O que estão a fazer as freguesias de Lisboa para enfrentar a seca?
As juntas da capital têm adoptado medidas comuns, sobretudo de suspensão da lavagem das ruas e da diminuição da rega nos jardins. Mas se umas dão mais passos e pensam, por exemplo, em introduzir espécies que necessitam de menos água, outras nada fizeram em nome dos “residentes”.
Em Santa Maria Maior, uma das freguesias mais visitadas da capital, o presidente da junta, Miguel Coelho, admite que ainda não foram tomadas medidas para fazer face à seca. Mas, em Campolide, por exemplo, pensa-se em medidas que visam a prevenção — para lá das de contenção — ao optar por prados de baixa manutenção nos novos parques da freguesia.
Sabe-se que Lisboa, que é abastecida pela barragem de Castelo de Bode — uma importante reserva de água do país —, tem estado livre do confronto com a seca extrema que assola o país. Ainda assim, a autarquia da capital apresentou, na semana passada, o plano municipal de combate à seca que inclui, entre outras medidas, a suspensão temporária da água a correr nas fontes ornamentais que usem água da rede e a redução da rega.
Em 2014, com a descentralização de competências para as juntas de freguesia, estas assumiram grande parte da gestão de espaços verdes e a limpeza das ruas. Numa cidade que fala em “responsabilidade colectiva”, quando o assunto é o combate à falta de água, que medidas têm tomado as juntas de freguesia?
A redução das lavagens de ruas é uma das medidas comuns às juntas com que o PÚBLICO falou. A excepção é a freguesia de Santa Maria Maior, que Miguel Coelho considera estar “numa zona muito sensível” e “muito castigada pelas visitas diárias da cidade”. É que se a freguesia tem cerca de 14 mil habitantes, passam pelos bairros da Mouraria, Alfama, Castelo, Baixa e Chiado, mais de 250 mil pessoas, todos os dias. “Se neste momento fizesse uma restrição nas lavagens, estaria a prejudicar os residentes. Não achamos necessário estar a fazer isso.”
“Se eu fosse responsável pela Fonte Luminosa, tomava uma medida nesse sentido, mas que eu saiba a câmara ainda não diminuiu as lavagens das ruas”, continuou o autarca, admitindo ter mandado fechar a fonte do Teatro São Carlos, no Chiado.
Nos “57 quilómetros de ruas” de Arroios, como frisou a autarca Margarida Martins, as lavagens das ruas, que eram diárias, pararam há dois meses. Agora, “só em caso de urgência”, em situações “que possam criar problemas à saúde pública”.
O mesmo está a acontecer em Alvalade, Lumiar, Olivais, Santo António, Ajuda, Benfica, Penha de França e Campo de Ourique. Segundo a informação que as autarquias fizeram chegar ao PÚBLICO, as lavagens são realizadas apenas em casos de estrita necessidade.
Em Belém, São Domingos de Benfica, São Vicente e na Misericórdia, as lavagens das ruas não são mais feitas ao ritmo habitual. A aposta vai para a varredura diária, admitiu Natalina Moura, que lidera a junta de São Vicente. Já Fernando Rosa, autarca de Belém, insistiu na necessidade de continuar a lavar as ruas — ainda que reduzida ao “estritamente necessário” — porque “a freguesia recebe muitos visitantes” —, e com o Render da Guarda, junto ao Palácio de Belém, “é preciso limpar com uma certa frequência”. Mas não adiantou mais medidas de poupança.
Água reciclada
Em grande parte do território, a lavagem das ruas faz-se com água da rede pública. Lavar e regar com água reciclada ainda não é regra nas freguesias lisboetas, embora algumas já o procurem fazer. São os casos do Lumiar e Campo de Ourique.
André Couto avançou que a junta de Campolide está a trabalhar com o vereador da Estrutura Verde da Câmara de Lisboa, José Sá Fernandes, na utilização da água tratada na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcântara para a lavagem de ruas e rega dos jardins.
No Lumiar, Pedro Delgado Alves admitiu estar a estudar “recorrer a fontes alternativas de abastecimento”, quer para lavar, quer para regar. Estando a freguesia numa antiga zona de quintas, o autarca explicou que foram identificados alguns poços e furos que poderão ser usados para esses fins.
Também na Estrela a junta está “há uns meses” a trabalhar “na substituição dos mecanismos tradicionais de lavagem de ruas por outros mais eficazes”, que utilizem menos caudal de água, semelhantes às pistolas de limpeza dos graffiti. Nas zonas de Santos e no bairro da Madragoa, pelo movimento nocturno que têm, a lavagem chega a ser semanal.
Espécies auto-sustentáveis
A par da limpeza das ruas, a rega dos espaços verdes é uma das tarefas que mais consome água. Na Ajuda, o autarca Jorge Marques referiu que foi reduzido “para metade” o tempo e o número das regas dos jardins. Em São Vicente, só se rega o “estritamente necessário”, assim como em Campolide, Alvalade, Benfica Lumiar.
Já os sistemas de rega nos espaços verdes e arvoredo de Campo de Ourique e da Penha de França foram desligados. A medida está a permitir à junta da Penha de França poupar 50 metros cúbicos por dia. Usar água reciclada para esse efeito está também nos planos da autarquia.
Em Belém, a “grande batalha”, notou Fernando Rosa, tem sido a instalação da irrigação automática nos jardins. Esta tem sido uma das apostas das freguesias para evitar gastos supérfluos, quer na água, quer no orçamento. Já em São Domingos de Benfica, António Cardoso apontou que “mais de 90% dos jardins têm um sistema de rega por computador” e e a junta está “em negociações com a câmara” relativamente ao reaproveitamento de águas.
O sistema gota a gota já está instalado nos espaços verdes de Arroios, e, nos Olivais, “25 hectares da freguesia” estão cobertos por um sistema de rega automática, disse a presidente, Rute Lima.
Nos jardins da Misericórdia foi instalado o sistema de waterbeep da Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), que é responsável pelo abastecimento da cidade de Lisboa, para monitorizar o consumo de água a cada 15 minutos. Com este instrumento, é possível perceber se há um consumo excessivo de água, alertando, assim, para a possibilidade de existir alguma fuga.
Para lá dos sistemas inteligentes de rega, a junta de Campolide está a recolher água de uma fonte natural em Monsanto, que “acabava por ser desperdiçada”, para irrigar os jardins.
Nesta freguesia, tem havido a preocupação de escolher prados de baixa manutenção — auto-sustentáveis em termos de água — nos novos parques da freguesia. Foi o caso do novo parque na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro, explicou André Couto. Quer também acabar com os jardins “que consumiam muita rega, mas eram massacrados pelos cães”, substituindo a relva por árvores.
Fontes desligadas
Na freguesia de Santo António, o autarca Vasco Morgado referiu que os lagos que não têm recirculação foram fechados e vazados, pelo que a junta vai aproveitar a ocasião para corrigir algumas fugas e instalar um sistema de recirculação nos dois que não o têm.
Um dos lagos tem capacidade para 155 metros cúbicos e é vazado e lavado de dois em dois meses. Por isso, só com este lago a autarquia gasta, num ano, 930 metros cúbicos de água, que equivalem a 930 mil litros: qualquer coisa como 186 mil garrafões de cinco litros.
Também na Misericórdia, a junta fez saber que “uma das prioridades no início do mandato anterior foi a recuperação das bicas e dos bebedouros”, para sanar fugas de água, e a colocação de “torneiras com temporizador para evitar o consumo contínuo”. No chafariz da Praça das Flores está, neste momento, a ser concluída a colocação de um circulador de água.
Em relação a estes equipamentos, outras juntas resolveram tomar medidas. Na Penha de França, por exemplo, o fornecimento de água a chafarizes e bebedouros públicos foi “temporariamente suspenso”, excepto os dos parques infantis. Em Alcântara, apenas estão ligados os fontanários que utilizam água recirculada, disse presidente da junta, Davide Amado, acrescentando que a rega foi também “bastante” reduzida.
Sensibilizar nas escolas
“A sensibilização passa por este confronto com as crianças”, admite Natalina Moura. Informar junto das escolas é, portanto, uma prioridade para a junta de São Vicente, mas também para Ajuda e Santo António. Nas escolas, avança Vasco Morgado, vão ser colocadas garrafas de litro e meio dentro dos autoclismos. Está também a trabalhar com a EPAL para criar um panfleto de informação para as crianças. “Vamos tentar arranjar umas ampulhetas de timing de banhos e informação sobre medidas de poupança de água”, apontou.
Na freguesia do Lumiar, nas casas de banho das instalações sob gestão da junta, serão também colocadas garrafas de água nos autoclismos.
Quanto aos mercados de Alvalade, a junta de freguesia admite que tem procurado sensibilizar os comerciantes “para a necessidade de a utilização de água na limpeza das suas bancas ser regrada”, assim como da importância de separar o lixo. Nos mercados de Alvalade e de levante, a lavagem destes espaços foi reduzida. Se antes era quase diária, agora é feita duas vezes por semana.
A Junta de Freguesia da Ajuda deixou as suas contas: sem medidas de poupança, a junta gasta, em média, entre os 3000 e os 3500 metros cúbicos de água por mês. Com o lançamento de medidas, o autarca estima uma redução de 40% a 50% em relação ao consumo habitual, o que corresponderá a uma poupança que andará entre os 1400 a 1700 metros cúbicos — sobretudo devido à diminuição das regas dos jardins para metade. Na prática, na Ajuda, estas medidas podem permitir poupar, pelo menos, 1,4 milhões de litros de água por mês. Ao fim de dois meses, é só imaginar uma piscina olímpica cheia. O PÚBLICO entrou em contacto com as restantes juntas, de Marvila, Beato, Parque das Nações, Santa Clara, Avenidas Novas, Carnide e Areeiro, mas não conseguiu obter respostas em tempo útil.