PS admite excepções ao direito dos trabalhadores a “desligar do trabalho"
Proposta do PS admite excepções “por razões imperiosas do funcionamento da empresa”. BE, Verdes e PAN propõem que violação do direito ao descanso constitua contra-ordenação laboral que pode ir de leve a muito grave.
O direito dos trabalhadores a desligar do trabalho e a ignorar telefonemas, SMS ou emails de trabalho durante os períodos de descanso deverá ficar consagrado em “letra de lei”. Vão nesse sentido as propostas de alteração ao Código de Trabalho que quer o PS quer o Bloco de Esquerda, o PAN e Verdes fizeram entrar na Assembleia da República (AR), secundando assim o exemplo da França que aprovou, no início deste ano, uma lei que prevê o “direito a desligar”.
O CDS/PP também defende que, “exceptuados casos de manifesta urgência devidamente justificável”, as entidades patronais devem abster-se de contactar os trabalhadores “fora do horário de trabalho, independentemente da forma, incluindo telefónica ou electrónica”, mas atira o debate para a sede de concertação social, conforme resulta do projecto de resolução que deu entrada na AR no dia 10.
Entre as propostas de alteração ao Código de Trabalho, a do PS é a mais cautelosa, remetendo para as empresas e respectivos trabalhadores a negociação sobre a organização do tempo de trabalho e os termos efectivos do direito a desligar. E admite casos excepcionais em que, “por exigências imperiosas do funcionamento da empresa”, possa ficar consagrada a possibilidade de utilização de ferramenta digital (correio electrónico) para fins de trabalho durante o período de descanso, férias e feriados dos trabalhadores. Trata-se de uma matéria que, segundo o PS, deverá integrar a regulamentação colectiva de trabalho. Nas empresas com 50 ou mais trabalhadores, e na ausência daquele instrumento, o empregador deve chegar a acordo com as estruturas representativas dos trabalhadores, constituindo a violação do direito do trabalhador a desligar uma contra-ordenação leve.
O BE foi dos primeiros a propor uma alteração ao Código do Trabalho. Na proposta que, em Junho, fizeram entrar na AR, os bloquistas também fazem equivaler a violação do direito à desconexão a uma infracção leve. No preâmbulo, os bloquistas recuperam um inquérito feito em 2015 a cerca de cinco mil trabalhadores que mostrava que 62% tinham enfrentado situações de stress no trabalho e 43% haviam sido contactados pelas chefias fora do horário de trabalho. No entender dos bloquistas, o desenvolvimento das tecnologias de informação não só diluíram as fronteiras entre tempo de trabalho e de descanso como surgem associadas a uma espécie de “nomadismo laboral” traduzível no facto de o trabalho poder ser levado para qualquer lado e executado a qualquer hora, criando um novo fenómeno de “servidão voluntária” e de escravatura própria do “homos connectus”.
Contra a “coleira electrónica”
Numa altura em que a própria Organização Internacional do Trabalho alerta para o facto de as tecnologias estarem a contribuir para uma sobreposição entre trabalho remunerado e vida pessoal, com prejuízo desta, os deputados do BE sustentam que é o próprio trabalhador que, mesmo sem ordens expressas, se sente instigado a mostrar total disponibilidade para o trabalho mercê da forte competitividade em que vive.
No quadro de combate a esta “coleira electrónica”, que constrange e limita a liberdade individual do trabalhador, o BE aponta o exemplo da Volkswagen na Alemanha que impôs a obrigatoriedade de desligar os servidores de computadores para garantir que os trabalhadores não recebem emails à noite e fins-de-semana. Apesar de não estar regulado na lei geral alemã, a BMW e a Puma foram outras das empresas que decidiram limitar o uso de dispositivos digitais para troca de mensagens profissionais fora do trabalho.
Em França, o Código de Trabalho já prevê o “direito à desconexão”, embora apenas nas empresas com mais de 50 trabalhadores e sem prever qualquer consequência contra-ordenacional. Quando a lei entrou em vigor, a 1 de Janeiro de 2017, a Espanha predispôs-se a seguir o exemplo. Em Julho, a filial espanhola da multinacional francesa dos seguros Axa foi a primeira no país a, no respectivo acordo colectivo de trabalho, reconhecer o direito dos trabalhadores a ignorar telefonemas e mensagens de trabalho durante o seu descanso.
Para a realidade portuguesa, a proposta do BE prevê que o combate à hiperconectividade do trabalhador se faça por via de uma alteração ao Código do Trabalho que defina como assédio quaisquer contactos profissionais com o trabalhador no seu período de descanso. As empresas ficam ainda obrigadas, no quadro da proposta bloquista, a afixar e enviar aos trabalhadores o mapa de horário de trabalho.
O grupo parlamentar “Os Verdes” é mais duro e propõe que se constitua como contra-ordenação muito grave qualquer violação do direito do trabalhador a, durante o seu período de descanso, desligar-se do trabalho. Em sintonia com o propósito de impedir que o trabalho invada a casa, os fins-de-semana e as férias dos trabalhadores, via telemóvel ou email, o deputado do PAN, André Silva, concorda que tais contactos constituam contra-ordenações graves. Na sua proposta, o PAN admite que, em face da “existência de razões de força maior”, tais contactos possam estabelecer-se, desde que devidamente fundamentados e comunicados por escrito ao trabalhador.