Os homens da chuva vão voltar aos céus de Portugal
Para já, está previsto que esse avião sobrevoe Portugal durante 15 a 20 horas, para recolher informações sobre o que se passa dentro das nuvens. Esta visita dos homens da chuva britânicos, e do seu avião, insere-se num projecto do Instituto de Estudos Ambientais e Meteorológicos da Universidade Lusófona, em Lisboa, e tem a coordenação científica do meteorologista João Corte-Real, da Universidade de Évora.
O avião do Meteorological Research Flight, em Farnborough, do Serviço de Meteorologia da Grã-Bretanha, não realizará experiências de precipitação forçada propriamente ditas. Ou seja, não fará inseminação das nuvens, como se chama ao processo que origina a chuva. Este consiste no lançamento de produtos que aceleram a aglutinação das pequenas gotículas de água e vapor dispersas pela nuvem, para que ganhem peso e caiam pela acção da gravidade. O iodeto de prata, o azoto líquido, o vulgar sal de cozinha e o nitrato de amónia são alguns dos produtos utilizados.
O avião britânico irá fazer estudos da microfísica: por outras palavras, procura-se perceber o que se passa no interior das nuvens que andam por cima de Portugal, porque não são iguais em todo o mundo. Há assim que medir certos parâmetros físicos, como o número de gotas e a sua dimensão e distribuição, a temperatura, o conteúdo em água líquida ou o número de aerossóis (partículas de poluição urbana e industrial e poeiras, por exemplo).
Os serviços a prestar pelo avião britânico, um BAe 146-300, de 31 metros de comprimento, serão pagos por um programa comunitário - o Co-ordinated Access to Aircraft for Transnational Environmental Research, ou CAATER, ao qual os investigadores portugueses concorreram.
Antes da descolagem do avião, os cientistas já tiveram de analisar imagens de satélites meteorológicos, que lhes dão uma ideia da microfísica das nuvens. Mas será que as interpretações dos cientistas retratam o que se passa na realidade? É para o saberem que o avião britânico passará no interior das nuvens durante 15 a 20 horas, com instrumentos de medição, diz Corte-Real. "As observações no local são fundamentais", sublinha.
Através do estudo das imagens de satélite e da sua validação com um avião, os cientistas completarão um modelo numérico das nuvens em Portugal. "Primeiro, vamos fazer simulações de chuva provocada. Se as simulações indicarem que vale a pena, então aí sim, poderemos fazer inseminações."
Estudar a poluição e o efeito de estufaFazer as gotas caírem das nuvens nem é o fim principal da investigação: "A inseminação de nuvens é uma das aplicações, mas não é a essência científica do projecto", sublinha Corte-Real. "Ainda que não façamos inseminação, o estudo da micro-estrutura das nuvens é muito relevante do ponto de vista científico e não está feito em Portugal."
Corte-Real considera fundamental estudar a interacção entre as partículas de poluição e a precipitação, pois os aerossóis têm um papel de supressão da chuva. Não é por existir água numa nuvem que ela vai cair. "Para haver gotas de água é preciso que haja partículas à volta das quais o vapor de água se condensa, formando uma gota de água líquida ou cristais de gelo. Além disso, é preciso que se reúnam muitas gotas para formar uma gota que caia. Mas se houver muitos aerossóis, a água reparte-se bastante e não dá chuva", explica.
O outro aspecto a estudar, refere Corte-Real, é o papel de compensação do efeito de estufa desempenhado pelos aerossóis, ao aumentarem a reflectividade da luz solar pelas nuvens. Isto conduz a um arrefecimento da atmosfera, o que contraria o aquecimento global da Terra.
Já houve várias experiências de chuva na China, Israel ou Estados Unidos (este último país abandonou-as, deixando de financiá-las), mas ela teima em cair apenas quando quer. Há quem ponha outras objecções a essas experiências, dizendo que, por interferirem no ramo aéreo do ciclo hidrológico, tem implicações ambientais significativas. Isto porque o que chove a mais num sítio, chove a menos noutro.
Nenhum país faz chuva a título operacional, apesar de circularem histórias de que a Rússia já usou técnicas de inseminação de nuvens para, por exemplo, desviar a chuva dos Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1980, ou de grandes paradas militares.
O sonho de manipular o tempo, porém, está longe de uma concretização eficaz. "A precipitação provocada não é um problema resolvido. Se a inseminação é feita no sítio ou na altura errada, o insucesso surge. É isso que dificulta estas experiências e foi isso que levou ao descrédito da precipitação provocada", refere Corte-Real.