“Não vejo qual o interesse” de um novo acordo no salário mínimo

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, lamenta que o acordo para o salário mínimo não esteja a ser cumprido pelo Governo e tem dúvidas sobre a utilidade de mais entendimentos sobre esta matéria.

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João Vieira Lopes está a caminho do terceiro mandato à frente da CCP Enric vives-rubio

O presidente da CCP lamenta que o Orçamento do Estado (OE) para 2018 “ignore” as empresas e defende que a folga orçamental devia ser aplicada no investimento público e no alívio fiscal sobre as empresas. Já em relação à legislação laboral, considera que não devem ser promovidas alterações e que as prioridades da concertação social vêm sobretudo das áreas dos ministérios da Economia e das Finanças. Depois de oito anos à frente da CCP, Vieira Lopes recandidata-se ao terceiro e último mandato, porque, diz, quer continuar a valorizar o papel do comércio e dos serviços na economia.

O Orçamento do Estado (OE) está agora a ser discutido no Parlamento, o que é que acha que pode mudar ou ser introduzido? Uma subida da derrama estadual?
Não sei, dependerá dos acordos políticos. O que nos preocupa fundamentalmente é que este OE reflecte um aumento do poder de compra para alguns segmentos da população, através, por exemplo, de alguma baixa do IRS ou da subida das pensões, o que é positivo para o consumo em geral, mas, em contrapartida, sob o ponto de vista das empresas quase que as ignora. E isso é extremamente negativo.

Podia ser pior, ou não?
As principais questões que pusemos em cima da mesa -confederações em geral e CCP em particular -, não foram tidas em consideração, e há três ou quatros que são fundamentais. Vamos começar pelos pagamentos por conta, e pagamentos especiais por conta que, na prática, são empréstimos forçados ao Estado. Não há mexidas, o que é negativo, até porque reflecte-se na tesouraria das empresas, num quadro de crédito bancário difícil. Isto apesar de os nossos banqueiros dizerem que têm dinheiro para emprestar, mas as estatísticas mostram que o financiamento às empresas, em particular às PME, tem descido.

Defende que o Pagamento Especial por Conta (PEC) devia acabar já este ano?
Sim, já no ano passado tínhamos reivindicado isso, e que os pagamentos por conta fossem reduzidos. Portanto, essa é uma das questões. Há uma contrapartida interessante que tem a ver com medidas que vieram da missão de capitalização que o Governo fez, mas ainda se está longe de atingir o pleno dessas medidas. E o problema da capitalização das empresas é um problema estrutural da economia portuguesa. Temos sido muito claros junto dos governos, dizendo que, enquanto em termos fiscais for mais vantajoso para as empresas ir buscar dinheiro à banca, esse problema nunca será resolvido.

Queria uma discriminação positiva, portanto.
Exactamente. E temos feito propostas… a missão de capitalização propôs algumas medidas com alcance, e aquilo que o Governo apresenta neste orçamento é positivo, mas está muito longe de satisfazer as necessidades. Se juntarmos a isso outros aspectos, como o do IRC e o do investimento público, diria que não vejo grandes incentivos de dinamização do investimento. O problema do IRC é que é um indicador com impacto no investimento internacional. Não havendo condições políticas para baixar o IRC, fizemos propostas concretas em relação às tributações autónomas que, na prática, são gastos das empresas não considerados como tal. Por isso, são sujeitos a IRC, e representam cerca de 20% da receita desse imposto.

Teve algum tipo de feedback de que poderia haver alterações nessa área?
Foi uma das questões que colocámos, mas não temos qualquer feedback. Estamos a falar com grupos parlamentares, já pedimos audiência a todos, e também com o Governo. Mas seria um processo de aliviar alguma carga fiscal.

Sobre o investimento público…
Portugal é um país que precisa de investimento público. O investimento público cresce, mas fica ainda a nível muito baixos, comparado com as necessidades.

Porque é que acha que é assim?
Uma das razões básicas tem a ver com os objectivos do défice. Por outro lado, apesar de haver um alívio do pagamento dos juros da dívida, estes continuam a ter um peso importante em termos do Produto Interno Bruto (PIB). Ninguém consegue resolver a quadratura do círculo, com um objectivo de 1% do défice - enfim, nunca percebemos porque é que não é 1,1% ou 1,2%, desde que haja tendência de baixa. A partir do momento em que as folgas orçamentais se aplicam na recuperação do poder de compra de alguns sectores - o que não somos contra, mas podia ser mais faseado -, e não se aplicam em tirar a pressão fiscal sobre as empresas, o que acontece é que acabam por limitar o investimento.

Quando diz mais faseado está a falar da reposição das progressões na função pública?
Não entramos nesse tipo de discussão, não é o nosso pelouro. O que dizemos é que o volume aplicado podia ser mais desfasado ao longo dos anos.

Mas o ganho de poder de compra não acaba por ser benéfico também para as empresas?
Há um balanço que tem de ser feito entre tirar carga fiscal para facilitar o funcionamento das empresas e o aumento do poder de compra. O aumento do poder de compra nunca é muito grande. E seria muito mais favorável para o desenvolvimento das empresas uma gestão mais equilibrada destas duas variáveis. Mas, acima de tudo, isto conjugado com o facto de se ter um objectivo fundamentalista em relação ao défice - que tem a ver também as opções europeias, não só com uma opção individual de Portugal -, acaba por criar um modelo que não permite o crescimento do investimento público ao nível do que julgamos que seria importante.

Sobre o PEC, este ano houve uma redução em compensação pelo aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN). Com uma nova subida do SMN pode haver medidas nesta área?
Sobre o SMN estamos neste momento na expectativa, à espera das propostas do Governo e até lá não nos pronunciamos. Agora, o PEC nunca devia ter existido. Aliás, defendemos uma filosofia completamente diferente em termos de IRC. Defendemos a colecta mínima que é praticada em alguns países, em que as empresas de certa dimensão pagam uma espécie de colecta mínima, um imposto por porta aberta. Pagam todas, e o fisco que se dedique a fiscalizar a sério as empresas que têm possibilidade de fazer habilidade fiscal. Em Portugal, o fisco desgasta-se com operadores de pequena dimensão para ir buscar valores marginais.

Mas todos somados já se tornam um valor considerável…
Não é significativo face ao que, por exemplo em Espanha, se recebe da colecta mínima. E isso permite que a máquina fiscal se concentre nas empresas com uma determinada dimensão. Quem abrir um pequeno estabelecimento paga uma espécie de fee anual, calculado segundo os coeficientes de rentabilidade do sector feitos pelo Banco de Espanha.

Em relação ao SMN, disse que a CCP quer ver o que o Governo tem para apresentar. Ora, o programa do Governo já tem um valor: 580 euros em 2018. Estão à espera exactamente do quê?
De ver o que é que o Governo nos apresenta de enquadramento da medida. Consideramos que tendo sentido aumentar o salário mínimo – e a CCP nunca se opôs, mesmo nos tempos da troika –, ele tem de ser indexado a um conjunto de variáveis como a inflação, o crescimento da economia e a produtividade. Somos claramente contra decisões administrativas, políticas ou ideológicas. Esse tipo de decisões levam a um SMN próximo do salário médio e aí Portugal é o campeão europeu.

Numa altura em que a economia está a crescer e num contexto em que os salários continuam a ser relativamente baixos é compreensível dizer que 580 euros podem não ser adequados?
Esta não é uma questão moral. Os salários são todos baixos: os pequenos, os médios e os altos. A questão de fundo é que os salários devem ter alguma racionalidade económica no modo como crescem e, por isso, achamos que devem evoluir de acordo com estes parâmetros, mesmo que com ajustamentos. Decidir [aumento de] salários numa lógica meramente de decisão política parece-nos errado. O salário tem uma componente social, mas também tem uma componente económica. Aqui há uns anos havia 6% ou 7% de pessoas com salário mínimo e hoje já são vinte e tal por cento: isso é a prova clara de que a evolução não tem sido ajustada. O assunto tem de se discutir na base da lógica económica, não nos compete a nós enquanto confederação discuti-lo noutra lógica.

No acordo para o aumento do SMN assinado na concertação social havia o compromisso de olhar para os parâmetros económicos. Acha que isso vai acontecer, quando já há um valor previamente definido no programa do Governo?
O Governo se for por aí assume as responsabilidades políticas. Além de que temos muitas dúvidas sobre a viabilidade e a utilidade de mais acordos nessa área. Por um lado, já há uma decisão política tomada e, por outro, mesmo coisas com que o Governo se comprometeu não foram cumpridas. As empresas onde o SMN tem um grande peso e que têm contratos com o Estado que o Governo se comprometeu a corrigir, nem 10% foram corrigidos.

Está a falar da revisão do valor dos contratos no sector das limpezas, por exemplo?
Até temos situações caricatas de organismos do Ministério do Trabalho não cumprirem o acordo assinado pelo Ministério do Trabalho.

Perante o incumprimento do acordo assinado defende então que não há necessidade de outros?
Não vejo qual é o interesse e a utilidade. O Governo quer tomar decisões políticas, toma decisões políticas.

Portanto, não contem com a CCP para um novo acordo para o SMN?
Não estou a ver neste momento qual é a viabilidade. Não alimentamos essa discusão, esperamos para ver o que o Governo nos propõe.

Até agora, o Governo não promoveu alterações à legislação laboral, mas há o compromisso de rever a utilização do contrato a prazo e do banco de horas individual. A CCP está disponível para discutir estas questões?
Sempre temos defendido que, nesta fase, independentemente de haver coisas que também gostaríamos de propor, o mais equilibrado era estabilidade.

O livro verde para as relações laborais alerta que mais de 30% dos trabalhadores por conta de outrem tinham contratos precários. Embora defenda estabilidade legislativa, aceita que na área da contratação a termo é preciso alterações?
Os efeitos de alterações nesta área são muito diferentes de sector para sector. A lei já prevê a diferenciação da TSU, está é suspensa. É uma questão sensível e que achamos que não era o momento de voltar a pô-la em cima da mesa. Mas como sempre a CCP está aberta a discutir tudo.

E em relação à restrição dos contratos a prazo quando estão em causa jovens à procura do primeiro emprego e no lançamento de nova actividade?
É a mesma coisa. Achamos que o melhor era manter a estabilidade.

O Governo disse que as próximas fases da flexibilização das reformas antecipadas deverão ser discutidas na concertação social. É uma prioridade para a CCP? 
A flexibilidade da reforma antecipada favorece a renovação da estrutura das empresas. É um dos temas que está na agenda e que merece discussão, mas não é uma prioridade.

Quais são as vossas prioridades na concertação social?
Neste momento, gostaríamos de pôr em cima da mesa tudo o que tem a ver com a área económica, com os custos das empresas e com a simplificação. Estas são as questões que a concertação devia tratar. Gostávamos de ver lá mais o ministro da Economia e o das Finanças. Fizemos uma série de propostas relacionadas com os juros de mora, os prazos de caducidade, a contagem dos prazos de prescrição, o ónus da prova em relação à divergência com terceiros. Estas são questões que dão segurança fiscal.

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