Programa do Alto Comissariado para as Migrações que monitorizava doentes acabou
Dirigido a doentes evacuados, projecto chegou a apoiar seis casas de acolhimento, albergando em cinco anos quase 200 pessoas. Alto Comissariado para as Migrações e Segurança Social não têm substituto.
Se tivesse chegado antes de 2012, o doente guineense N’dine Bioga, que andou a pedir na rua, talvez tivesse tido apoio do Programa de Apoio a Doentes Estrangeiros (o PADE). O PADE foi desenvolvido entre 2007 e 2012 pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, actual Alto Comissariado para as Migrações (ACM), com o Instituto de Segurança Social (ISS).
Dirigido a quem precisava de tratamento em Portugal e estava em situação de extrema pobreza, o PADE tentava colmatar problemas de alojamento, de alimentação, de apoio psicológico e social dos doentes.
O PADE chegou a apoiar seis casas de acolhimento, albergando durante esses anos quase 200 pessoas, numa tentativa de montar um "circuito fechado" que monitorizasse cada pessoa, desde a evacuação ao regresso. O gabinete de imprensa do ACM não diz se tem procurado alternativa ao programa ou se o quer retomar. Por seu lado, contactado, o ISS devolve a questão ao ACM dizendo que o programa é da sua esfera.
Associações que apoiam imigrantes, como a Olho Vivo, em Queluz, chegaram a ter protocolos com o ACM em que geriam casas onde ficavam alojados doentes, sobretudo guineenses. “Funcionou lindamente”, afirma a presidente Flora Silva. A Olho Vivo era responsável pelos pedidos de autorização de residência do SEF, transportes para consultas, compras da casa, manutenção...
Chegou a conseguir um apoio do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e da Fundação EDP para obras na casa, na Amadora. “Havia um acompanhamento próximo dos doentes”, lembra Flora Silva. “Era gerido por instituições que já tinham respostas para ajudar estas pessoas”. Lamenta o seu fim: “As pessoas não passavam por períodos de fome, nem faltavam às consultas porque não tinham dinheiro para os transportes.”
Aliás, a larguíssima maioria dos doentes que estiveram nas casas do PADE eram da Guiné-Bissau: 123 dos 183, mostrou a tese de mestrado Acordos de Cooperação no Domínio da Saúde entre Portugal e os PALOP: contributos do PADE, de Solange de Fátima Casimiro Tchuda, no ISCTE (de onde retiramos os números sobre o PADE). Ali a autora defende que “Portugal, apesar de ter conseguido cumprir a sua parte nos acordos, devia fazer com que estes países se responsabilizem pelos objectivos”. O PADE mostrou “a ineficácia dos acordos e da necessidade destes serem revistos”.
Flora Silva ainda hoje nota que a maior procura de ajuda é de doentes guineenses. A determinada altura, a Fundação Ricardo Sanhá, do ex-futebolista guineense com o mesmo nome, chegou a apoiar doentes. Em 2011 abriu uma casa, seguiram-se mais duas mas fecharam-nas em 2015 porque a embaixada não acompanhava, os doentes não tinham alta e não havia forma de assegurar “a rotatividade”, explica por telefone.
“A Guiné-Bissau está como está [politicamente] e a embaixada é um reflexo disso. Nem que reduzisse os doentes para metade, o governo português devia pensar bem no acordo e assegurar o acompanhamento que a Guiné-Bissau não consegue fazer.”