Há mais doentes com superbactéria que causa mortes em hospitais

A resistência combinada a antibióticos de última geração é um problema crescente em Portugal, na Europa e em todo o mundo. Especialistas avisam que cirurgias de rotina e até simples partos podem tornar-se de novo potencialmente fatais.

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Marco Duarte

Nos mapas que o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, sigla em inglês) desenvolveu para ilustrar a percentagem de resistências às bactérias que hoje mais alarmam os especialistas, Portugal aparece várias vezes a vermelho. Há boas e más notícias nos últimos dados que esta quarta-feira vão ser apresentados em Bruxelas pelo ECDC, mas a pior para Portugal é a de que em 2016 — contrariando a tendência para a estabilização deste problema observada na maior parte de países europeus —, voltamos a assistir a um aumento da percentagem de infecções com Klebsiella pneumoniae resistente a vários antibióticos de largo espectro (como quinolonas e cefalosporinas de terceira geração) e também a carbapenemos.

Os carbapenemos são antibióticos de fim de linha usados exclusivamente nos hospitais para tratar infecções graves e cujas bactérias já desenvolveram resistências a outros fármacos. Quando não funcionam, a alternativa é recorrer a antibióticos antigos, mais tóxicos, como a colistina.

O problema é que mesmo em relação a esta última já começaram a surgir resistências em vários países europeus. “A emergência de resistências à colistina é um sério aviso de que as opções estão a tornar-se ainda mais limitadas”, alerta o ECDC que, em colaboração com a Comissão Europeia, organiza esta quarta-feira em Bruxelas um encontro para assinalar o Dia Europeu dos Antibióticos, que se assinala no sábado.

“Manter os antibióticos a funcionar” é o mote do encontro e o título da campanha que o ECDC vai lançar nos media sociais, chamando a atenção das pessoas para usarem estes medicamentos apenas quando são mesmo necessários e para não os tomarem como forma de combater gripes, por exemplo, pois estas são causadas por vírus. Em simultâneo, o ECDC vai lançar também um novo guia para o controlo das infecções associadas à Klebsiella e outras bactérias deste grupo (Enterobacteriaceae), as que maior alarme estão a provocar na actualidade.

“Um futuro preocupante”

“Com a crescente resistência mesmo a antibióticos de fim de linha, enfrentamos um futuro preocupante em que cirurgias de rotina, partos, pneumonias e mesmo infecções de pele poderão tornar-se de novo potencialmente fatais”, alerta o comissário europeu para a saúde e segurança alimentar, Vytenis Andriukaitis, que falará na sessão de abertura do encontro.

“Apesar de começarmos a ver alguns progressos, é preciso continuarmos vigilantes e trabalharmos ainda mais para reduzirmos os níveis de resistência antimicrobiana”, reforça Andrea Ammon, directora do ECDC.

A Klebsiella não é a única bactéria multirresistente a causar preocupação. “Ainda se verificam aumentos significativos na resistência combinada para a Escherichia coli e a Acinobacter na Europa, e a situação é muito preocupante porque os doentes infectados com estas bactérias multirresistentes dispõem de opções de tratamento muito limitadas”, sublinha a directora do ECDC. 

Relativamente a estas duas últimas bactérias a situação melhorou nos últimos anos em Portugal. O mesmo aconteceu com outra bactéria que há anos deixa os especialistas à beira de um ataque de nervos, a  MRSA (Staphylococcus aureus resistente a meticilina), causa de infecções hospitalares em todo o mundo e que é um problema grave em Portugal. “A diminuição foi de quase 30% nos últimos anos, no entanto a taxa continua bastante acima da média e permanecemos no mapa do ECDC a vermelho”, explica Carlos Palos, do Programa de Prevenção, Controlo da Infecção e Resistência aos Antimicrobianos, da Direcção-Geral da Saúde, que participa neste encontro.

Antibióticos não servem para gripes

Mas é de facto a Klebsiella pneumoniae que causa mais dores de cabeça aos especialistas nacionais. A Klebsiella resistente a carbapenemos, a que alguns já chamam superbactéria e que pode provocar infecções urinárias, respiratórias e da corrente sanguínea, saltou para a ribalta em Portugal depois de vários surtos hospitalares se terem sucedido em 2015 e 2016, provocando mortes e obrigando os hospitais a reverem as suas práticas e a colocarem doentes em isolamento.

Dois destes surtos, um no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e outro no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, afectaram dezenas de doentes e foram fatais para seis, três em cada unidade hospitalar. “Temos de facto um agravamento da Klebsiella resistente a carbapenemos e isto resulta da generalização do uso destes antibióticos”, lamenta Carlos Palos.

Portugal era, aliás, em 2015 o segundo país da UE que mais utilizava estes antibióticos de última linha, “apesar de um grande esforço que tem sido feito” para combater a prescrição inadequada, assinala.

Em contrapartida, destaca o médico, nas outras bactérias que se tornaram multirresistentes e que provocam surtos de infecções hospitalares estamos a melhorar ou a estabilizar.

Ainda assim, segundo os últimos dados de infecção hospitalar conhecidos (de 2012), Portugal tem uma taxa de infecção hospitalar muito superior à da média da UE. E no último relatório prioritário do programa da DGS notava-se que em 2013 as mortes associadas a este problema suplantavam as 4600, sete vezes mais do que as mortes por acidentes de viação.

Mas o problema está longe de se circunscrever aos hospitais. Apesar das melhorias observadas nos últimos anos, Portugal continua a ser um dos países da União Europeia (UE) onde há mais desconhecimento sobre a utilização correcta de antibióticos. Segundo os dados do último Eurobarómetro sobre esta matéria, 60% dos portugueses ainda acreditam que os antibióticos actuam sobre os vírus e 50% crêem que servem para tratar constipações e gripe, deixando-nos numa preocupante posição bem acima da média europeia.

Ainda assim, a situação estará a melhorar: os dados mais recentes indicam que entre o primeiro semestre de  2015 e o primeiros semestre de 2016, os portugueses compraram menos 100 mil embalagens de antibióticos. Os últimos números apresentados pelo ECDC no ano passado mostravam que Portugal estava no meio da tabela de 30 países, em 2015, em consumo de antibióticos, abaixo da média da UE, tanto em doses diárias definidas como em embalagens. 

Mas há uma ressalva a fazer. Os dados de Portugal incluem apenas os medicamentos vendidos nas farmácias e comparticipados pelo Estado.

A jornalista viajou a convite do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC)

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