira. Por exemplo, na faixa etária dos 30 aos 34 anos, 18% dos investigadores dão aulas sem vínculo estável. Na faixa etária seguinte (35-39 anos) esse valor sobe para 19%. Entre os docentes que dão aulas mas não estão na carreira incluem-se professores convidados, assistentes convidados, leitores ou monitores.
“Os dados demonstram que a precariedade está ligada à faixa etária, sendo que os mais velhos estão na carreira e os mais jovens estão fora e possuem outros vínculos”, analisa o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Gonçalo Velho.
Não existem dados internacionais comparáveis com os que agora foram divulgados pela DGEEC para Portugal. No entanto, o retrato de um sector científico assente em vínculos precários não é propriamente uma novidade. Dados de 2011 da OCDE colocaram o país como o segundo com maior número de doutorados com contratos temporários (22%). Pior só a Espanha, com 25,4% de doutorados precários. Nesse estudo, países como a Alemanha (14,5%) ou a Bélgica (8,2%) demonstravam ter condições laborais mais favoráveis para os seus trabalhadores mais qualificados.
Sistema "viciado"
A precariedade na ciência e no ensino superior foi reconhecida pelo Governo nesta legislatura, tendo motivado a publicação do diploma do emprego científico — que aguarda regulamentação —, ao abrigo do qual a tutela espera transformar cerca de 3000 bolsas de investigação em contratos de trabalho.
Gonçalo Velho diz que a lei só não chega para mudar a realidade: “Se continua o braço-de-ferro e a recusa dos reitores, não se resolve. Temos um sistema de tal modo viciado em precariedade que é muito difícil mudar as coisas”, acrescenta o presidente do Snesup.
Os dados globais do relatório da DGEEC mostram que 61% dos 23.132 investigadores doutorados que trabalham nas unidades de investigação financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) são, ao mesmo tempo, professores em universidades ou institutos politécnicos. No entanto, só menos de metade (49%) são docentes de carreira. Os outros 12% dos cientistas que também dão aulas têm outro tipo de vínculos. Os restantes 39% dos cientistas das unidades financiadas pela FCT não dão aulas.
O estudo contabiliza apenas os investigadores doutorados — quem estiver a fazer a sua investigação de doutoramento, por exemplo, não é tido em consideração — nas unidades de investigação e desenvolvimento financiadas pela FCT, incluindo laboratórios associados. Ficam de fora os investigadores dos laboratórios do Estado e hospitais, por exemplo, bem como aqueles que trabalham em unidades de investigação de empresas.