“O poder na Rússia continua a ser total, quem o não tiver não é nada”

Há um padrão na história da Rússia, defende o historiador Orlando Figes.

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Quando se deixa que demasiada gente e sinta perdedora da história, essa gente acaba por encontrar a salvação para o desespero em ideologias de violência Nuno Ferreira Santos/PÚBLICO

As políticas pós-soviéticas mostram que há um padrão na história da Rússia, que explica porque é que as revoluções russas são tão trágicas: acontecem em momentos em que as forças da sociedade não estão democraticamente organizadas para se afirmarem, defende o historiador Orlando Figes.           

Depois da implosão da União Soviética, as forças liberais voltaram a fracassar. Estão condenadas?

Tem razão. Escrevi no prefácio para a edição do centenário que podemos dizer que o que aconteceu na Rússia depois de 1991 foi uma nova “Tragédia de um Povo”. A sociedade não estava preparada, não tinha nem a experiência nem as instituições democráticas que podem contrariar a emergência de um poder de Estado ditatorial. Muita gente tenta explicar isto como uma questão cultural…

Que não é compatível com a democracia?

Não vejo as coisas assim, de maneira nenhuma. Penso que é explicado pela História e pela fraqueza das instituições. Há uma polarização muito rápida que assenta nas diferenças de classe, dos que têm e dos que não têm, dos que estão no topo e os que estão na base. Isso aconteceu quase imediatamente na Rússia e a política de Lenine reflecte isso mesmo: quem é que vai dominar quem. E, de uma forma geral, isso também aconteceu em 1991. A intelectualidade era muito fraca, não havia gente suficiente para formar partidos políticos. Vinte anos depois, a Rússia ainda não tem partidos políticos ou corpos profissionais.

Mesmo assim, nos primeiros oito ou dez anos, com Boris Ieltsin, a sociedade libertou-se, parecendo que tudo era possível.

Houve alguma liberdade de expressão, certamente, uma sociedade mais pluralista, muitos media livres, incluindo a televisão do Estado. Mas não vi, nesses anos iniciais, muito activismo político, não vi emergiram partidos políticos. Podemos dizer que o próprio Ieltsin começou a deriva autoritária do Estado, quando bombardeou o Parlamento russo [tomado por um conjunto de golpistas, opositores ao novo regime], e isso aconteceu logo em 1993. O que as políticas pós-soviéticas mostram é que há um padrão na história da Rússia. É por isso que as revoluções russas são tão trágicas, no sentido em que acontecem em momentos em que as forças da sociedade não estão democraticamente organizadas para se afirmarem. Em 1991 foi a mesma coisa, impedindo que as forças mais democráticas conseguissem alterar a natureza do poder na Rússia. O poder na Rússia continua a ser total, quem o não tiver não é nada.

Hoje, já ninguém se lembra dos que tentaram construir um regime mais ocidental. Foi só porque não estavam bem organizados?

Esse fracasso tem muitas causas. A Rússia não estava preparada para a terapia de choque das políticas que o governo adoptou. Privatizar as indústrias do Estado dando vouchers aos trabalhadores numa altura de hiperinflação não parece ser uma decisão bem pensada. Uma transição mais lenta teria sido mais avisada, como muitos de nós argumentados nessa altura. Falharam por muitas razões, entre as quais não terem um conhecimento suficiente da história russa. Eles, e as pessoas que os ensinaram, que não sabiam nada da Rússia.     

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