“É preciso criar um projecto alternativo [ao soberanismo] que entusiasme"
Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Mariano Rajoy, foi deputado e eurodeputado durante mais de 35 anos. Dizem que pôs a Espanha no mapa, enquanto tentava impor a sua abordagem sobre a Catalunha.
José Manuel García-Margallo não foi convidado para o segundo mandato do PP, apesar da sua popularidade como chefe da diplomacia. Hoje diz que não teria conseguido ficar já que as suas opiniões chocariam com a linha de Governo. “As fracturas na sociedade espanhola e a fractura entre os soberanistas e o resto da sociedade catalã foram tão duras que vai custar muito a refazer estas relações”, disse numa entrevista em Lisboa, onde esteve a convite da Câmara do Comércio.
Madrid e Barcelona tentaram explicar o processo em inglês, ao mundo. Mas não terá faltado um esforço dos soberanistas para falarem ao resto dos espanhóis e de Madrid para falar aos catalães descontentes?
Creio que houve um abandono do terreno por parte da sociedade catalã não separatista e por parte da sociedade espanhola. Evidentemente, este vazio foi aproveitado pelo movimento independentista para difundir um pensamento único. É doloroso constatar isto porque não é um fenómeno novo, desde 1980 quando Jordi Pujol chegou ao Palau em Sant Jaume começou logo um processo de construção nacional, um doutrinamento a partir das escolas que não teve uma resposta adequada. É verdade que nesse momento se produziu um vazio e a natureza tem horror ao vazio.
E há diferentes atitudes que se podem adoptar, às vezes tons distintos para uma mesma mensagem. As atitudes do presidente do Governo, Mariano Rajoy, e da sua vice, Soraya Sáenz de Santamaría, são recebidas como ataques na Catalunha.
Há episódio contado por Gregorio Marañon sobre o conde-duque de Olivares, em 1640. Diz que se deixou levar pela antipatia que havia em Castela em relação à Catalunha, e lembra que existia a mesma antipatia na Catalunha, e que um grande estadista tem de estar por cima destas ondas emocionais das multidões e entender os interesses gerais. Há uma citação de um autor posterior, que resume muito bem o problema. Diz que há realidades inegáveis, uma delas é a existência de uma identidade catalã e uma identidade hispânica paralela à catalã, e face a estes dois fenómenos podes fazer várias coisas: negar a identidade catalã, que é o que ele chama de assimilação, como fizeram Rivera e Franco; o secessionismo, que é negar a realidade hispânica; a terceira opção que é harmonizar ambas as realidades em benefício mútuo; e a quarta que é não fazer nada e esperar que o tempo resolva as coisas.
Eu sempre defendi a harmonização destas duas realidades, com uma empatia recíproca, ao mesmo tempo que se deveria ter atendido desde o primeiro momento aos motivos de desafeição. Uma reforma constitucional que tornasse o Senado numa câmara territorial, uma lei de definição de competências que evitasse os permanentes conflitos nos tribunais, uma lei de línguas que pusesse em destaque o conjunto das línguas nacionais para além do castelhano e uma atenção especial às necessidades de infra-estruturas, como o corredor Mediterrâneo, que poderia ter ajudado… Essa era a minha postura.
Mas fez-se o contrário.
Bem, eu sou um espanhol periférico, estudei sempre no País Basco, sou neto de uma catalã e entendi provavelmente melhor do que outros espanhóis de outras comunidades o que é a diversidade espanhola, um dos activos do nosso país desde do ponto de vista cultural, histórico, linguístico. E sempre pensei que a História de Espanha se contou muito a partir da realidade castelhana.
Agora é difícil voltar atrás.
As fracturas na sociedade espanhola e a fractura entre os soberanistas e o resto da sociedade catalã foram tão duras que vai custar muito a refazer estas relações. Eu que tendo a ser optimista, e que vou muito ao País Basco, onde o meu pai ainda vive, vi que quando o tema se normalizou as fracturas começaram a curar-se. E ali houve fracturas provavelmente superiores porque houve mortos.
Nos próximos tempos as coisas ainda podem piorar
Ou melhorar. Creio que neste mundo de pós-verdade a primeira parte da campanha dos constitucionalistas [PP, Cidadãos e PSC] tem de ser usada a explicar que os soberanistas criaram um mundo inteiro de falsidades, não só em termos históricos mas também de falseamento do futuro. Eles contavam que uma separação unilateral da Catalunha seria absolutamente indolor e conduziria de imediato a uma estabilidade, a um país reconhecido por uma maioria dos 193 estados que integram a comunidade internacional, membro na ONU e que ou não chegaria a sair da UE ou voltaria a aderir depressa. Ora, tudo isto já se provou ser mentira… A situação seria catastrófica, a Catalunha teria de se declarar em bancarrota, deve 75 mil milhões de euros, sem contar com a parte da divida espanhola que lhe caberia. Dito isto, acho que é preciso criar um projecto alternativo e que entusiasme, explicar que a Catalunha nunca teve um período de liberdades, reconhecimento e protecção da língua autóctone e de prosperidade económico como agora.
Vão fazê-lo?
Há que ter muita empatia e muito carinho e explicar que a muitíssimos espanhóis este tema nos dói profundamente. Seria uma mutilação sentimental inacreditável, para mim que tenho 25% de sangue catalão.
É possível esperar isso de partidos que até agora têm tido um discurso tão pouco moderado, pensando no PP e no Cidadãos?
Bem, em todos os partidos há escolas diferentes de pensamento político. Isto é como um divórcio, quando começa a escalada verbal é muito fácil acabar-se na guerra das rosas. É preciso ter muito cuidado com as palavras e com as atitudes e demonstrar o que é verdade – que Espanha sem a Catalunha nem se entende, que a Catalunha forma uma parte essencial de Espanha.
A campanha começou assim que o governo foi destituído, mas ainda falta muito para 21 de Dezembro. Agora, com a detenção dos conselheiros, o independentismo parece ter recuperado capacidade de mobilização.
Não creio que o panorama eleitoral se vá alterar muito profundamente. Sem querer fazer futurologia, penso que nenhum dos campos vai ter maioria e que o árbitro será a formação Catalunya en Comú [de Ada Colau, apoiada pelo Podemos]. Mas se o campo soberanista tiver uma maioria nada mudará, a lei continuará a ser a lei.
Disse que Espanha ficou a dever muitos favores para evitar declarações mais simpáticas em relação à Catalunha. O que é que isso significa?
As relações internacionais são como a vida, todos somos sócios e temos de lutar pelos nossos interesses, eu entendo os teus e tu os meus. Eu não consigo entender as declarações de [Nicola] Sturgeon [primeira-ministra escocesa], eu a [Alex] Salmon disse-lhe que à primeira declaração de simpatia em relação à Catalunha Espanha nunca iria reconhecer a Escócia. O mesmo com os estados bálticos… Todos estamos no Esquadrão Báltico mas também estamos a votar sanções contra a Rússia quando nós não temos nenhum conflito com a Rússia, eu tenho direito a dizer, ‘oiçam, estou a acalmar as vossas inquietações, ocupem-se também das minhas’. A diplomacia consiste em tecer cumplicidades na vida internacional e estar protegidos por estas cumplicidades. Em cinco anos estive quatro vezes nos Países Bálticos, juro que não era por gostar do clima.