Bloco contesta escolha de Costa para liderar reforma do combate aos fogos
Costa nacionaliza o Siresp. E vai ao sector privado recrutar o líder da reforma do combate ao fogo. Deste, o Bloco não gostou. Hoje, a maioria terá que romper a censura. Amanhã, Costa volta ao terreno.
É uma mão cheia de medidas aprovadas no sábado pelo Conselho de Ministros extraordinário para reestruturar a protecção civil e a prevenção e combate aos incêndios que o primeiro-ministro, António Costa, leva esta terça-feira ao Parlamento como resposta à moção de censura apresentada pelo CDS.
António Costa entrará no hemiciclo de São Bento dando a ideia de que as novas orientações aprovadas estão já em marcha. Para isso, dará posse de manhã a Tiago Martins Oliveira como presidente da estrutura de missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrado de Fogos Rurais. Tiago Oliveira é doutorado em gestão de riscos florestais e foi um dos autores do estudo encomendado pelo Estado que, em 2006, já propunha uma reforma do sistema. Na altura, foi rejeitada pelo Governo de José Sócrates em que António Costa era ministro da Administração Interna.
Mas Tiago Oliveira é também, desde 2016, responsável da área da Inovação e Desenvolvimento Florestal da The Navigator Company (ex-Portucel). E é por isso que foi com “surpresa e estranheza” que o Bloco recebeu a notícia. “Parece que o Governo não aprendeu mesmo nada” com tudo o que aconteceu nos últimos quatro meses, diz o deputado Pedro Soares ao PÚBLICO.
“É surpreendente que o Governo indique para presidir a uma estrutura e para um lugar que parece ser equivalente a secretário de Estado uma pessoa que, independentemente das suas qualidades técnicas, tenha estado ligado à indústria das celuloses, nomeadamente na Portucel e na Navigator Campany, que tem tanta responsabilidade no caos em que a floresta se encontra”, apontou o deputado bloquista, que é também o presidente da comissão parlamentar de Ambiente. Pedro Soares realça a culpa que as celuloses têm na proliferação de eucalipto e na mistura desregrada entre esta espécie e o pinheiro que “tem tido um papel explosivo na falta de controlo dos incêndios”.
Para o Bloco, o engenheiro florestal Tiago Martins Oliveira tem a “marca indelével da ligação às celuloses, que não abona nada a favor da independência que se exige a uma Estrutura de Missão”. O deputado espera que António Costa “repondere a escolha” e diz que quanto mais se sabe sobre o que aconteceu este Verão “cada vez fica mais claro que há responsabilidades políticas mas também económicas e industriais” sobre o estado a que chegou a floresta. O PÚBLICO contactou o PCP e o PEV que, nesta segunda-feira, não fizeram comentários sobre a nomeação do Governo.
SIRESP nacionalizado
Mais acolhedora para a esquerda, no debate desta terça-feira, será a outra decisão do Governo: a entrada do Estado como sócio maioritário do SIRESP, com um a quota de 54%. A notícia foi oficializada já pelo novo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita: “Estão a decorrer trabalhos que visam a reestruturação da estrutura accionista de modo a que o Estado tenha uma palavra decisiva na gestão da empresa SIRESP SA, que passa por assumir 54% do capital social do SIRESP.” Sobre a forma a que obedecerá esta entrada do Estado no SIRESP, o ministro do Planeamento, Pedro Marques, já explicou em que cerca de 40% ela será feira com a conversão em acções dos créditos da Datacomp e da Galilei (ex-BPN). O resto deve ser feito com uma injecção de capital público. O Governo vai negociar esta compra sabendo já que não tem oposição da Altice e da Motorola, disse ao PÚBLICO um membro do Governo.
A incógnita do debate é se o primeiro-ministro vai dar pormenores sobre os ajustamentos que o Governo vai introduzir no Orçamento do Estado para 2018. No Governo há quem desvalorize: o PÚBLICO sabe que já há cálculos e as alterações já estão preparadas, algumas estavam-no já na sequência dos fogos de Pedrógão Grande e antes dos incêndios de há quinze dias. Falta saber o que mais virá (e o que cabe no Orçamento de Centeno).
Na pista dos 750 kms de Marcelo
Depois da moção de censura desta terça-feira, o primeiro-ministro deverá voltar a visitar áreas sinistradas. Logo no dia 17, Costa visitou as vítimas no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e reuniu-se com os presidentes de câmara dos concelhos afectados no distrito de Coimbra e no distrito de Viseu.
No terreno continuarão quatro ministros, replicando o que aconteceu após a tragédia de Pedrógão Grande: Eduardo Cabrita (agora como Ministro da Administração Interna, antes com ministro Adjunto), Pedro Marques (Planeamento), Vieira da Silva (Segurança Social) e Capoulas Santos (Agricultura).
No domingo, Marcelo Rebelo de Sousa (que fez 750 quilómetros e passou por 14 concelhos) pediu aos deputados que lhe sigam os passos e visitem áreas afectadas pelos incêndios. E não só os deputados de cada círculo. “Deveriam ser delegações mais completas de deputados de outros distritos para a Assembleia da República ficar com a exacta noção, aqui e agora, do que é a situação”, disse o Presidente.
Mas os deputados não foram a correr para o terreno porque… já lá estavam. O PCP, por exemplo, teve oito equipas de parlamentares durante o fim-de-semana a visitar as áreas ardidas e a contactar com as populações. O PS lembrou ao PÚBLICO que tem feito um périplo pelas zonas afectadas desde a semana passada e tem registado muitos desses momentos no Facebook do grupo parlamentar.
Da parte do BE também ninguém enfiou a carapuça. “Os deputados do BE estiveram desde o primeiro momento nos territórios afectados pelos incêndios.”, disse um responsável do partido ao PÚBLICO. Aveiro, Santarém, Coimbra, Vila Real, Braga, Barcelos, Arouca e Madeira são alguns dos sítios por onde passaram Catarina Martins, Heitor de Sousa e Moisés Ferreira, entre outros. Há visitas agendadas para esta quarta-feira e sábado ao Pinhal de Leiria e a Viseu, respectivamente.
Nesta segunda-feira à tarde, Duarte Marques, do PSD, escreveu na rede social Twitter: “Reunião com o ICNF na Mata Nacional de Leiria. No terreno, não a mando, mas mais como ‘habitualmente’”. Os parlamentares do PSD estiveram no terreno em modo non-stop – e até nos centros de operações – logo nos incêndios de Pedrógão. Mais recentemente, Passos Coelho esteve em Tondela onde se reuniu com os presidentes de Câmara de Tondela, Vouzela, Oliveira de Frades, Mortágua e Viseu.
Até André Silva, do PAN, esteve em Vilar de Besteiros, no concelho de Tondela, distrito de Viseu, de visita a uma das zonas mais atacadas pelos incêndios.
Nesta terça-feira, todos eles estarão frente-a-frente, na moção de censura levada a votos pelo CDS.