Um terreno ao deus-dará
Os serviços do Ambiente da câmara pagaram repetidamente operações de limpeza nos terrenos registados pela Selminho. Os serviços de gestão do Património dispõem de toda a documentação que atesta a sua integração no domínio municipal. Mas, num exemplo esclarecedor da balbúrdia que reina sobre muito património público, houve uma empresa, a Selminho, que apresentou na Direcção de Urbanismo municipal um projecto de construção nesses terrenos e manteve durante nove anos processos judiciais sobre a alegada existência de direitos de construção nesses terrenos sem que ninguém questionasse a sua posse. Não fora o pedido de limpeza feito pelo condomínio de um prédio vizinho e a atenção dos serviços do património, que se viram confrontados “com a publicidade pela imprensa de fotografias e plantas do mesmo terreno, identificando-o como propriedade da empresa Selminho”, e esta acção talvez não existisse.
A empresa da família de Rui Moreira adquiriu o terreno a Maria Irene e a João Baptista Ferreira dois meses depois do registo em Montalegre, em Julho de 2001, e desde então avançou com pedidos de informação prévia para o município, tendo em vista a construção de 12 apartamentos. No labirinto dos serviços do urbanismo dos tempos da transição do mandato de Nuno Cardoso para Rui Rio, nada era óbvio e se num primeiro momento uma informação da autarquia concedia espaço à construção, logo foram aprovadas medidas preventivas que anulavam todas as autorizações anteriores que conflituassem com o novo Plano Director Municipal, em aprovação. Era o caso do projecto da Selminho, previsto para uma zona de escarpa sujeita a protecção.
O processo arrasta-se entretanto entre trocas de cartas e processos nos tribunais. Os serviços do urbanismo vão negando as pretensões da Selminho. Em 2012 o novo PDM volta a recusar construções na escarpa. A Selminho, que tinha suspendido o processo contra a câmara, avança para julgamento. A autarquia comete um erro fatal: não contesta a acção no prazo previsto. E fica numa posição de fragilidade. No final de 2013, já após a eleição de Rui Moreira, o juiz titular do processo marca uma audiência prévia do julgamento. Os serviços jurídicos consideram então que “durante o processo de alteração do PDM que ocorreu em 2012, o réu município declarou que a pretensão da autora (…) podia ser atendida nesse processo de revisão”. Ou seja, a câmara reconhecia um direito à Selminho.
O PÚBLICO revelaria em Junho a fragilidade desta posição. Os serviços limitaram-se a escrever que “só no âmbito de uma revisão do PDM, e tendo por base estudos específicos que forneçam dados capazes de determinar os diferentes graus de susceptibilidade destas áreas, é que se poderá reavaliar o estatuto de edificabilidade adoptado nas áreas de protecção de recursos naturais e em particular qual o estatuto de protecção a atribuir às escarpas”. Havia uma possibilidade, não uma promessa. Facto é que, em Agosto a câmara e a Selminho assinam uma transacção judicial na qual a câmara se compromete a acolher a pretensão da empresa em sede da próxima revisão do PDM, anunciada para 2018. Caso essa pretensão não seja satisfeita, a autarquia pagará uma indeminização fixada por um tribunal arbitral. Resta saber se com a nova acção sobre a posse dos terrenos todas estas negociações farão sentido.