Como atrás do pequeno-almoço pode estar um estilo de vida
Segundo um novo estudo, não tomar o pequeno-almoço ou ingerir poucas calorias logo de manhã aumenta o risco de bloqueio das artérias. Saltar esta refeição pode acarretar maus hábitos alimentares.
Passamos o tempo a ouvir que o pequeno-almoço é das refeições mais importantes do dia e que devemos comer bem logo de manhã. E agora até há mais um artigo científico na revista Journal of the American College of Cardiology que conclui que consumir poucas calorias ou nenhumas na primeira refeição do dia aumenta o risco de aterosclerose, acumulação de gordura nas artérias ligada às doenças cardiovasculares. Mas será que descurar esta refeição é, por si só, a única razão para o aumento desse risco?
Houve já vários estudos que concluíram que existe uma relação entre o pequeno-almoço e o aumento (ou não) de marcadores cardiometabólicos, como a obesidade ou a diabetes, referem os cientistas logo no início do artigo. “Por outro lado, há alguns estudos que ligam a falta do pequeno-almoço ao risco de doenças das artérias coronárias”, lê-se ainda. E dizem ainda que não há praticamente estudos sobre a relação entre os hábitos alimentares e a aterosclerose subclínica (em que ainda não há sintomas). Por isso, decidiram ver se existe uma associação entre diferentes tipos de pequeno-almoço e a aterosclerose subclínica.
Neste trabalho, participaram cerca de quatro mil pessoas dos 40 aos 54 anos, que não tinham doenças cardiovasculares nem doenças renais crónicas. Os participantes foram acompanhados durante seis anos. Primeiro, responderam a um questionário sobre a sua dieta alimentar. Depois, os cientistas estabeleceram três padrões de pequeno-almoço tendo em conta as calorias ingeridas. Em média, os participantes consumiam 2300 calorias por dia, diz ao PÚBLICO Jose Peñalvo, da Universidade Tufts (nos Estados Unidos) e coordenador do trabalho.
No primeiro tipo de pequeno-almoço, ficaram as pessoas que consumiam menos de 5% das calorias do seu dia na refeição da manhã. Estas pessoas apenas bebiam café, sumo de laranja ou qualquer outra bebida sem álcool e não perdiam mais de cinco minutos com esta refeição. Chamaram-lhes aqueles que “saltam o pequeno-almoço” (ou breakfast skippers).
No segundo padrão, estava quem ingeria entre 5% e 20% de calorias nesta refeição. Esses participantes bebiam café, sumo de laranja, comiam fruta fresca, cereais, bolachas ou bolos – eram os “baixos consumidores de pequeno-almoço”. Por fim, estavam os “consumidores de pequeno-almoço”, que ingeriam mais de 20% de calorias logo pela manhã. Bebiam café, sumo de laranja, comiam fruta fresca, cereais, bolachas de cereais, bolos e torradas acompanhadas com azeite, tomate ou fiambre.
Entre os quatro mil participantes do estudo, 2,9% (cerca de 116 pessoas) saltavam esta refeição, 69,4% (2776) eram baixos consumidores e 27,7% (1108) eram consumidores de pequeno-almoço.
A seguir, os investigadores identificaram placas ateroscleróticas (gordura) nos participantes fazendo ecografias às artérias, incluindo as do coração, das coxas e do pescoço. Concluíram que aqueles que não tomavam o pequeno-almoço tinham 1,5 vezes mais placas nos vasos sanguíneos do que os restantes e, nalgumas regiões vasculares, chegavam a ter 2,5 vezes mais placas. Tinham a cintura mais larga, maior índice de massa corporal, maior pressão arterial, mais lípidos no sangue e níveis mais elevados de glicose.
Mas será o pequeno-almoço o único responsável por estes resultados? “No geral, os participantes que saltavam o pequeno-almoço tinham um estilo de vida menos saudável, incluindo uma dieta mais pobre e um consumo de álcool e de tabaco mais frequente. São também mais propensos a ser hipertensos e obesos”, lê-se num comunicado do Colégio Americano de Cardiologia sobre este trabalho.
“Além de estar directamente associado ao risco de doenças cardiovasculares, saltar o pequeno-almoço pode servir como um marcador geral de uma dieta pouco saudável ou um estilo de vida que, por sua vez, é relacionado com o desenvolvimento de aterosclerose”, diz Jose Peñalvo, citado no comunicado. “Os nossos resultados são importantes para os profissionais de saúde e devem ser usados como uma mensagem simples para intervenções baseadas no estilo de vida e em estratégias de saúde pública, assim como recomendações e orientações com informação alimentar.”
Mais batatas fritas, mais snacks
Pedro Carvalho, professor na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa e no Instituto Universitário da Maia, comenta para o PÚBLICO este estudo, de que não fez parte. Para este nutricionista, este trabalho pode dar a entender que é por se saltar o pequeno-almoço que existe um aumento do risco de aterosclerose, “quando isso não é verdade”. “A conclusão deste estudo é falaciosa, uma vez que, olhando para os hábitos alimentares dos breakfast skippers, eles também consomem menos fruta e legumes, menos cereais integrais, mais carnes vermelhas, mais batatas fritas e snacks, mais álcool e bebidas açucaradas do que os indivíduos que tomam pequeno-almoço”, refere. “Os ‘saltadores de pequeno-almoço’ têm uma dieta genericamente pior e, por isso, têm esse aumento do risco.”
Também Valentín Fuster, do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares Carlos III (Espanha) e um dos autores do trabalho, acaba por referir essa questão ao jornal britânico The Guardian: “Saltar o pequeno-almoço de manhã não é, por si só, um problema; o problema é o que se come depois.” E Pedro Carvalho acrescenta: “A ingestão calórica dos três grupos é igual, o que quer dizer que, mesmo saltando o pequeno- almoço, acabam por compensar essas calorias em refeição mais à frente ao longo do dia.”
Por sinal, na rubrica que Pedro Carvalho tem no PÚBLICO, Mitos que comemos, o nutricionista escrevia em Maio deste ano que os estudos observacionais têm concluído que quem não toma o pequeno-almoço tem comportamentos alimentares desequilibrados. “Nestes estudos conseguimos perceber que quem salta o pequeno-almoço também tende a fumar mais, a beber mais álcool, a deitar-se mais tarde e fazer menos exercício (muitas vezes a desculpa do ‘não há tempo’ tanto serve para o pequeno-almoço como para o treino).”
Uma das limitações do estudo, segundo os autores, é o número de participantes de cada grupo: apenas 2,9% pertenciam aos que não ingeriam o pequeno-almoço e a maioria estava entre os baixos consumidores de pequeno-almoço.
Esta equipa pretende continuar a investigar a relação da aterosclerose com a dieta e os estilos de vida. “Precisamos de marcadores de risco mais precoces e mais precisos para as fases iniciais de aterosclerose, o que permitirá melhorar as estratégias para prevenir o enfarte do miocárdio, o AVC e a morte súbita”, diz outro autor do trabalho, Antonio Fernández-Ortiz, também do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares Carlos III. “Estes últimos resultados são, sem dúvida, um contributo para atingir esse objectivo.”