Um estudo para convencer o Governo a gastar mais para ajudar a economia
Um estudo assinado por quatro economistas, incluindo o deputado do PS Paulo Trigo Pereira, diz que os cortes do défice previstos pelo Governo são indesejáveis. E defende as vantagens de mais despesa pública e alívios fiscais.
Num momento em que a economia surpreende pela positiva, as metas orçamentais estão a ser cumpridas e as agências internacionais sobem o rating do país, quatro economistas, um deles deputado do PS, questionam-se: não se terá tornado a estratégia de consolidação orçamental delineada pelo Governo para os próximos anos demasiado restritiva, ao ponto de colocar em causa a continuação de uma retoma económica do país?
A resposta a que chegam é que sim. O estudo - da autoria de Paulo Trigo Pereira, professor no ISEG e deputado do PS, Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira, Luís Teles Morais e Joana Andrade Vicente, ambos investigadores no Instituto de Políticas Públicas (IPP) – defende uma alternativa ao Programa de Estabilidade do Governo, que acredita numa evolução mais positiva da receita, reduz o ritmo de redução do défice, coloca as despesas com pessoal a crescer acima da inflação, aposta num alívio fiscal moderado e, no fim de tudo isso, prevê que a dívida pública fique a um nível ligeiramente abaixo do programado pelo Governo para 2021.
A culpa do que dizem ser a opção demasiado restritiva tomada pelo Governo no actual Programa de Estabilidade é atribuída principalmente à exigência europeia de que as contas públicas portuguesas caminhem para um saldo estrutural positivo de 0,25% do PIB.
É este o valor do Objectivo de Médio Prazo definido por Bruxelas para Portugal e que, no Programa de Estabilidade que apresentou em Abril, o Governo tenta cumprir até 2020, com cortes no défice estrutural de 0,5 pontos percentuais ao ano a partir de 2018. Os autores do estudo agora publicado defendem contudo que continuar a tentar alcançar esta meta força a um ritmo de consolidação orçamental demasiado forte, conduzindo a um excedente orçamental primário de 4,9%% em 2021, algo que consideram ser “indesejável e excessivo”.
Perante isto, defendem que é preciso, primeiro, convencer Bruxelas a apontar já em 2018 para um Objectivo de Médio Prazo menos exigente para o saldo estrutural (de -0,5% do PIB), algo que dizem ser possível através de negociação política (a Comissão tem agendada uma actualização destes indicadores para todos os países em 2018, usando uma fórmula pré-definida). E depois, beneficiando dessa margem e do actual cenário de crescimento económico acima do previsto, desenhar uma estratégia orçamental menos restritiva, mais amiga do crescimento, que inclui, por exemplo, aumentos anuais da despesa com pessoal ligeiramente acima da inflação (com mais dinheiro para as progressões de carreira) e alívios fiscais, tanto no IRS como no IRC e no IVA.
As diferenças entre o Programa de Estabilidade do Governo e a variante ao programa apresentada neste estudo começam logo a partir de 2017. Apesar de o valor do défice ser o o mesmo (1,5%), o estudo antecipa que a receita obtida seja cerca de 700 milhões de euros mais alta do que o previsto pelo Governo no Programa de Estabilidade e a despesa também se situe cerca de 700 milhões acima. No caso da receita, o que explica o resultado mais forte é o desempenho mais forte na economia. Na despesa, os autores do estudo defendem que várias componente da despesa com consumos intermédios estão suborçamentadas, nomeadamente no sector da Saúde, pelo que será inevitável que o valor global final venha a ficar acima do previsto.
A partir daí, este diferencial entre as duas projecções alarga-se. Em 2018, o estudo coloca no papel uma política bem menos restritiva ao nível da despesa pública. Nas despesas com pessoal, o aumento projectado para todos os anos é de 2,5%, o que significa que é reservada uma verba maior para o descongelamento de carreiras (que é feita em quatro anos com 238 milhões de euros logo em 2018) e existe margem para actualizações salariais próximas da inflação (ao passo que o Governo não antecipa qualquer actualização salarial). Os auotres do Estudo consideram que as verbas neste momento programadas pelo Governo para o descongelamento das progressões são insuficientes.
Nas despesas com consumos intermédios, o crescimento também é de 2,5%, o que é visto pelos autores como o regresso a uma gestão orçamental em tempo de normalidade.
Neste cenário, projecta-se ainda assim, um défice ligeiramente mais baixo que o do Programa de Estabilidade para 2018 (0,9% contra 1%), porque se continua a aproveitar o aumento da receita fiscal e se acrescenta uma projecção de aumento muito forte e permanente dos dividendos distribuídos pelo Banco de Portugal, num valor estimado em 470 milhões de euros (graças aos lucros obtidos com dívida portuguesa).
Para os anos seguintes, o valor do défice público previsto começa a ser mais alto do que o projectado actualmente pelo Governo, algo que se agrava nos últimos anos para os quais o estudo defende, no seu cenário base, um desagravamento fiscal, que reduz a receita de IRC em cerca de 700 milhões de euros em 2021 e a de IVA em 500 milhões de euros.
Para esse ano, o défice nominal estimado é de 0,1%, o que compara com o excedente de 1,3% do Programa de Estabilidade. O excedente orçamental primário é de 3,6% (contra 4,9%). Os autores salientam que, mesmo assim, com mais despesa e alívios fiscais, seria possível que o peso da dívida no PIB ficasse abaixo do previsto no Programa de Estabilidade, devido ao efeito positivo que a política orçamental menos restritiva teria na economia.
O conteúdo deste estudo é mais um elemento para o debate a que actualmente se assiste na construção do orçamento. De um lado, o Governo está a ser por Bruxelas e pelas agências de rating a aproveitar as folgas orçamentais para reduzir ainda mais rápido o défice, por outro lado, à sua esquerda no parlamento, defende-se uma trajectória orçamental muito mais suave.