Um Pastor que cheirava a ovelhas
A morte é a derradeira fronteira do saber, o grande mistério. Grato estou a D. António pelo muito que deu ao Porto, a Aveiro, a Lamego, às comunidades emigradas em França e a todos os locais por onde passou.
Escrevo ainda tomado pelo choque da notícia. D. António Francisco dos Santos partiu para a Casa do Pai. De repente, sem avisar. De mansinho, no Paço Episcopal, sem incomodar ninguém. Acode-me à lembrança o Senhor da Boa-Morte e a certeza de que se o Sr. D. António tivesse podido escolher, seria este o modo de partida.
Sê-lo-ia por uma questão de congruência com a sua forma de estar na vida e na Igreja. Sem alaridos, afastado dos focos mediáticos, recusando ser um bispo líder de qualquer tipo de bairrismo ou afirmação regional bacoca. A dureza das terras de Cinfães e o Douro que tanto amava nunca lho permitiriam ser diferente. E gostava de ser assim.
Cedo a vocação nele despertou e aquilo que mais me impressionou quando o conheci foi a candura do olhar, a bondade com que nos escutava e o tempo que nos dispensava. Conhecia a enorme mágoa que deixou na diocese de Aveiro, onde foi, sem dúvida, um dos bispos mais marcantes das últimas décadas. Disseram-mo várias pessoas, mas sobretudo o meu estimado Amigo Pe. João Gonçalves, que com ele privou de muito perto.
É exactamente a este último Amigo, Coordenador da Pastoral Penitenciária com a qual vou colaborando (menos do que desejava, mas tempus fugit…), que devo o aviso que me fez aquando da sua nomeação para a diocese portuense: “estão muito bem servidos. É um doce de um homem”. No pouco contacto que tive com D. António, pude presenciá-lo, mesmo aquando dos inícios sempre difíceis numa diocese como o Porto, plena de particularidades, algumas das quais muito o magoaram. Quando puxei pelo assunto, esboçou aquele sorriso que às vezes parecia maroto e garantiu-me que Deus proveria e que confiava na Sua infinita sabedoria.
Encontrei-o mais um par de vezes, também por via das minhas tarefas académicas, e recordo já com saudades, há cerca de dois meses, a conferência em que, representando a Igreja Católica, conversou com membros de outras religiões e confissões sobre o afastamento dos jovens da prática religiosa e espiritual. Sempre calmo, ponderado, sem qualquer pretensão de deter a verdade, ecuménico puro, tratando alguns dos intervenientes por “tu”, prova de relações antigas que jamais usava em benefício próprio.
De D. António pode dizer-se, com propriedade, que era um Pastor “que cheirava a ovelhas”, como o Papa Francisco vem pedindo a todos os prelados desde o início do seu pontificado. Onde o nosso bispo estava bem era junto das gentes, em todos os recantos da diocese, nunca se tendo esquecido que não era bispo do “Grande Porto”, mas de toda a circunscrição eclesiástica que lhe fora confiada.
Mas D. António era um homem imperfeito, como todos somos. Não lhe conheci os defeitos, mas sei que ele seria o primeiro a confessar-se o primevo dos pecadores, pois apenas esse é o caminho para a Salvação em que acreditava com toda a força do seu espírito.
Ficámos cedo demais sem o nosso bispo, depois do que também sucedeu com D. Armindo, e sei que D. António tinha muitos projectos para a sua diocese, que passavam pela juventude e pela luta contra a pobreza e a exclusão social. Deus chama os seus quando entende que o deve fazer e Ele é autoridade soberana. Diz-se que também quer ter boas pessoas junto Dele, porventura para lembrar o Criador da beleza que é um espírito que frutifica e se dá aos outros.
A morte é a derradeira fronteira do saber, o grande mistério. Grato estou a D. António pelo muito que deu ao Porto, a Aveiro, a Lamego, às comunidades emigradas em França e a todos os locais por onde passou.
Recordá-lo-ei sempre, caro Amigo, com aquele sorriso de bondade cativante e aquele abraço que nos aliviava das preocupações terrenas. Deus, por certo, cumulá-lo-á com as suas bênçãos e onde estiver permanecerá atento aos que mais sofrem e mais necessitam de que todos nós sejamos um pouco mais… humanos!
Até sempre, Sr. D. António e querido Amigo!