PS quer ouvir Conselho Superior de Magistratura sobre acórdão de violência doméstica

Conselho anunciou a instauração de um processo ao juiz-relator

Foto
PS chama Conselho Superior de Magistratura ao Parlamento Nuno Ferreira Santos

O PS quer ouvir o Conselho Superior de Magistratura sobre o acórdão num caso de violência doméstica, dado "o alarme social" e por uma "reflexão partilhada" dos valores e princípios" constitucionais, sublinhando o respeito pela separação de poderes.

No requerimento, que será apresentado pelos socialistas para ouvir o Conselho Superior de Magistratura (CSM) na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, é feita referência ao "o alarme social e projecção que a matéria em apreço suscitou", até além das fronteiras portuguesas.

O pedido de audição é justificado "no respeito do princípio da separação de poderes, mas dando igualmente expressão ao princípio complementar da interdependência, que pressupõe a capacidade de reflexão partilhada sobre o essencial dos valores e princípios da ordem constitucional e democrática".

Em causa está um acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de Outubro, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.

Na quarta-feira, o CSM anunciou a instauração de um inquérito ao juiz relator: "Para permitir deliberação sobre o assunto em próximo Conselho Plenário, foi determinada a instauração de inquérito, por despacho hoje proferido pelo vice-presidente do Conselho".

No requerimento, os deputados socialistas na comissão de Assuntos Constitucionais referem-se às duas notas à comunicação social emitidas pelo CSM na sequência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Na primeira daquelas notas, de segunda-feira, o Conselho Superior da Magistratura afirma que "não intervém nem pode intervir em questões jurisdicionais" e que, "na verdade, os tribunais são independentes e os juízes nas suas decisões apenas devem obediência à Constituição e à lei, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores".

Os deputados do PS apontam que, depois de o CSM chamar a atenção que "nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes constantes de sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria", entendeu recordar que "nos termos legais, os juízes em funções nos tribunais superiores não se encontram sujeitos a inspeções classificativas ordinárias".

"Não é, contudo, imediatamente percetível se essa referência ao respeito da lei ('nos termos legais') quis apenas expressar a concordância do órgão de gestão da magistratura com o regime em vigor ou se, pelo contrário, ela pode ser interpretada como pretendendo significar que o regime que se encontra estatuído para as inspeções a juízes, nomeadamente aos que exercem funções nos tribunais superiores, é merecedor de reparos e, como tal, carecido de revisão", sustentam os deputados socialistas no requerimento.

No acórdão em causa, o juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

"O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher", lê-se na decisão do tribunal superior, também assinada pela desembargadora Maria Luísa Abrantes.