Ordem contratou e pagou milhares de euros a vogais do Conselho Geral

Auditoria concluiu que Ordem dos Advogados não dispõe de qualquer instrumento de controlo sobre a execução do orçamento, capaz de corrigir os desvios.

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Mandato da bastonária foi passado a pente fino na auditoria encomendada pelo actual bastonário Nelson Garrido

De derrapagens orçamentais ao aumento dos gastos com os quadros dirigentes, a auditoria da consultora PKF feita a pedido da nova equipa que dirige a Ordem dos Advogados (OA) aponta várias irregularidades praticadas com o aval de Elina Fraga. A aquisição de bens e serviços violou o código de contratação pública. E alguns dos advogados chamados a representar a Ordem eram vogais do Conselho Geral, numa prática de duvidosa legalidade, dizem os auditores que recomendam a melhoria do sistema de controlo interno da Ordem. Alguns pontos-chave.

Desvios orçamentais

No relatório e contas de 2016, os auditores verificaram que o orçamento aprovado previa um saldo negativo de 107 mil de euros, tendo esse défice chegado aos 418 milhares de euros. Os desvios não se ficam por aqui. Na execução orçamental do conselho geral da OA, o total de despesa aprovada foi de 11,5 milhões de euros e a despesa realizada subiu aos 12 milhões. O saldo negativo ascende aos 561 mil euros. Segundo os auditores, o processo de monitorização das revisões orçamentais tem de mudar e deve ser promovida “uma análise rigorosa e periódica” dos desvios. “Esta situação só poderá ser possível com a criação de um departamento cuja função seja o controlo de gestão, a nível nacional”, sugerem, recomendando que a OA adopte um “orçamento de base zero”. O descontrolo orçamental, sugerem, poderia ser evitado se os responsáveis da OA verificassem, antes da realização de despesa, se a mesma está prevista em orçamento e se tinha uma rubrica específica.

13,58 milhões à ordem

A OA tinha, à data da auditoria, mais de 200 contas bancárias em diferentes bancos, num sistema “complexo” que pode originar uma inadequada gestão em termos de tesouraria. No final de 2016, possuía “disponibilidades” de quase 16,8 milhões de euros, dos quais 13,5 milhões eram depósitos à ordem. A OA pode “não estar a rentabilizar da melhor forma os seus fundos”, observam os auditores, para quem a gestão de tesouraria deve passar a ser feita de forma integrada. Em nome de um maior controlo financeiro, sugere-se que se centralize a gestão dos recursos humanos, informática, contabilidade e aquisição de bens e serviços de compras, “em colaboração com entidades externas”.

Pagamento a vogais

Apesar de ser uma associação pública, a OA não tem também cumprido o código de contratação pública: “Não existe evidência de serem efectuadas consultas ao mercado para efeitos de escolha de fornecedores.” Na contratação de serviços jurídicos, “a selecção do advogado [...] e a negociação dos honorários era realizada directamente pelo bastonário”, sem que os departamentos jurídico e financeiro tivessem conhecimento das condições acordadas. Entre 2014 e 2016, 98% dos montantes pagos foram para cinco sociedades de advogados, num valor que ascende aos 525.500 euros. E cerca de 84% dos montantes pagos no mesmo triénio foram para três advogados. Podia não ser tão grave se alguns não fizessem, como faziam, parte do conselho geral da OA. “Há que aferir se estes pagamentos podem ser considerados, ou não, como uma violação dos estatutos”, alertam. A validação dos honorários também tem lacunas. “Não é prática ser apresentado com as facturas ou notas de honorários uma justificação dos montantes debitados”, dizem os auditores, para quem não é evidente a razoabilidade dos valores cobrados.

Quotas em atraso

No final de 2016, a dívida dos advogados em quotas por pagar ascendia a 7,2 milhões de euros (2,6 milhões eram devidos havia mais de cinco anos). Os auditores não compreendem o porquê da não aplicação de qualquer sanção pelo não pagamento das quotas (representam 80% das receitas). Na comparação do mandato de Elina Fraga com o anterior, os auditores detectaram também um aumento de 399 mil euros nos gastos com pessoal devido ao incremento salarial de alguns dirigentes. Isto levou os auditores a recomendar que se afira a “adequabilidade das remunerações face às funções e tarefas desempenhadas”. Por outro lado, subiu a indemnização paga a cada bastonário por cessação de mandato. O anterior bastonário, Marinho e Pinto, saiu com 46.680 euros. Elina Fraga saiu com 61.115 euros.

Despesas mal justificadas

Além de despesas pagas sem comprovativo, os auditores alegam que o reembolso dos quilómetros denota, nalguns casos, “um pagamento excessivo entre os 20 e os 40 euros”, que, porém, admitem fosse “para dar cobertura ao valor do estacionamento”. Problema: “Não estando definidos procedimentos formais [...], é difícil aferir da uniformidade de critérios e da razoabilidade dos montantes pagos” para reembolso das deslocações. Logo, há que adoptar procedimentos “que definam a forma de apresentação destas despesas [alojamento, refeições e passagens aéreas], plafonds aceites e documentação necessária para o seu pagamento”. A inexistência de cópias dos talões de embarque quando se tratava de pagar viagens de avião, por exemplo, foi algo que causou estranheza aos auditores.

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