Protesto de enfermeiros leva Costa a chamar ministro da Saúde
Presidente dos Sindicato dos Enfermeiros diz que os serviços mais afectados são blocos cirúrgicos e consultas. BE critica Governo. Costa dá sinal para negociar.
O Ministério da Saúde fez nesta segunda-feira saber que não iria comentar a paralisação dos enfermeiros. Os sindicatos acabaram o dia com um balanço: 85% de adesão, a nível nacional, com cirurgias canceladas e alguns serviços “a meio-gás”. O presidente da Associação de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, não tinha números para dar. Limitava-se a dizer: “Sei que existem cirurgias adiadas.” Mas recusava-se a falar em “greve” — “Não foi regularmente convocada, é um protesto.” Ainda assim, explicou, os serviços estão “a reagir como se fosse uma greve” para garantir os mínimos.
No Governo, o clima bastou para gerar uma reacção: António Costa levou esta segunda-feira o ministro da Saúde para a Residência Oficial de S. Bento, após um conselho de ministros extraordinário sobre obras públicas, concertando uma nova proposta para levar esta terça-feira aos sindicatos. É raro um executivo negociar em plena contestação, sublinha uma fonte do Governo ao PÚBLICO, sem poder confirmar até onde Adalberto Campos Fernandes está autorizado a ir.
Esta terça-feira, a comissão negociadora, que agrega sindicatos afectos à CGTP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e Sindicatos dos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira, a ala que ficou fora do protesto em curso), reúne-se com o ministério.
Primeiro de cinco dias de protesto
Esta segunda-feira foi o primeiro de cinco dias de um protesto marcado pelo Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem e pelo Sindicato dos Enfermeiros, afectos à UGT. E os enfermeiros começaram a fazer-se ouvir bem cedo. Uns envergando t-shirt preta, outros roupas pretas da cabeça aos pés, amontoaram-se às centenas em frente ao Centro Hospitalar de São João, no Porto. “Enfermeiros unidos jamais serão vencidos!”, gritavam. Ninguém gritava tão alto como Mário Sousa, que segurava um megafone.
Tinham saído de todo o Norte do país e desaguado naquele ponto estratégico pela manhã. O protesto decorria, ao mesmo tempo, em frente a outras unidades do Serviço Nacional de Saúde. “Queremos uma carreira! Queremos uma carreira! Queremos uma carreira!”, entoavam, em coro, entre o nevoeiro, junto ao São João onde, segundo o presidente dos Sindicato dos Enfermeiros (SE), José de Azevedo, a adesão chegou aos 100%. O centro hospitalar fez saber ao PÚBLICO que não iria fornecer números nem confirmar se cirurgias haviam sido canceladas. Essa informação entrega-a, “como é habitual”, apenas ao ministério.
“Eu gostava que a comunicação social desmistificasse os motivos pelos quais estamos em luta”, confessava Mário Sousa. “A luta não é de hoje nem de ontem. É por isso que se vê cartazes: basta, basta, basta. Nós, neste momento, não temos carreira!” Catarina Barbosa, com a filha de alguns meses ao colo, contava que tem nove anos de profissão e um salário-base de 1201,46 euros. Carina Ribeiro, a amiga que a acompanhava, tem 20 anos de profissão e o mesmo salário-base. Trabalham lado a lado no Centro Materno-Infantil do Norte. “Uma colega que tenha acabado de entrar agora ganha o mesmo.”
Antes, os enfermeiros eram todos bacharéis, isto é, tinham um curso de três anos. Em 1999, iniciou-se o processo de transição do grau de bacharelato para o de licenciatura. Muitos fizeram o “complemento de formação”, que durava um ano, com “a promessa” de que os seus salários subiriam até ficarem iguais aos de outros funcionários com aquele grau de ensino. Não aconteceu.
Carreira congelada em 2005
Em 2005, começou o congelamento das carreiras. Em 2009, deixou de haver enfermeiro graduado e enfermeiro especialista, passou a haver apenas a categoria de enfermeiro. E deixou de haver enfermeiro chefe e enfermeiro supervisor, passou a haver apenas a categoria de enfermeiro principal. Quase todos foram integrados no escalão 1 e 2 da tabela (1201,46 e 1252,97 euros de salário-base). De microfone na mão, Mário Sousa detalhava as reivindicações. Primeira: 35 horas de trabalho para todos. Segunda: aumentos salariais. Terceira: progressão na carreira. “Queremos que haja enfermeiro generalista, enfermeiro graduado, enfermeiro especialista, enfermeiro chefe.” Quarta: “Trabalho nocturno, feito a partir das 20h, aos sábados à tarde, domingos e feriados, pagas a 100% e não a 50%.”
Muito se falava da entrevista dada na sexta-feira pelo ministro à SIC, na qual considerou o protesto “ilegítimo, ilegal e imoral”. Numa circular a Administração Central do Sistema de Saúde lembrou que o protesto foi convocado de modo irregular, por não cumprir os dez dias úteis de antecedência, pelo que nos dias em que os enfermeiros se ausentem dos serviços arriscam falta injustificada. “Quando foi a greve dos médicos antecipámos consultas, adiámos outras. Aqui não conseguimos, a perturbação é maior”, explicou Alexandre Lourenço.
A coordenadora do BE, Catarina Martins, não deixou de comentar. Diz que o Governo tem “tardado nas respostas” aos enfermeiros e que o ministro da Saúde “tem sido desajustado nas suas declarações”. Em comunicado, o partido disse ainda que as medidas que os enfermeiros reivindicam são “inteiramente justas”. E questionou o Governo sobre o calendário da sua aplicação. “A ideia que fica é que há expectativas que vão sendo criadas àqueles com quem se está a negociar e que depois não vão sendo cumpridas”, afirmou por seu lado o presidente do PSD, Passos Coelho, citado pela Lusa.