Presidência Trump: das promessas à realidade

O sobressalto é a marca da Casa Branca de Trump.

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Nas auto-avaliações que fez do seu mandato, após os primeiros cem dias, aos seis e aos nove meses, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse repetidamente que nunca nenhuma Administração conseguiu fazer tanto em tão pouco tempo. “Estamos a cumprir promessa atrás de promessa atrás de promessa. E a minha agenda está a avançar substancialmente mais depressa do que estava previsto”, garantiu, num discurso em Outubro.

Mas a apreciação de Trump não se aguenta no confronto com a realidade. Ao conturbado processo de transição, seguiu-se um ainda mais conturbado processo de formação do Governo. O sobressalto é a marca da Casa Branca de Trump, onde as fugas de informação são constantes e as políticas são desenhadas em função dos tweets matinais do Presidente. Até ao momento, nenhuma das leis que levam a sua assinatura foram propostas e negociadas pela sua Administração e aprovadas pela maioria republicana do Congresso.

Promessas — cumpriu?

Depois de assegurar a nomeação do Partido Republicano, a campanha de Donald Trump divulgou um “Contrato com os Eleitores Americanos”, um documento de duas páginas onde elencava várias promessas que seriam concretizadas nos primeiros cem dias de presidência: seis medidas para mudar o funcionamento do Governo e limpar Washington da corrupção; sete acções para proteger os trabalhadores norte-americanos do impacto da globalização; cinco passos que iriam restaurar a segurança das fronteiras e o Estado de direito e ainda dez reformas legislativas que seriam introduzidas e/ou aprovadas pelo Congresso. Dez dessas 28 promessas cumpridas – ou total ou parcialmente. As restantes 18, ou não avançaram, ou não passaram no Congresso ou foram bloqueadas pelos tribunais – como o seu controverso decreto sobre imigração a impedir a entrada nos EUA de cidadãos de países muçulmanos.

Leis — quantas assinou

Apesar de o Presidente insistir que em termos de leis, decretos presidenciais e regulamentos assinados, só está atrás de Roosevelt “que teve de lidar com a Grande Depressão”, nos primeiros dez meses de mandato Donald Trump assinou menos legislação do que Harry Truman, Jimmy Carter ou Bill Clinton – aliás, segundo as contas feitas pelo The New York Times em Agosto, em nove meses Trump tinha assinado 42 leis, menos uma do que a média dos seus seis antecessores. E se Trump fica atrás no critério quantitativo, fica bastante aquém no critério qualitativo, sem ter ainda inscrito o seu nome em nenhum pacote legislativo de referência, como por exemplo para “o maior corte de impostos de sempre” ou a construção de um muro na fronteira com o México.

Legado de Obama — foi destruído?

Um dos slogans mais repetidos por Trump durante a campanha eleitoral foi de que não ia sobrar pedra sobre pedra da herança deixada por Barack Obama, mas até agora o Presidente (e os seus alados republicanos que detêm a maioria no Congresso) não foram capazes de desmantelar o principal legado do seu antecessor: o chamado Obamacare. Ainda assim, a Administração Trump já desfez várias iniciativas de Obama na política externa (o caso da reabertura e normalização das relações diplomáticas com Cuba, por exemplo) e praticamente todo o quadro regulatório deixado pelo Presidente democrata, da área ambiental e financeira às deportações de imigrantes ou os direitos LGBT.

Políticas — quantas vezes mudou de opinião?

Muitas. Por exemplo, a NATO, que estava obsoleta , passou a ser uma organização muito importante. “Dantes não sabia muita coisa sobre a NATO que agora já sei”, justificou Trump. A China que iria ser castigada como manipuladora de moeda, não foi. E depois de censurar o envolvimento de Obama na guerra da Síria, que prometeu nunca atacar, Trump autorizou o lançamento da “mãe de todas as bombas” numa acção unilateral e sem o conhecimento do Congresso.

Economia — está melhor?

A economia norte-americana está de boa saúde: o mercado de capitais está a viver uma fase de euforia (o índice Dow Jones cresceu 25% desde Novembro de 2016 e já ultrapassou a barreira dos 23.000 pontos), a inflação está nos 2,2% e o crescimento da economia acelerou de 1,2% para 3,1% do primeiro para o segundo trimestre do ano – levando o Presidente Trump a assinalar o cumprimento da sua promessa de fazer disparar o PIB para acima dos 3%. No entanto, as previsões são de um crescimento de 2,1% em 2017, o mesmo valor dos últimos quatro anos.

A taxa de desemprego de 4,2% (em Setembro) é a mais baixa dos últimos 16 anos, mas como notam os economistas, depois do pico de 10% em 2009, a tendência tem sido sempre de queda. Em Novembro de 2016, o desemprego era de 4,6%, pelo que é difícil atribuir a Trump a responsabilidade pelo melhor resultado desde 2001.

Nos 11 meses seguintes à eleição de Trump, foram criados 1,65 milhões de novos postos de trabalho nos EUA (em comparação, esse número foi de 2,1 milhões nos últimos 11 meses da Administração Obama). As estatísticas mostram que, este ano, não houve evolução na média dos salários, ao contrário do ano passado em que cresceram 3,2%.

A redução do défice da balança comercial dos EUA prometido por Trump também acabou por falhar o alvo: até Agosto, o valor do défice já estava em 361 mil milhões de dólares, acima dos 332 mil milhões de dólares no período homólogo de 2016.

Popularidade — um fracasso!

O Presidente dos EUA gaba-se de todos os recordes que bate, menos este: é o Presidente com a mais baixa popularidade e a pior taxa de aprovação do desempenho desde que as empresas de sondagens começaram a fazer estas medições. Segundo um inquérito divulgado pelo Pew Research Center a 3 de Novembro, 59% dos americanos desaprovam o trabalho de Trump na Casa Branca, e só 39% têm confiança na sua capacidade para colaborar com os legisladores do Congresso ou para resolver uma crise internacional. No resto do mundo, a confiança no Presidente dos EUA ainda é menor: só 27%, de acordo com os resultados do Inquérito Anual às Tendências e Atitudes Globais do Pew Research Center.

Viagens — onde foi?

Donald Trump está num périplo asiático de 12 dias, com paragens no Japão, Coreia do Sul, China, Vietname e Filipinas. O primeiro país que o Presidente visitou, quatro meses depois de tomar posse, foi a Arábia Saudita, de onde seguiu para Israel, e daí para o Vaticano onde se encontrou com o Papa Francisco – como explicou a Casa Branca, na sua primeira viagem, Trump contactou com líderes das três religiões monoteístas. Trump esteve em Bruxelas na cimeira da NATO, e na Sicília na cimeira do G7. Foi também a Hamburgo e a Paris, onde apreciou a parada militar que assinala o Dia da Bastilha. Uma visita oficial a Londres a convite da primeira-ministra britânica, Theresa May, foi adiada sine die.

Acordos — quantos negociou?

O empresário da “arte do negócio” que foi eleito com a promessa de replicar a sua experiência na Casa Branca ainda não negociou nenhum grande acordo. No início do mandato, reclamou os louros das decisões tomadas por algumas grandes empresas (General Motors, Ford, Boeing, Intel, Carrier...), mas muitos destes investimentos tinham sido decididos antes da sua eleição. Tal como garantira, Trump abriu o processo de renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) com os dois parceiros México e Canadá, mas as suas ideias proteccionistas estão a impedir um novo compromisso. No entanto, não é certo que os EUA abandonem o acordo, como Trump prometeu, se não conseguir levar a sua avante.

Tratados internacionais — rasgou algum?

Como prometera, retirou os EUA do Tratado de Comércio Internacional da Ásia assim que tomou posse, uma medida simbólica uma vez que o documento não fora ratificado pelo Congresso e não estava em vigor. O Presidente também anunciou a sua intenção de desvincular o país do Acordo de Paris para o combate às alterações climáticas – mas só em 2020 é que os EUA poderão deixar de participar. E mais de uma dezena de estados norte-americanos fizeram saber que continuarão a obedecer às metas fixadas no acordo de Paris independentemente da posição da Casa Branca.

Trump não rasgou exactamente o acordo internacional assinado com o Irão para a suspensão e supervisão do seu programa nuclear, mas decidiu não certificar, alegando que Teerão não estava a cumprir os compromissos assumidos (ao contrário do que diz a Agência Internacional da Energia Atómica) e que os EUA já não acreditavam ser do seu interesse manter o acordo vigente.

Daesh — os EUA derrotaram os jihadistas?

O Presidente insinuou na campanha ter um plano para derrotar o Daesh no espaço de um mês. A organização terrorista que reclamou um "califado" na Síria e no Iraque experimentou pesadas derrotas ao longo do ano de 2017, perdendo território em ambos os países, incluindo em Mossul e Raqqa, a sua pretensa capital. Mas o grupo jihadista não foi eliminado e a ameaça que os seus militantes representam não está extinta – como provam os sucessivos atentados terroristas em vários pontos dos EUA e do mundo em nome do Daesh.

Analistas militares lembram que a estratégia definida por Obama não foi alterada e que entre dois terços a três quartos dos ataques contra o Daesh, no âmbito das ofensivas que levaram à libertação das grandes cidades do Iraque e da Síria foram realizados antes de 2017.  Mas também dizem que a nova abordagem da Administração Trump, que deu carta branca aos comandantes no terreno para intensificar a campanha aérea, contribuiu para significativos avanços militares.

Polémicas — foram tantas...

A primeira controvérsia aconteceu logo após a tomada de posse, quando a Casa Branca insistiu que o juramento de Trump como Presidente atraiu a maior multidão jamais vista em Washington. Desde então, sucederam-se as polémicas e os confrontos, de viva voz e sobretudo através do Twitter, que usa para insultar jornalistas e atletas, chefes dos escoteiros e familiares de soldados, senadores ou ex-Presidentes. O episódio emblemático da tendência do Presidente para dizer o que não deve aconteceu na sequência de uma marcha de nacionalistas e neo-nazis em Charlotesville, que resultou em confrontos com contra-manifestantes e no atropelamento de uma mulher. Trump respondeu dividindo as responsabilidades pela violência e dizendo que havia “muito boa gente” de ambos os lados da barricada, sem se demarcar das posições racistas e supremacistas dos organizadores da marcha.

Investigação — houve interferência da Rússia?

O Presidente dos EUA ainda não foi directamente implicado na investigação, mas três membros da sua campanha já foram formalmente acusados de vários crimes pelo procurador especial, Robert Mueller, e vários dirigentes da Administração estão na mira das autoridades. Segundo a imprensa americana, os investigadores já terão preparada a acusação ao ex-conselheiro nacional de segurança, Michael Flynn. De resto, o filho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr., bem como o genro e conselheiro da Casa Branca, Jared Kushner, estão envolvidos por causa de reuniões com intermediários de Vladimir Putin. Tanto Kushner como o secretário do Comércio, Wilbur Ross, são detentores ou investidores em companhias com importantes participações de capital russo, revelaram esta semana os Paradise Papers. A investigação está a avançar no rasto do dinheiro, e se houver dinheiro russo nas empresas do Presidente, a sua posição ficará comprometida.

Demissões — quantos saíram?

A demissão mais mediática foi a do director do FBI, James Comey, que dirigia a investigação às eventuais ligações da campanha de Trump à Rússia. O Presidente afastou o seu conselheiro nacional de segurança, Michael Flynn, depois de se saber que mentira sobre os seus contactos com os russos. Sob pressão, Trump também descartou o seu chefe de gabinete, Reince Priebus, substituído por John Kelly, que tratou de afastar Steve Bannon, o polémico antigo director do site Breitbart e principal estratega da Casa Branca.

A dança de cadeiras é normal, embora não seja costume acontecer tão cedo no mandato – só nos primeiros oito meses, Trump demitiu 16 dirigentes de topo da Administração. Como notam os analistas políticos, as remodelações pouco fizeram para travar as fugas de informação ou contrariar a narrativa de caos e disfunção no interior da Casa Branca de Trump.

Nomeações — alguma foi importante?

A nomeação de Neil Gorsuch para o lugar vago no Supremo Tribunal foi uma das únicas vitórias políticas de Trump e a decisão cujo impacto se fará sentir por mais tempo: com a entrada do juiz no colectivo, o fiel da balança a voltou a pender para o lado dos conservadores. O Presidente também nomeou o antigo banqueiro e membro do conselho de governadores da Reserva Federal, Jerome Powell, para a presidência da Fed, quebrando a tradição seguida há décadas de reconduzir a pessoa que ocupava o cargo.

Muitas das nomeações de Trump foram polémicas. O Presidente que prometera “limpar o pântano” em Washington rodeou-se de milionários, banqueiros e lobistas e escolheu para postos chave pessoas sem experiência nas áreas que tutelam ou críticos dos departamentos que dirigem (caso da Agência de Protecção Ambiental e do departamento de Energia). E até agora, Trump continua sem escolher alguns dirigentes de topo, comprometendo o funcionamento da burocracia federal. Como lembrava a rádio NPR, até ao fim de Outubro a Administração ainda só tinha nomeado cerca de um quarto dos 600 cargos de chefia que requerem confirmação pelo Senado.

Tweets — quantos escreveu num ano?

O Presidente criou a sua conta de Twitter @realDonaldTrump em Março de 2009. Entre 8 de Novembro de 20016 e 1 de Novembro de 2017 publicou 2405 tweets.

Golfe — quanto custou aos contribuintes?

Uma das críticas favoritas de Trump contra Obama tinha a ver com as vezes que este foi visto a jogar golfe. Na campanha, o milionário que detém 12 campos de golfe nos EUA garantiu aos eleitores que com o trabalho na Casa Branca não teria tempo para golfe. Desde a tomada de posse, a 20 de Janeiro de 2017, Donald Trump fez 76 visitas aos seus campos de golfe, o que nas contas da imprensa norte-americana corresponde a 25% do seu tempo como Presidente passado a jogar golfe. As deslocações de Trump para os seus resorts na Florida e Nova Jérsia já terão custado mais de 76 milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos.

Armas — quantos tiroteios houve?

Nos 356 dias que passaram entre 9 de Novembro de 2016 e 31 de Outubro de 2017, registaram-se 354 tiroteios cujo número de vítimas mortais foi superior a três, segundo a contabilidade do site Gun Violence Archive. O incidente mais grave de sempre nos Estados Unidos ocorreu em Las Vegas no dia 1 de Outubro, quando um homem de 64 anos atirou sobre o público de um festival de música country, matando 59 pessoas e ferindo mais de 500. No domingo, 26 pessoas morreram numa igreja do Texas abatidas a tiro por um homem com problemas mentais. O Presidente dos EUA não propôs qualquer alteração à lei para dificultar o acesso às armas de fogo.

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