Casa da Música repete o país da música

A integral das sinfonias de Bruckner e dos concertos para violino de Mozart, a estreia portuguesa de In Vain, de G. F. Haas, e a apresentação de Gurren-Lieder, de Schönberg, são alguns destaques óbvios da programação deste "ano austríaco".

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A segunda Escola de Viena, com nomes como Schönberg, Alban Berg e Anton Webern, estará em destaque Adriano Miranda

Desde que a Casa da Música (CM) inaugurou a figura do país-tema em 2007, com Espanha, é a primeira vez que repete uma escolha, regressando em 2018 à música austríaca, que já visitara intensivamente em 2010. E que tenha sido a pátria de Haydn, Mozart, Schubert, Bruckner, Mahler, Schönberg ou Webern a gozar desse privilégio quase não requer explicação. “O património musical austríaco é praticamente inesgotável, e o difícil é mesmo escolher”, observou o director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, na apresentação da programação para 2018, que incluirá a apresentação integral das sinfonias de Joseph Anton Bruckner, em concertos dirigidos por alguns dos grandes brucknerianos actuais, como os alemães Michael Sanderling e Michael Boder, o israelita Eliahu Inbal ou o suíço Stefan Blunier.

“Já tínhamos feito a integral das sinfonias de Mahler em 2010, e desta vez escolhemos Bruckner, como podia ter sido Schubert ou Haydn…”, explicou António Jorge Pacheco, para logo precisar: “Bem, a integral das sinfonias de Haydn era capaz de ter sido complicado, que ele compôs 104”.

Outra ciclo forte da parte austríaca desta programação é a integral dos concertos para violino de Mozart, com o primeiro, uma obra juvenil mais presa ao barroco, a ser apresentado pela Orquestra Barroca da CM com o violinista britânico Huw Daniel, e os restantes quatro a ser interpretados por Benjamin Schmid com a Orquestra Sinfónica. Schmid maneja um valiosíssimo Stradivarius, cedido por um banco, o que obrigará a CM a reforçar a segurança nos dias em que o grande violinista austríaco subir ao palco.

Num programa vastíssimo, e no qual a componente directamente relacionada com o país tema não representará mais do que 30 por cento, há ainda outros momentos que Pacheco destacou com particular ênfase, e três deles ocorrerão logo no início do próximo ano: a 20 de Janeiro, a apresentação pelo Remix de In Vain, do austríaco Georg Friedrich Haas, compositor residente da Casa da Música em 2018, e em Fevereiro, respectivamente nos dias 20 e 24, o cine-concerto O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiener, com música de Wolfgang Mitterer – uma encomenda da CM e da Philarmonie Luxembourg – e a cantata Gurren-Lieder, de Schönberg, pela Orquestra Sinfónica, “uma obra magnífica, mas raramente interpretada, porque exige forças vocais e instrumentais fora do comum”, nota o director artístico.

Como é habitual, o programa inicia-se com um festival de abertura dedicado ao país-tema, que este ano se chama Música no Coração, e que excepcionalmente se prolongará por dois fins-de-semana, num total de oito concertos que percorrem a história da música austríaca, com obras de Haydn, Mozart e Schubert, o lançamento da integral das sinfonias de Bruckner com a interpretação da Sinfonia N.º7 pela Orquestra Sinfónica, dirigida por Michael Sanderling (12 de Janeiro), um espectáculo do Coro da CM com peças dos principais nomes da segunda Escola de Viena, Schönberg, Alban Berg e Anton Webern, e, chegando ao presente, a já referida estreia nacional de In Vain.

Ao longo do ano, manter-se-ão os principais ciclos que o público da Casa já se habitou a encontrar em diferentes momentos do ano, como o Invicta.Música.Filmes, em Fevereiro, que além do Gabinete do Dr. Caligari lembrará o centenário de Leonard Bernstein com o cine-concerto Há Lodo no Cais, no qual a Orquestra Sinfónica tocará ao vivo a partitura de Bernstein para o filme de Kazan, ou, em Abril, o Música e Revolução, que em 2018 assumirá um perfil diferente do habitual, já que será exclusivamente dedicado a Anton Webern, um dos primeiros e mais inovadores cultores do dodecafonismo. “É um programa que abrange praticamente todo o seu período criativo”, diz António Jorge Pacheco, destacando o concerto do dia 22 de Abril, com o prestigiado Quarteto Arditti.

Outra série habitual que António Jorge Pacheco acredita que irá regressar com um programa especialmente forte em 2018 é o Ciclo de Piano Fundação EDP, cujos nove concertos, distribuídos ao longo do ano, incluem recitais de Richard Goode, Grigory Sokolov, Christian Zacarias, Ingolf Wunder, Artur Pizarro, Lukas Vondracek e o sul-coreano Yekwon Sunwoo, na sua primeira actuação em Portugal. O ciclo abre como sempre com um novíssimo pianista português – João Casimiro Almeida é a aposta de 2018 – e inclui a palestra-recital On Playing Mozart, do veterano Alfred Brendel, a 21 de Outubro, que promete ser uma das sessões mais procuradas do ano.

Para os amantes de jazz, embora a programação do segundo semestre ainda não esteja fechada, há já algumas presenças certas, como o trompetista Terence Blanchard, o guitarrista John Scofield ou o saxofonista Joshua Redman.

Uma última nota extra-musical para aconselhar a agenda anual gratuita em que pode consultar a programação da Casa da Música para 2018, não apenas pelas razões práticas óbvias, pela qualidade dos textos ou por ser um belo objecto gráfico, mas pelos divertidíssimos exemplos de auto-ironia austríaca que António Jorge Pacheco desencantou para introduzir cada um dos meses do ano. Entre citações de Karl Kraus, Thomas Bernhard, Musil, Freud ou Wittgenstein, deixámos aqui a epígrafe de Janeiro, de Gustav Mahler –

“Se chegar o fim do mundo, eu quero estar em Viena: lá tudo acontece 25 anos mais tarde” –, e a que dá entrada à programação de Novembro, de Karl Farkas: “Os vienenses encaram o passado com grande confiança”. 

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