"Unicórnio" chinês aterra em Lisboa com bicicletas eléctricas
Zhang Yanqi, co-fundador e responsável de operações da empresa chinesa de bicicletas partilhadas, diz que cidades como Lisboa e São Francisco vão ser palco da nova aposta da Ofo, que em três anos transformou-se num "unicórnio"
Desde que foi pensada em 2014, a Ofo, uma empresa chinesa de bicicletas partilhadas, expandiu-se a nível local e global, estando já avaliada em mais de mil milhões de dólares (o que lhe dá o estatuto de startup "unicórnio").
Conhecida pelas bicicletas amarelas, estreou-se há poucos dias em Portugal através de Cascais, mas já tem desenhado o mapa de expansão: alargar a actividade a Lisboa na Primavera de 2018 através de bicicletas eléctricas, a sua nova aposta pensada para cidades mais acidentadas. A este nível, terá como concorrência mais directa as motas eléctricas da eCooltra e as bicicletas eléctricas da Emel (que funcionam com parqueamento fixo, no Parque das Nações)
Zhang Yanqi, de 31 anos, responsável de operações da empresa e um dos seus fundadores, diz ainda que a empresa quer ter uma cadeia de abastecimento global, a qual poderá englobar fabricantes portugueses.
Entre os investidores da Ofo estão empresas como o gigante de comércio online Alibaba, ou a Didi, que venceu um braço-de-ferro com a Uber no mercado chinês. Presente em 17 países, a empresa tem uma frota própria de mais de 10 milhões de bicicletas espalhadas em 180 cidades. A expansão é para continuar, de olhos postos em mercados como a América do Sul e Norte de África.
O funcionamento do negócio da plataforma, esse, é sempre o mesmo: através da aplicação para telemóvel criada pela Ofo, à qual se associa um cartão de crédito, é possível detectar onde é que existe uma bicicleta da empresa. Depois, lê-se o código QR com o telemóvel, de modo a receber um número que desbloqueia o cadeado. No final, a contagem do tempo de utilização pára com o estacionamento e bloqueio da bicicleta, e é feito o respectivo débito.
Porque é que escolheram Cascais para iniciar actividade em Portugal, sendo um concelho com bastante oferta de bicicletas, alguma das quais gratuitas?
Na China, onde lançámos a empresa há cerca de dois anos, existem cerca de 400 milhões de bicicletas com zonas fixas de estacionamento, tal como as que existem aqui e em outros locais, pelo que essa é uma realidade que conhecemos bem. E o nosso sistema é diferente dos restantes, por não precisar uma zona fixa. Em relação às bicicletas privadas, sem pensar agora especificamente no caso de Cascais, normalmente não podem ser levadas para meios de transporte como o metro ou para muito longe de casa. Se eu sair da estação de comboios, e precisar de percorrer 1,5 quilómetros, isso é difícil se eu não tiver a minha bicicleta. Mas se houver uma bicicleta Ofo ali perto já é mais fácil, e muito conveniente. Depois, uma bicicleta privada pode ser roubada, ou avariar-se, com o proprietário a ter de fazer uma manutenção constante. Quanto ao sistema de estações fixas de estacionamento que existe, este funciona mais como uma estação de autocarros, por exemplo, não permitindo ir do ponto A para o ponto B, mas sim do A para o C, do qual se vai depois para o B. Aliás, essa é uma razão para o facto de, a nível mundial, o uso de bicicletas com estações fixas de estacionamento não ser muito elevado.
Mas não tendo uma bicicleta minha, tenho de confiar que há uma bicicleta vossa na zona onde estou...como é que isso é possível, até tendo em conta o número actual de 50 bicicletas? Esse número vai ser revisto?
Neste momento, o que temos é um projecto-piloto, e mesmo tendo em conta que Cascais é uma pequena cidade, cinquenta bicicletas é de facto insuficiente. Mas temos uma equipa cujo papel é prever o tipo de procura, e perceber quantas bicicletas são precisas onde e a que horas, conforme os padrões de comportamento das pessoas. Isto quer dizer que, mesmo com 50 bicicletas, se forem bem distribuídas poderá parecer que são 500, por todo o lado. Tem de haver um número suficiente de bicicletas, e um sistema que permita maximizar a sua utilização.
Que equipa é essa?
A equipa é formada pelos técnicos de manutenção. No caso de Cascais, como são poucas bicicletas, não precisamos de muitas pessoas. Na China, onde o negócio funciona a uma escala bastante grande -- em Pequim temos um milhão de bicicletas-- a média é a de um responsável por cada mil bicicletas. Em relação a uma cidade de maior dimensão, como Lisboa, já implicará a contratação de mais pessoas do que no caso de Cascais.
Estão a pensar expandir-se para Lisboa. Quando e como? Com bicicletas eléctricas?
Vamos começar a ter bicicletas eléctricas dentro de muito pouco tempo, antes do final do ano. Aliás, em algumas cidades da China onde estamos presentes já temos bicicletas eléctricas - mas foram feitas para esse mercado. Para outras cidades no estrangeiro precisamos de um produto ligeiramente diferente, tal como as bicicletas que são usadas aqui em Cascais são diferentes das que usamos na China.
Porque é que são diferentes?
Fazemos pequenos ajustamentos. Depende dos requerimentos obrigatórios de cada país. Depois há também a questão do tamanho das bicicletas, que podem ser mais pequenas ou maiores conforme a altura das pessoas que vivem na região. Em Seattle, por exemplo, as bicicletas têm mudanças, por causa das inclinações, algo que não é preciso em locais como Cascais ou Viena. Já para cidades mais acidentadas, como São Francisco e Lisboa, não só são precisas mudanças como são necessárias bicicletas eléctricas. E essa vai ser a próxima geração de produto que vamos desenvolver, depois dos testes que estamos a fazer na China.
Quando é que poderemos ver essas bicicletas eléctricas em Lisboa?
No princípio do ano que vem. Acho que provavelmente na Primavera poderão ver as nossas bicicletas eléctricas em Lisboa. Os modelos já estão produzidos, só precisamos de mais uns testes para depois avançar para as cidades mais acidentadas.
A que é que se deve a vossa estratégia de crescimento rápido a nível internacional? Ganhos de escala? Dificultar o aparecimento de concorrência?
A questão da rapidez é sempre algo relativo...agora estamos em 17 países, depois de ter começado a internacionalização no início deste ano. Mas, na China, em cerca de um ano expandimo-nos para 160 cidades.
Dentro do mesmo país. Entrar em 16 países numa questão de meses é algo diferente, até porque cada país tem regras distintas...
Tem a ver também com o estágio de desenvolvimento. É verdade que há diferentes regras e legislações, mas nós começámos numa universidade, e a expansão para tantas cidades não é assim tão fácil, mesmo dentro do mesmo país. Tivemos de planear um crescimento de dez mil bicicletas para um milhão, e de como é que isso era gerido. Quando vamos para o estrangeiro há desafios diferentes, com a análise específica de cada mercado, mas em termos operacionais, de como se faz a gestão do negócio, esse conhecimento já trazemos da China. Diria que há 50% que correspondem à experiência que já temos, e outros 50% ligados ao que temos de aprender a nível local. E tende a ser mais rápido, com equipas locais em vários países onde estamos presentes, como nos EUA, Reino Unido e Itália.
Mas porquê a expansão a nível global, a este ritmo? Tem a ver com a concorrência?
Essa é uma das questões. Temos sempre de estar atentos à concorrência. Sem ela provavelmente não nos expandíamos tão depressa, ou não estávamos sempre a pensar em melhorar o produto. Gostamos que haja concorrência. Somos os maiores em termos globais, mas há vários operadores locais a aparecer, em mercados como os Estados Unidos, Europa, Singapura, e há operadores chineses que também se estão a globalizar. E isso é bom, no sentido de dinamizar o conceito de partilha de bicicletas sem estações fixas de estacionamento. Depois, além da questão da concorrência, nós temos a tecnologia, as pessoas, e o produto prontos para chegar a vários sítios, e há que aproveitar esse momento para ir para muitos países. Ao mesmo tempo, há também muitas pessoas que estão a entrar em contacto connosco, a perguntar quando é que entramos em determinados mercados, pelo que a expansão poderia ser ainda mais rápida.
Os 700 milhões de dólares que arrecadaram na ronda de financiamento de Julho estão a ser usados para a expansão?
Já reunimos mais de mil milhões de dólares, do qual muito é usado para Investigação e Desenvolvimento (I&D), para fazer melhores bicicletas e melhores cadeados, e para reunir uma excelente equipa. Um ponto que gostava de destacar é que o nosso modelo de negócio é lucrativo, pelo que estamos a gerar lucros que ajudam a financiar a operação. É um facto que estamos a reunir muito dinheiro, e expandir rapidamente. Acho que sem captar financiamentos podíamos ainda estar a crescer, embora mais lentamente.
Pode adiantar alguns números?
Não, mas posso dizer que somos lucrativos desde o primeiro dia. Nessa altura não tínhamos recolhido dinheiro nenhum, veio do lucro gerado pelo próprio negócio. Depois, fizemos algumas rondas de financiamento, e tivemos mais dinheiro, para uma expansão mais rápida. Mas isso não muda o modelo central de negócio, que gera lucros desde o início. Aliás, essa é uma razão que explica o facto de termos tido sucesso junto dos investidores, com várias rondas de financiamento num curto espaço de tempo.
De onde vêm as bicicletas? A quem é que compram?
Neste momento vêm da China, onde compramos a vários fabricantes, aos maiores quatro ou cinco, e que já exportavam milhões de bicicletas para diversos pontos do planeta. Essa experiência dos fabricantes, com várias décadas, -- é da China que vem a maior parte das bicicletas do mundo --, faz com que estejam já familiarizados com os aspectos distintivos de cada país. No futuro, na próxima fase de expansão, tencionamos ter parceiros locais ao nível da produção. Eu sei que há bons fabricantes de bicicletas em Portugal, tal como há em outros países europeus como Bulgária, Itália, Hungria, ou no sudoeste asiático, India e na América do Sul. A ideia é termos uma cadeia de abastecimento global aliada a nós.
Antes da Ofo trabalhou para a Uber como responsável da região Norte da China. Como vê as mudanças que estão a ocorrer na forma como nos movemos?
Acho que que se está a assistir uma mega tendência, que tem a ver com a micro mobilidade, com a forma como nos movimentamos numa cidade do ponto A para o ponto B, independentemente do veículo utilizado. Qual a melhor forma, a mais eficiente, de ir de um lado para o outro? Costumava ser o transporte público, além de andar a pé. Depois, aparece a Uber, ou a Lyft, com preços baratos, e surge a Ofo. É um outro meio de transporte, mas o que muda é o facto de haver alternativas de transporte mais baratas e mais rápidas, porque antes provavelmente demoraria mais tempo. A maior parte das deslocações dentro das cidades são de curta distância, inferiores a dez quilómetros. Com uma bicicleta convencional podemos percorrer até cerca de quatro quilómetros, mas com uma bicicleta eléctrica podemos percorrer oito a dez quilómetros, o que permite substituir outros meios de transporte. E isso é algo que já está a acontecer, num contexto de maior preocupação com a sustentabilidade das cidades, nomeadamente ao nível da poluição e congestionamentos.