PS reforça penalização das empresas que não respeitam “direito a desligar”
Perante as críticas e a ameaça de chumbo do BE e do PCP, os socialistas alteraram projecto de lei que regulamenta o direito à desconexão, mas mantêm a possibilidade de as empresas imporem regulamentos. Propostas vão a plenário nesta sexta-feira.
O PS reformulou a sua proposta para inscrever na lei o direito dos trabalhadores a “desligarem do trabalho”, reforçando as penalizações para as empresas que o violem, mas mantendo a ideia de que por “exigências imperiosas” o empregador pode contactar os seus funcionários em dias de descanso, férias ou feriados recorrendo a ferramentas digitais e, além disso, pode impor regulamentos internos.
Na nova versão do projecto de lei, entregue nesta quinta-feira ao final da tarde na Assembleia da República, os deputados socialistas tentam desfazer os “equívocos” que a proposta inicial criou e que levou o BE a dizer que votaria contra, assim como o PCP. Porém, só no plenário desta sexta-feira será possível perceber se as mudanças foram suficientes para levar o BE a juntar-se ao PS e se haverá disponibilidade da direita para viabilizar a proposta, uma vez que os comunistas já disseram que estão fora de jogo.
Uma contra-ordenação grave
Na proposta reformulada, o PS propõe que a violação do direito ao descanso passe a ser uma contra-ordenação grave (em vez de leve) e que o empregador adopte um regulamento unilateral para definir o que são “exigências imperiosas de funcionamento”, em vez de definir apenas o uso de ferramentas digitais no âmbito da relação laboral como previa a primeira versão.
“Sabemos que existem empresas que contactam abusivamente o trabalhador no seu período de descanso e queremos dizer que isso é proibido e que, para acontecer, tem de constituir uma exigência imperiosa”, começa por dizer o deputado socialista, Tiago Barbosa Ribeiro.
“O nosso objectivo é inscrever o direito a desligar no enquadramento legal e reforçar os mecanismos de combate a esta prática”, acrescenta, frisando que esse já era o princípio subjacente ao projecto inicial.
Tiago Barbosa Ribeiro admite, contudo, que a primeira versão gerou “alguma incompreensão” e, por isso, optaram por reformulá-la.
Projecto do PS prevê excepções
O projecto do PS começa por dizer que a utilização de ferramentas digitais no âmbito da relação laboral não pode impedir o direito ao descanso do trabalhador, mas admite excepções quando estão em causa “exigências imperiosas do funcionamento da empresa” e dá a possibilidade de, por instrumento de regulamentação colectiva, sindicatos e empresas regularem a utilização de ferramentas digitais durante o período de descanso, férias e dias feriados.
Quanto os instrumentos de regulamentação colectiva que não abordem esta matéria ou quando não existam, o empregador deve promover a celebração de um acordo com a comissão de trabalhadores ou com as comissões intersindicais ou, quando não existam, directamente com os trabalhadores. E quando esse acordo não for possível, cabe à empresa definir o regulamento com as situações que se consideram exigências imperiosas e em que se admite que o empregador interrompa o descanso do trabalhador. Ao contrário do que previa a versão inicial, esta disposição aplica-se a todas as empresas e não apenas às que têm 50 ou mais empregados.
O mesmo objectivo, lógicas diferentes
Apesar das alterações, a lógica do projecto do PS é diferente da dos outros três projectos de lei e dos dois projectos de resolução. O PS não altera o conceito de período de descanso, quer garantir o direito à desconexão e prevê sanções para as empresas que violem esse direito, mas concentra a regulamentação nas excepções.
A proposta do BE reforça que o período de descanso deve corresponder a um tempo de desconexão profissional e defende que os instrumentos de regulamentação colectiva devem estipular a forma como o direito à desconexão se efectiva, considerando que a sua violação constitui assédio.
Já o PEV pretende reforçar as sanções associadas à violação do período de descanso através da utilização de tecnologias da informação que considera contra-ordenação muito grave. O PAN admite que por razões de força maior o descanso pode ser interrompido, mas desde que fundamentado e comunicado por escrito ao trabalhador.
O PCP, que apresenta um projecto de resolução, defende que a lei já é clara quanto à protecção dos trabalhadores e que apenas é preciso reforçar a fiscalização e as sanções. Enquanto o CDS recomenda ao Governo que inicie o debate na concertação social sobre o direito ao "desligamento” e que essa matéria deve ser remetida para a contratação colectiva.
Proposta do PS passa no Parlamento?
Perante a diversidade das propostas, será que as alterações feitas pelo PS são suficientes para conseguirem passar no plenário desta sexta-feira? À hora de fecho da edição Tiago Barbosa Ribeiro ainda não sabia dizer.
“Pretendíamos que os projectos fossem votados e pudessem ser discutidos na especialidade”, limita-se a dizer, acrescentando que se os partidos da esquerda consideram que a proposta “em vez de melhorar piora o regime” então que seja chumbado.
O BE foi muito crítico da primeira versão apresentada pelos socialistas, por considerar que dava “cobertura normativa à invasão do tempo de descanso dos trabalhadores”. Em declarações ao PÚBLICO, nesta quinta-feira, o deputado bloquista José Soeiro avisava que a proposta “tal como está, não reforça mas fragiliza o direito ao descanso dos trabalhadores, e só pode merecer a oposição do Bloco e o seu inequívoco voto contra”.
Confrontado com a existência de uma nova proposta, Soeiro disse apenas que ainda estavam a analisar o documento e que só nesta sexta-feira decidem se votam a favor ou contra.
Do lado do PCP, Rita Rato deixou claro: “Vamos votar contra os projectos todos, com excepção do projecto do PEV, porque todos apontam para a desregulamentação do direito ao descanso.”
“Os tempos de trabalho, os períodos de descanso, o trabalho suplementar e a isenção do horário de trabalho estão tipificados na legislação laboral. Para nós não há dúvida de que durante os períodos de descanso os trabalhadores não estão obrigados a responder a mails ou a atender o telefone”, justificou em declarações ao PÚBLICO, acrescentando que apenas viabilizam a proposta do PEV.