Já não bastava a seca, também os jacintos-de-água estão a asfixiar o Cávado
São Veríssimo e Manhente são dois dos locais mais afectados, onde os jacintos-de-água cobrem todo o leito do rio que atravessa Barcelos. Não se sabe quando chegaram ao Cávado, mas há quem garanta que nunca tinha visto o rio neste estado.
O açude na Ilha do Tostão, na localidade barcelense de São Veríssimo, trava alguns dos jacintos-de-água que se acumulam de margem a margem do rio Cávado, mas nem isso impede a paisagem de se tornar um jardim que se sobrepõe ao rio. Os mosquitos já sobrevoam as plantas aquáticas que têm colocado as populações ribeirinhas preocupadas com a propagação de uma espécie invasora que já era motivo de preocupação em anos anteriores. Agora, espalhou-se ao longo de todo o rio, pelas margens e, nalguns locais, por todo o leito.
Todos esperam pela chuva e Joaquim Paula espera que ela leve os jacintos-de-água também. A zona onde passa as tardes — com mais “meia dúzia de pessoas que ainda vêm aqui com o barco” —, só tem jacintos-de-água nas margens e alguns a flutuarem, arrastados pela corrente. Não é especialista, mas nasceu perto do rio e ainda agora anda por lá, no seu barco, onde até leva turistas a passear. Já não se lembra da primeira vez que viu a planta pelo rio, mas tem a noção de que “em 2001 já havia”.
O homem de 71 anos, agora reformado, ainda se recorda de quando “as pessoas pediam para levar jacintos”. “Até houve uma vez um espanhol que veio cá e ele lá levou os jacintos-de-água nuns baldes”, conta. Mas também explica que, hoje, as pessoas já percebem que a planta é uma “praga” e já ninguém a quer.
Apesar disso, um dos motivos mais comuns para a propagação da espécie é o cultivo dos jacintos-de-água, por serem espécies ornamentais. Mas há outras causas para esta invasão que estão há muito identificadas: má qualidade da água, excesso de nutrientes no rio e falta de chuva. Este ano, a seca aumentou o problema. A associação Amigos da Montanha tem procurado contrariar o abandono do rio Cávado em Barcelos, promovendo actividades de promoção ambiental e desportos como a canoagem. José Alberto Gonçalves, presidente da associação, também afirma que a planta “já anda por aí há muito tempo”. No entanto, nunca tinha visto o rio no estado que atingiu este ano, a “ocupar todo o leito do rio”, como se pode observar em Manhente ou em São Veríssimo, por exemplo.
O ecossistema natural do Cávado é a principal vítima desta invasão. Num rio com excesso de nutrientes e pouco caudal — o que favorece a propagação da planta aquática —, este ‘jardim’ impede a entrada de luz, matando as plantas submersas e impedindo a produção de oxigénio, num ciclo vicioso.
O desporto é outro dos afectados pelo estado em que se encontra o Cávado. Os praticantes de caiaque não conseguem circular por causa da planta e a própria associação Amigos da Montanha já cancelou um evento de canoagem por causa da propagação da espécie. José Alberto Gonçalves conta que já teve de parar uma descida devido ao rio estar “fechado, como se fosse uma passagem de nível”.
A responsabilidade pela limpeza e pela manutenção do rio Cávado pertence à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), de acordo com informação prestada pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas. Contactada pelo PÚBLICO, a APA não respondeu às questões enviadas.
Apesar de a APA ter a jurisdição da bacia do Cávado, a Câmara Municipal de Barcelos começou, na passada quinta-feira, 16 de Novembro, a intervenção no rio, com limpezas junto à barragem de Penide. O município adianta, numa nota de imprensa, que os trabalhos não se iniciaram mais cedo por indisponibilidade dos bombeiros “dadas as condições excepcionais do período crítico de incêndios”. O município adianta, na mesma nota, que estabeleceu um protocolo com os bombeiros de Barcelos e Barcelinhos no valor de 12 mil euros (seis mil a cada corporação), que deverá ser ratificado na próxima reunião de câmara. O protocolo é válido até 31 de Março de 2018 e pressupõe ainda que o município disponibilize combustível para os equipamentos, bem como os recursos materiais e humanos necessários à identificação e remoção da espécie.
Legislação desde 1974
Três dias antes da queda da ditadura em Portugal, já Américo Thomaz publicava o decreto-lei 165/74 para “tomar providências que evitem a propagação e a continuação da existência desta espécie”. Em 1999, é reforçado o combate às espécies invasoras, com um decreto que regula a introdução, utilização e detenção de múltiplas espécies da fauna e da flora, entre as quais o Eichornia crassipes, nome científico da planta aquática.
Jael Palhas, investigador do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e especialista em plantas invasoras e controlo biológico, sublinha a curiosidade de o jacinto-de-água ser o primeiro a ser proibido mas, por outro lado, continuar a ser predominante em muitos rios. “Neste momento, a invasão do jacinto-de-água em Portugal já se estende aos rios Cávado, Ave, Douro, Vouga Mondego, Tejo, Sorraia e ao Guadiana, na parte espanhola”, indica. A propagação da espécie não é uma novidade. Há dois anos, a deputada comunista Carla Cruz endereçou perguntas ao Governo relativamente ao controlo da espécie na bacia do rio Cávado. O próprio ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, remetia o problema para, “pelo menos desde 2004”, na resposta à deputada do PCP.
“O jacinto-de-água aparece porque é uma planta extremamente bonita e é comercializada como espécie ornamental”, esclarece Jael Palhas. O investigador afirma que esta espécie é “extremamente resistente e aguenta grandes alterações ambientais”. A seca e a falta de chuva, conjugada com a má qualidade da água, agudizaram o problema. “Temos um verão muito mais longo e o jacinto-de-água não se desenvolve com o frio. Como tivemos menos chuva, a concentração de nutrientes na nossa água é maior, precisamente por causa da seca e da falta de chuva”, explica.
Quanto a soluções, o investigador do Centro de Ecologia Funcional afasta a erradicação total como uma possibilidade visto que esta planta já tem uma dimensão e dispersão tal que “não é realista pensar que algum dia a vamos erradicar”, diz. Jael Palhas defende antes o controlo da espécie. Adianta ainda que, além da importância do controlo, “o que é mais urgente é evitar novas invasões e evitar espalhar mais jacintos-de-água”, algo que o investigador afirma acontecer todos os dias pela vasta utilização desta espécie para fins decorativos.
O problema maior é a disseminação, já que as sementes desta planta aquática se desenvolvem com muita facilidade, criando os problemas já conhecidos: dificuldade no acesso à água, degradação da qualidade da mesma e consequente morte da fauna e flora autóctones, bloqueio de sistemas de drenagem e de barragens, além do impacto que pode ter para a saúde devido à propagação de mosquitos.
Os jacintos-de-água não são as únicas espécies invasoras nos rios portugueses, diz Jael Palhas. Contudo, tem sido esta planta a causar maiores problemas, com casos graves no Cávado, Guadiana, Mondego ou na Pateira de Fermentelos (Águeda).
Texto editado por Ana Fernandes