Alojamento local dispara no Porto e abranda em Lisboa
Até Julho, o número de imóveis no Porto cresceu 147%. Em Lisboa, subiu 28%, aquém do crescimento de 2016. A entrada em vigor da lei que obriga as plataformas online de alojamento local a apresentar o número da licença nos anúncios teve um impacto directo no aumento do número de registos.
Sandro Ribeiro vive entre o Porto e o Rio de Janeiro. Na cidade brasileira, é carpinteiro e, quando está por lá, arrenda a casa que tem no centro do Porto. Não recorre ao arrendamento tradicional porque a sua casa é “difícil” de arrendar aos locais. Diz que está “mal localizada” (longe do metro), mas os turistas não se importam. Os pais ajudam com a manutenção e paga a uma vizinha que garante a limpeza do espaço e o check-in dos hóspedes.
Antes de emigrar, Sandro chegou a arrendar só um quarto da casa onde vivia. Não pelo lucro, mas pela experiência, recorda. O proprietário defende que todo o processo de registo e documentação necessária para a manutenção da actividade é “bastante burocrático”. Por opção, nunca ultrapassa os dez mil euros de facturação para não ter mais encargos fiscais.
Nos últimos anos, cada vez mais pessoas adoptaram o alojamento local como uma forma de tornar as casas próprias ou arrendadas em fontes de rendimento. Dados disponíveis na plataforma do Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL), indicam que, entre Janeiro e Julho, foram registados 1623 novos alojamentos locais no concelho do Porto – um aumento de 147% face ao mesmo período de 2016. Por sua vez, Lisboa cresceu 28%, com 2585 novos registos (no ano passado, o crescimento tinha sido de 47%). No final de Julho, o Porto era o terceiro concelho do país com mais imóveis registados: eram 3928. O segundo lugar era ocupado por Albufeira, que tinha 4425. Lisboa tinha 9170. Os números referem-se apenas aos registos efectuados no RNAL e não aos anúncios em plataformas electrónicas de alojamento local, como o Airbnb e o Booking.
A lei que exige que estes sites apresentem o número da licença em cada anúncio foi apresentada em Abril deste ano e entrou em vigor em Julho. A decisão teve um impacto directo no aumento dos registos em ambas as cidades. A ALEP estima que a obrigatoriedade de legalização tenha significado um aumento de 20% nos registos efectuados no Porto e de 7% em Lisboa.
O Porto, no entanto, já apresentava sinais de crescimento antes do anúncio da medida. Entre Janeiro e Abril 2017 o número de registos tinha aumentado 51% em relação ao ano anterior. Em Lisboa, tinha descido 9%.
Para o presidente da ALEP, Eduardo Miranda, há duas razões que justificam o ritmo de crescimento do Porto. Por um lado, ainda há “um número elevado” de imóveis vagos na zona histórica. Por outro, a entrada mais recente da cidade no roteiro turístico internacional. “É uma resposta a uma necessidade real que existe”, conclui.
Foi em 2013 que Paula Barros, proprietária de um imóvel (que não é a sua casa própria) na zona da Boavista, no Porto, decidiu dedicar-se a esta actividade, depois de más experiências com o arrendamento tradicional. Entretanto, criou uma empresa que emprega três pessoas e já ajuda outros proprietários na gestão dos imóveis (no total são 30). Além disso, é professora e tradutora.
“É um rendimento muito interessante para quem tem uma casa que está desocupada, mas não dá para viver disto só com um apartamento”, alerta.
Para calcular que preço praticar, Paula segue vários passos. Primeiro, calcula o valor por noite em relação à renda tradicional que seria cobrada num arrendamento de longo prazo, depois acrescenta os custos que terá com água, luz, Internet e limpeza, mais um extra para manutenções futuras. A proprietária reconhece, contudo, que o aumento da oferta provocou a descida dos preços. Mas está confiante em que o mercado, que ainda está numa fase de “crescimento”, vai estabilizar.
Legalização total “dentro de meses”
Antes da entrada em vigor do decreto-lei, a ALEP fez uma estimativa para o número de imóveis ilegais que eram anunciados nas plataformas electrónicas. Na capital, seriam cerca de 20% do total e no Porto rondavam os 24%. Neste momento, a associação estima que o número de imóveis ilegais estará entre os 15% e os 18% nas duas cidades.
“Ao obrigar as plataformas a só aceitarem quem tenha número [de registo] e a exibi-lo, [a lei] acaba por forçar o mercado todo a estar legalizado. Fora das plataformas é muito difícil sobreviverem. Especialmente em Lisboa e no Porto”, defende o responsável da ALEP. Eduardo Miranda acredita que, em particular nestas duas cidades, o mercado estará todo legalizado “dentro de meses”.
É ao nível dos quartos, que não têm uma categoria própria dentro dos dados disponibilizados pelo Registo Nacional de Alojamento Local, que “ainda se tem de trabalhar muito a questão da legalização”, nota Eduardo Miranda. “Para essas operações muito pequenas a carga burocrática e fiscal é demasiado grande.”
Em Lisboa, a escassez de imóveis na zona centro e o aumento dos preços provocaram um abrandamento do crescimento. “É normal que o mercado se comece a auto-regular. Tanto a oferta como a procura”, diz Eduardo Miranda. Antes do aumento de registos dos últimos meses, o mercado de Lisboa “já estava a ficar maduro”.
Quem quer entrar neste negócio e ainda não tem um imóvel, tem duas opções: ou compra, ou arrenda para subarrendar. Foi o que fez Margarida Antunes, enfermeira, que começou a arrendar dois dos quartos da sua casa em Alvalade há três anos, quando os filhos saíram. Entretanto, arrendou um prédio inteiro na Bica, uma zona turística no centro da cidade, a uma proprietária idosa com o compromisso de o reabilitar. “Fizemos obras que ela nunca faria”, por isso, a renda é mais barata e compensa subarrendar para alojamento local.
Contudo, Eduardo Miranda avisa que, neste momento, quem quiser arrendar imóveis em Lisboa para depois os disponibilizar no mercado de alojamento local deve “ter muito cuidado”. O responsável detalha que “ou é um acordo muito especial com o proprietário ou, numa situação de subarrendamento normal, é quase seguro que é um negócio que vai dar prejuízo”.
Limitar o alojamento local
Os candidatos à presidência da Câmara de Lisboa têm manifestado as suas posições sobre como lidar com o alojamento local na cidade. Fernando Medina, candidato socialista e actual presidente, apresenta como uma das propostas da sua campanha a fixação de quotas máximas para o alojamento local nos bairros históricos. O responsável, citado pelo PÚBLICO aquando da apresentação da sua candidatura, disse que “não podemos ter zonas monofuncionais” e frisou que que quer lutar pelo “maior equilíbrio entre habitação e alojamento local” nas zonas mais turísticas.
A candidatura da CDU, encabeçada por João Ferreira, também propõe "monitorizar a oferta de alojamento local e aplicar medidas de gestão e de controlo".
Por sua vez, Assunção Cristas, candidata do CDS à Câmara de Lisboa, propõe a criação, não de uma taxa máxima para o alojamento local, mas de uma quota miníma para a habitação em zonas mais turísticas.
Esta segunda-feira, o PÚBLICO vai lançar o Cidades, um novo site de jornalismo local. Para conhecer melhor o país, concelho a concelho.