Das poupanças incertas às mudanças no BCE: estes são os riscos do OE
Nenhum orçamento está isento de riscos e este não é excepção. O Governo faz as suas contas dependerem de poupanças e de acréscimos de receita que, no passado, mostraram ser difíceis de se concretizar.
É, desde o início da crise financeira internacional em 2008, o orçamento em que um Governo parece ter, graças ao desempenho mais forte da economia, um maior espaço de manobra para assumir as suas opções de política económica. E na gestão dos imprevistos, mostram os dois últimos exercícios orçamentais, Mário Centeno tem alguns instrumentos eficazes na mão, como as cativações.
Mas, ainda assim, há riscos. Há áreas em que o grau de incerteza é mais elevado e em que as diferenças entre aquilo que é projectado no OE e aquilo que acaba realmente por acontecer podem ser substanciais.
Poupanças incertas do lado da despesa
Duas das mais importantes medidas de política orçamental apresentadas do lado da despesa são o congelamento nominal do consumo intermédio e o exercício de revisão da despesa. Com a primeira, o Governo espera garantir uma poupança de 300 milhões de euros, com a segunda de 287 milhões. No total são cerca de 0,3 pontos percentuais do PIB.
O problema é que, neste tipo de medidas, o grau de certeza em relação ao impacto efectivo da sua aplicação é bastante mais reduzido do que quando se fala, por exemplo, de definir valores concretos para salários e pensões. E a experiência dos anos passados demonstra-o.
No caso do congelamento nominal do consumo intermédio, aquilo de que se está a falar é da indicação aos serviços para não aumentarem as suas despesas de funcionamento, por exemplo, as aquisições de bens e serviços. Para que tal se concretize, é preciso que haja um acompanhamento contínuo da execução orçamental. A apresentação deste tipo de medida em orçamentos e planos plurianuais tem sido recorrente nos últimos anos, mas a confirmação em concreto dos resultados obtidos é muito reduzida. Em 2017, diz o Governo na proposta de OE para 2018, esta mesma medida está a ser aplicada, devendo garantir poupanças de 215 milhões de euros. No entanto, para a evolução da despesa com consumos intermédios (incluindo as PPP), estima-se agora um crescimento em 2017 de 3,4%, um valor que fica bem acima dos 0,8% que eram previstos no OE inicial.
Em relação ao exercício de revisão da despesa, o problema é semelhante. A proposta orçamental para 2018 apresenta, face a anteriores OE, uma lista mais detalhada das potenciais poupanças que foram identificadas. É no sector da Saúde que se esperam mais resultados, com medidas que vão da revisão dos preços e das comparticipações até aos mais vagos reforços de monitorização orçamental ou combate à fraude.
Controlo das despesas com pessoal?
No ano em que arranca com o processo de descongelamento das progressões, o Governo volta a apontar para uma redução importante do peso das despesas com pessoal no PIB. Na proposta de OE prevê-se que este indicador passe de um valor de 11,1% do PIB para 10,8% (contribuindo para a redução do défice), registando um crescimento de apenas 0,3%, ou 71 milhões de euros.
A dúvida surge: será possível este resultado quando, só com a progressão de carreiras, se prevê gastar mais 211 milhões de euros? A resposta a esta pergunta estará naquilo que poderá vir a acontecer ao número de efectivos da Administração Pública. Se não crescer e reduzir-se mesmo ligeiramente, é possível, tendo em conta que a actualização dos salários é outra vez nula, é possível que haja um controlo da massa salarial total.
A este nível, os resultados obtidos em anos anteriores são a prova de que há riscos. Apesar de estar em vigor a aplicação de uma regra de entrada de “1 por 2” na função pública, o número de efectivos aumentou na primeira metade deste ano e espera-se agora um crescimento das despesas com pessoal de 2,5% em 2017, quando no OE inicial a projecção era de um crescimento de 1,3%.
De novo a aposta nos impostos sobre o consumo
O Governo assume no OE uma descida da carga fiscal, mas ainda assim, para compensar o alívio que realiza no IRS (230 milhões), espera um crescimento dos impostos indirectos de 4,5%, isto é acima do crescimento nominal da economia.
Esta aposta nos impostos indirectos e em particular nos impostos especiais sobre o consumo (onde são tomadas medidas para garantir mais 150 milhões de euros) não é deste ano e nem sequer deste governos, mas a verdade é que à medida que se vai querendo obter mais receita por esta via, maiores riscos há que esta não se concretize, tendo em conta o incentivo que um agravamento da tributação pode constituir para a fraude e fuga fiscal.
Em 2017, a aposta do Governo nos impostos sobre o consumo foi ganha. Será possível repetir em 2018?
Dependente de uma grande ajuda dos juros
A revisão em baixa das despesas com juros ocorrida durante este ano é uma das principais explicações para que a meta de redução do défice em 2017 esteja claramente ao alcance do Governo. Para 2018, espera-se que essa ajuda ainda seja maior. O Executivo espera gastar menos 443 milhões de euros com encargos da dívida, beneficiando da antecipação do pagamento da dívida ao FMI (que tem taxas de juro mais altas) e do ambiente claramente mais positivo em que pode actualmente realizar novas emissões de dívida.
A tendência positiva a que se assiste nos ratings dá motivos para pensar que os juros da dívida portuguesa podem continuar a reduzir o seu diferencial face a outros países do euro. No entanto, existe sempre o risco de o movimento global de subidas de taxas, à medida que o BCE retira as suas políticas de estímulo, possa ser mais rápido do que o esperado, afectando as contas também para Portugal.
Instabilidade na economia mundial
Para preparar um orçamento, um Governo tem sempre de se basear num cenário de evolução da economia, cuja concretização depende de muitas variáveis que não pode realmente controlar. Por isso, aqui, há sempre um risco envolvido. No OE 2018, contudo, tudo aponta para que o risco tenha sido minimizado. A previsão de crescimento de 2,2% em 2018, depois de a economia ter disparado para 2,6% em 2017, está em linha com a generalidade das projecções que têm vindo a ser realizadas por entidades nacionais e internacionais.
O Conselho de Finanças Públicas, cujo parecer ao cenário macro económico é sempre entregue em conjunto com o OE, afirma que a previsão do Governo “se enquadra num cenário mais provável para a economia portuguesa”, uma opinião mais positiva do que a emitida em anos anteriores.
Ainda assim, é preciso não esquecer que, para que este resultado se concretize é necessário que a economia portuguesa mantenha, durante os próximos trimestres um ritmo de crescimento saudável, algo que se pode tornar difícil caso ocorram episódios graves de instabilidade no resto da economia mundial.
Perder a oportunidade de cortar mais a dívida
O Governo prevê um corte da dívida de 3,2 pontos percentuais, e calcula que o défice estrutural (que mede o esforço de consolidação orçamental que é feito) vai cair 0,5 pontos. A confirmar-se, as regras europeias são cumpridas, mas a questão tem vindo a ser colocada: seria desejável ir mais longe na redução da dívida e do défice? Haverá outras oportunidades tão claras no futuro para o fazer?
Entre os economistas, como é hábito, as respostas dividem-se. Há quem diga que este é o momento de cortar o máximo que se puder a dívida para precaver o país contra futuras crises, e há quem responda que estamos na hora de consolidar a recuperação da economia e do emprego, até porque esta é a única forma de continuar a melhorar a situação orçamental.
Mário Centeno o que tem vindo a dizer é que o OE aponta para uma posição de equilíbrio. Em entrevista ao Diário de Notícias este domingo lembrou que as experiências de outros países europeus mostram que “o importante é a dívida estar a cair e estar a cair de forma sustentada”. “Não me parece que atendendo aos níveis da riqueza e também de défice que temos neste momento em Portugal devêssemos ou ganhássemos o que quer que seja por acelerar este processo”, disse.