Jane e Robert, ao anoitecer
Jane Fonda e Robert Redford juntos, numa estreia directa no Netflix já esta sexta, 29, depois de uma sessão de gala no festival de Veneza.
Ainda não há muito tempo, um filme como Nós, ao Anoitecer teria tido honras de estreia em cinema e filas à porta das bilheteiras para ver o encontro – o quarto encontro no écrã – entre duas das figuras mais icónicas da Hollywood dos anos 1970: Jane Fonda e Robert Redford. É mau sinal dos tempos que Nós, ao Anoitecer, em vez disso, estreie directamente no Netflix (esta sexta, 29), depois de uma sessão de gala no festival de Veneza. E é duplamente pena porque o filme do indiano Ritesh Batra (revelado pelo êxito-surpresa A Lancheira) não é o “telefilme de luxo” com estrelas em fim de carreira que a designação ainda representa para muitos. Bem pelo contrário: esta história de amor tardio e sem pressas entre dois viúvos, vizinhos numa cidadezinha do Colorado, começa por ser apenas uma busca de conforto, amizade, companheirismo, com Batra a retrair-se e a deixar os actores fazerem tudo.
O espectador nunca esquece que Jane e Robert têm um passado juntos, e Nós, ao Anoitecer joga com essas memórias com imenso pudor mas também uma piscadela de olho cúmplice. Batra tem a elegância de não forçar nada e de deixar que tudo leve o seu tempo, de dar a Jane e Robert o tempo suficiente para que a relação entre Addie e Louis, as suas personagens, surja naturalmente, através dos olhares, das expressões, dos corpos, com a mesma emoção da juventude perdida. Aqui, o filme remete para o romantismo classicista de um Sydney Pollack no seu melhor (e Pollack dirigiu Redford e Fonda em O Cowboy Eléctrico); ali, os retratos observacionais, atentos mas doridos, de uma Kelly Reichardt (com o qual o filme, adaptado de um romance póstumo de Kent Zaraf, partilha o cenário do Midwest americano); mais acolá, os destinos normais que Alexander Payne filmou em Nebraska ou As Confissões de Schmidt.
Mas Nós, ao Anoitecer é filme de corpo inteiro, belissimamente fotografado em tons outonais por mestre Stephen Goldblatt, uma pequena miniatura de vidas normais pelas quais o tempo passou – pontuado pela melancolia de sabermos que este filme tem qualquer coisa de longo adeus a uma Hollywood em vias de desaparecimento. Talvez seja por isso que Nós, ao Anoitecer nos parece maior do que o pequeno ecrã em que vamos ter de o ver. Sem filas à porta.
Nós, ao Anoitecer (Our Souls at Night) estreia sexta-feira, 29, no serviço de streaming Netflix, que propõe igualmente dois outros filmes onde Jane Fonda e Robert Redford contracenaram: Descalços no Parque de Gene Saks (1967) e Perseguição Implacável de Arthur Penn (1966).
A rubrica Televisão encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO