Trump liberta ficheiros sobre JFK com os cumprimentos de Oliver Stone e Kevin Costner
Presidente dos Estados Unidos autoriza abertura de 2800 documentos sobre o assassinato de John F. Kennedy. Especialistas duvidam que haja alguma informação explosiva.
Cinquenta e quatro anos, uma mão cheia de teorias da conspiração e um filme de Oliver Stone depois, o mundo vai finalmente ficar a conhecer documentos há muito guardados sobre o assassinato do ex-Presidente norte-americano John F. Kennedy, graças a uma decisão do Presidente Donald Trump. Os historiadores vão poder mergulhar em cerca de 100 mil páginas que estavam guardadas nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos – mas, a julgar pelo que dizem os especialistas, os amantes de teorias da conspiração vão ter de continuar à procura daquela página em que a CIA, Fidel Castro, a Máfia ou o pai do senador Ted Cruz são apontados como os responsáveis.
Em rigor, a publicação desta fornada de documentos sobre o assassinato de John F. Kennedy, autorizada esta quinta-feira, não foi uma ideia de Trump nem é o cumprimento de uma promessa feita ao seu amigo e antigo conselheiro de campanha Roger Stone – o teórico de conspirações que colabora com o site InfoWars e para quem o mandante do assassinato foi o vice-presidente de Kennedy, Lyndon Johnson.
Os documentos foram divulgados porque esta quinta-feira, 26 de Outubro de 2017, passam 25 anos desde que o Congresso deu uma importante tarefa aos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos: reunir todos os documentos relacionados com a investigação sobre o assassinato do ex-Presidente norte-americano e divulgá-los ao público ao longo dos 25 anos seguintes.
No momento da divulgação da documentação, soube-se que o Presidente iria, afinal, manter alguns dos documentos em segredo. As agências governamentais têm 180 dias para rever e justificar porque é que devem continuar classificados. A Casa Branca disse que Trump "não teve escolha" devido a preocupações com a segurança nacional. Apesar disso foram abertos 2800 documentos.
Consulte aqui os documentos libertados quinta-feira
Como se as várias teorias da conspiração que foram nascendo nas últimas décadas não bastassem para comprovar o fascínio com que os cidadãos americanos continuam a olhar para o assassinato de Kennedy, a abertura ao público dos documentos, esta quinta-feira, tem também uma história peculiar por trás: se não fosse o filme JFK, realizado por Oliver Stone e protagonizado por Kevin Costner, estes documentos só seriam desclassificados em 2029.
Quem o admite é a própria comissão responsável pelos documentos, num relatório apresentado em 1998: "Em 1991, o filme JFK, de Oliver Stone, popularizou a versão do assassinato do Presidente Kennedy que implicava agentes do Governo americano do FBI, da CIA e das forças armadas como conspiradores. Apesar de o filme ser em grande parte ficcional, a informação que Stone transmitiu na parte final do filme é verdadeira. A Comissão Especial sobre Assassinatos da Câmara dos Representantes tinha voltado a investigar o assassinato e publicara um relatório provocador, mas esses registos foram selados até 2029. No final do filme, Stone sugeriu que os americanos não podiam confiar em conclusões oficiais quando essas conclusões são registadas em segredo. O Congressou aprovou então uma lei – o "JFK Act" – que libertou os registos secretos que as anteriores investigações reuniram e criaram."
Ora, passados 25 anos, ainda faltava divulgar cerca de 1% da totalidade dos documentos reunidos pelos Arquivos Nacionais, e o actual Presidente tinha duas opções: ou não se opunha a essa divulgação, ou empurrava a data limite mais para a frente por receio de comprometer a segurança nacional (algo que pode acontecer quando se revelam métodos de espionagem e fontes, por exemplo).
A dimensão da gigantesca pasta onde foram postos os documentos recolhidos desde que o caso começou a ser investigado pela Comissão Warren, a 29 de Novembro de 1963, está traduzida em números no site dos Arquivos Nacionais: "A colecção total consiste em aproximadamente cinco milhões de registos. Aproximadamente 88% desses registos estão desclassificados. Outros 11% foram libertados parcialmente, com partes sensíveis censuradas. Aproximadamente 1% dos documentos identificados como estando relacionados com o assassinato eram ainda confidenciais" – são estes últimos que Donald Trump deu agora autorização para serem divulgados.
O Presidente norte-americano decidiu manter em segredo alguns documentos ou nomes a pedido de várias agências de serviços secretos, em particular a CIA, e da polícia federal (o FBI). No sábado passado, o Presidente tinha anunciado apenas na rede social Twitter: "Dependendo da recepção de mais informação, vou permitir, como Presidente, a abertura dos FICHEIROS JFK" (maiúsculas no original).
Já esta quarta-feira (um dia antes do prazo final para a divulgação dos documentos), Trump deixou uma notificação no Twitter para os mais distraídos: "A tão esperada divulgação dos ficheiros de JFK vai ter lugar amanhã. Muito interessante!"
Baixar as expectativas
Apesar de todo o interesse, não se espera que a última fornada de documentos sobre a investigação contenha revelações formidáveis, daquelas que mudam o curso da História. Em Dezembro do ano passado, quando os jornais começaram a recordar que o prazo final terminava este ano, a responsável pelos documentos nos Arquivos Nacionais, Martha Murphy, disse que o mais interessante já é do domínio público – por exemplo, o ficheiro da CIA sobre o principal suspeito, Lee Harvey Oswald, já é conhecido há anos, ainda que tenha saído com partes censuradas.
Ainda em 1998, a comissão responsável pela avaliação de todos os documentos considerou que a última leva de ficheiros (a que foi desclassificada esta semana) "não deverá ser relevante". Ainda assim, um dos antigos responsáveis por essa comissão, John Tunheim, fez uma ressalva em declarações à revista Time: "Uma coisa que era completamente irrelevante em 1998 pode ser mais tentadora agora."
Incompetência?
E é por isso que vários historiadores e jornalistas têm defendido ao longo dos anos a divulgação de todos os documentos – não porque haja necessariamente provas contra a ideia de que Lee Harvey Oswald planeou sozinho o assassinato de JFK, mas porque os documentos em falta podem revelar "a magnitude da incompetência" da CIA e do FBI naquela época, considera Philip Shennon, um antigo jornalista do New York Times e autor de um livro sobre a Comissão Warren.
"Oswald andava a encontrar-se com espiões soviéticos e cubanos, e a CIA e o FBI tinham-no debaixo de uma vigilância agressiva. O FBI e a CIA não tinham indícios suficientes de que ele era uma ameaça antes do assassinato? Se tivessem agido com base nesses indícios, talvez não tivesse havido assassinato. Essas agências podem ter receio de que a divulgação dos documentos revele a sua incompetência. Eles sabiam que o Oswald representava perigo, mas não alertaram Washington", disse Philip Shennon ao Washington Post.
Esta desconfiança em relação à competência da CIA e do FBI foi também discutida a seguir aos atentados do 11 de Setembro de 2001. Se, por um lado, os ataques contra o World Trade Center e o Pentágono deram origem a uma série de teorias da conspiração (tal como no caso de John F. Kennedy), por outro lado não faltaram vozes a criticar as agências por falta de comunicação entre elas e até por sabotagem mútua no âmbito de uma luta pela prevalência na comunidade dos serviços secretos.
A confirmar-se a suspeita de que a CIA e o FBI tinham informação suficiente para travar Lee Harvey Oswald, o assassinato de John F. Kennedy pode ter algo em comum com os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001: por muitas provas que existam, haverá sempre quem se recuse a acreditar que os serviços secretos americanos podem falhar de forma tão espectacular. Assim, a pergunta que é feita desde 1963 e que o realizador Oliver Stone repetiu com estrondo no filme de 1991, vai manter-se em aberto: afinal, quem matou JFK?