Veículos voadores da Uber “acabarão por ser autónomos”

A Uber quer começar a voar já na próxima década. Com helicópteros eléctricos e, um dia, não pilotados, diz ao PÚBLICO o vice-presidente da empresa, Jeff Holden. Em terra, os carros autónomos já estão a chegar e vão dispensar os motoristas.

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O vice-presidente da Uber, Jeff Holden Ricardo Lopes

Há muito que a Uber disse que pretende ter veículos voadores e capazes de fazer os clientes escaparem ao trânsito das cidades. Na Web Summit, o vice-presidente da Uber Jeff Holden anunciou mais um passo: uma parceria com a NASA para o desenvolvimento de tecnologia de gestão de tráfego aéreo não tripulado. Se o plano se concretizar, as aeronaves da Uber, produzidas por empresas como a brasileira Embraer, serão eléctricas e vão transportar vários clientes, o que permitirá reduzir o preço das viagens. No início haverá pilotos. Mas o objectivo é que estes pequenos helicópteros venham a ser inteiramente autónomos. A multinacional quer ter o serviço a funcionar na próxima década, em algumas cidades americanas, e depois alargar para uma grande escala.

No que toca aos carros autónomos, diz ao PÚBLICO que estes estarão mais disseminados dentro de pouco tempo, com a descida de custos, o que levará a questionar a racionalidade económica de ter o seu próprio carro.

Quantas pessoas estão de facto dispostas a usar estes serviços? Tem alguns dados sobre isso?

Não tenho dados. Vamos ter de explicar muito bem porque é que estas aeronaves são seguras. A segurança vai ser a primeira coisa. A proposta de valor é muito forte, o preço vai ser muito atractivo. Acho que [a adesão dos consumidores] não vai ser um problema, porque vai haver escassez de oferta durante anos. Temos de construir os veículos do zero. Se os conseguíssemos lançar em todo o mundo ao mesmo tempo, haveria muita gente a querer fazer parte dos primeiros utilizadores. Mas a procura vai ser muito superior à oferta durante muito tempo.

Têm de construir os veículos do zero e vão começar isto apenas em duas cidades dos EUA. Têm planos concretos para que isto seja uma operação de grande escala?

Queremos que seja. Vamos anunciar mais cidades no futuro. As cidades com que vamos começar são cidades que descrevemos como estando muito inclinadas para esta tecnologia: a cidade, o governo local, os construtores de imobiliário querem muito que isto aconteça. A cidade também tem de fazer sentido para este serviço, tem de ter coisas como problemas de trânsito. Los Angeles é uma cidade-modelo. Os voos de demonstração vão ser em 2020. Mas em 2023 queremos abrir isto a todas as pessoas nas cidades onde estivermos, que já serão muitas mais nessa altura. Acho que vamos estar condicionados pela rapidez com que conseguirmos construir as aeronaves.

É esse o maior desafio? A tecnologia já está pronta? Já resolveram as questões regulatórias?

O veículo e a bateria são os grandes desafios. Mas são problemas de execução, não há nada há nada de fundamental em termos de ciência que seja preciso fazer. Pôr o processo de fabrico a correr demora tempo. A tecnologia das baterias hoje é suficiente para os voos que queremos fazer. Mas queremos um alcance de 60 milhas [97 quilómetros] com uma carga única e para isso ainda são precisos alguns avanços nas baterias. Tal como a Tesla fez com os seus veículos, nós vamos fazer o mesmo. Com as questões regulatórias não estou muito preocupado. Tudo isso está a correr muito bem, o acordo que anunciei com a NASA faz parte dessa vertente.

Estes veículos voadores vão ser autónomos?

Acabarão por ser autónomos. Inicialmente, vão ter pilotos. Pôr a autonomia no momento crítico de lançamento [do serviço] seria perigoso em termos de calendário. É difícil obter os certificados para voos autónomos. Isto nunca foi feito antes. Achamos que o correcto é começar com pilotos e correr o software de voo autónomo em paralelo, acumulando provas estatísticas de que o sistema é muito seguro. E, lentamente, ir ligando funcionalidades de autonomia.

Quanta desta tecnologia pode ser transposta para carros autónomos e vice-versa?

Muito do sistema dos carros pode ser transposto. E também há a tecnologia de piloto automático dos aviões que já está em uso hoje. Há muita tecnologia para fazer isto.

Ao nível dos veículos que circulam na estrada, quando é que estarão totalmente autónomos?

Bom, eles já são totalmente autónomos neste momento, a grande questão é saber quando é que poderemos tirar o operador do veículo. Esse será o grande momento, com um aumento da escala e descida dos preços. Não nos comprometemos com uma data específica, mas pode-se assumir que muito brevemente, dentro de um par de anos, vamos assistir a um número significativo de operações sem ninguém ao volante.

Os carros serão vossos? Vão pagar por esses veículos?

Não. Somos uma plataforma, e há o proprietário do carro, que pode ser o fabricante ou uma terceira entidade, que introduz o veículo na nossa rede.

Acha que ter um veículo é algo que tende a pertencer ao passado, que os nossos netos vão olhar com estranheza?

Acho. Nas gerações mais novas o desejo de ter uma carta de condução já está a diminuir. O que acho que vai acontecer é que os preços vão continuar a baixar com a tecnologia de condução autónoma, e quando isso acontecer, quando for economicamente irracional ser proprietário de um automóvel, comparado com o gesto de carregar num botão e chamar um carro, vai haver uma enorme transformação. As pessoas vão pensar por que razão é que precisam de um carro, que é caro, requer imensa manutenção e é uma chatice para estacionar, e olhar para o transporte como um serviço. Isso já está a começar a acontecer. Só ainda não ganhou outra dimensão porque os preços ainda não desceram o suficiente, ainda não estão significativamente abaixo do custo de ter o nosso próprio carro.

Os carros autónomos serão também eléctricos?

Não será um processo a par e passo. Será autónomo sem ser eléctrico, mas acredito que, a determinada altura, todos os carros autónomos serão eléctricos. Mas são dois tipos de percurso diferentes, interligados.   

Com os veículos voadores haverá uma mudança do modelo de negócio, certo? Porque o proprietário será a Uber…

Não, não. Também não vamos ser os proprietários. Articulamo-nos com os nossos parceiros, os fabricantes, aos quais damos as especificações, como a velocidade e número de passageiros que tem de transportar, como tem de funcionar em termos de carregamentos, de ruído, etc. O fabricante produz a partir dessas especificações, com bastante liberdade criativa. E depois decide se coloca esses aparelhos na rede ou se os vende a outra entidade para o fazer. Alguém será o proprietário, e raramente será a Uber. Talvez tenhamos alguns, mas nunca teremos grandes frotas, porque este vai ser um negócio de biliões de dólares.

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