Ana Gomes questiona Centeno sobre negócio do Atlântida e leva suspeitas à AT e à PGR
Eurodeputada reitera suspeitas sobre o negócio de compra e venda do navio à Douro Azul e questiona Ministério das Finanças sobre a actuação de Filomena Martinho Bacelar, inspectora envolvida no caso Swissleaks que a socialista diz ter presidido ao júri que supervisionou o negócio.
Ana Gomes reforçou as suspeitas lançadas sobre a venda do navio Atlântida por parte dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) à Douro Azul, detida por Mário Ferreira, revelando que questionou o ministro das Finanças, Mário Centeno, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a actuação de Filomena Martinho Bacelar, inspectora da Inspecção-Geral das Finanças, que a eurodeputada diz ter sido presidente do júri que supervisionou o negócio. Num documento enviado ao Parlamento Europeu em resposta ao pedido de levantamento da sua imunidade parlamentar, na sequência do processo em que é acusada de difamação por parte de empresas da Douro Azul, Ana Gomes informa ainda que deu participação à Autoridade Tributária e à PGR das suas suspeitas de que Mário Ferreira utilizou uma empresa sediada em Malta para fugir aos impostos.
Em Setembro de 2014, o Estado português, representado pela comissão liquidatária dos ENVC, e o grupo da Douro Azul — através da empresa Mystic Cruises —, de Mário Ferreira, assinam o contrato de compra e venda do navio Atlântida, depois de a primeira proposta recebida não se ter formalizado. Um negócio de 8,7 milhões de euros, apesar de o barco estar avaliado em 50 milhões. Meses depois, Mário Ferreira vendeu o mesmo navio por 17 milhões a uma empresa norueguesa. Isto levou a que Ana Gomes, em Abril de 2016, levantasse suspeitas sobre o negócio, falando em gestão danosa e em fuga ao fisco por parte de Mário Ferreira. O Ministério Público está a investigar a subsconcessão dos ENVC à Martifer e a venda do navio Atlântida à Douro Azul, tendo já realizado buscas nas instalações deste grupo.
Agora, no documento enviado ao Parlamento Europeu, Ana Gomes diz ter realizado uma investigação própria sobre o caso, expondo as suas conclusões. Aí, diz que no ano anterior à venda do Atlântida, os ENVC receberam duas propostas de compra de 21 e 28 milhões de euros. “No entanto, o ministro da Defesa (na altura José Pedro Aguiar-Branco) a abertura de um concurso público internacional” para a venda do ferryboat.
A eurodeputada afirma ainda que não foram pedidas quaisquer garantias bancárias aos interessados nem qualquer outro tipo de documento. Além disso, diz que os “serviços de aconselhamento financeiro foram entregues ao banco BESI”, pertencente ao BES, a mesma instituição que fez consultadoria, “de forma suspeita, no processo de privatização/subconcessão dos ENVC”, acrescentando que foi o BESI que “recebeu e organizou” as propostas dos interessados.
A primeira proposta recebida foi no valor de 12,8 milhões de euros por parte da empresa Thesaco Shipping, liderada por um capitão grego, “sobre quem uma mera pesquisa no Google mostraria a sua impropriedade”, continua, acrescentando que o interessado não chegou a visitar o navio, o que deveria “fazer soar os alarmes no júri”. Depois de não se ter concretizado este primeiro negócio, a escolha recaiu pela segunda proposta mais alta – a da Douro Azul, no valor de 8,75 milhões de euros. No entanto, Ana Gomes diz que nunca foi divulgado quem compunha o júri, alegando que este era liderado por Filomena Martinho Bacelar, inspectora da Inspecção-Geral das Finanças e cujo nome foi envolvido no caso Swissleaks.
Por isso, a eurodeputada socialista informa que enviou ao “actual ministro das Finanças e ao procurador-geral uma carta” em que questiona se Bacelar, “como presidente do júri da venda do Atlântida, alguma vez sinalizou as óbvias condições suspeitas que se seguiram a esse concurso, que sugeria a possibilidade de um esquema para defraudar o Estado”.
Além disso, Ana Gomes acusa Mário Ferreira de ter utilizado uma empresa em Malta, a Trade Winds International, no processo de compra e venda do Atlântida para realizar “uma venda a si próprio” e, dessa forma, fugir ao fisco em Portugal. Sobre estas suspeitas, a socialista diz que enviou uma participação à Autoridade Tributária e à PGR.
O PÚBLICO tentou contactar Mário Ferreira para uma reacção, mas sem sucesso.