A Casa Branca quer rasgar o acordo com o Irão. Mas como?
Embaixadora dos EUA na ONU pressiona para inspecções que Teerão recusa.
Não é segredo que Donald Trump não gosta do acordo sobre o programa nuclear iraniano que herdou do seu predecessor, Barack Obama. Mas se é claro que Trump quer livrar-se dele, muito menos claro é se irá arriscar fazê-lo sem uma prova concreta de incumprimento de Teerão.
A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o organismo com sede em Viena que supervisiona o cumprimento do acordo, publica esta semana a sua avaliação, e espera-se que declare que o Irão está – eventualmente com uma ou outra falha menor – a cumprir o acordado em 2015.
E aqui, diz o New York Times, “é que começam os problemas para a Administração Trump”.
Porque em Outubro Trump terá de fazer a sua revisão trimestral do acordo, e o Presidente americano não quer declarar de novo que o Irão está a cumprir – Trump já disse ao Wall Street Journal que só assinou a última reavaliação porque foi convencido pelo secretário de Estado Rex Tillerson.
A embaixadora americana Nikki Haley visitou a agência antes da avaliação, elogiando o trabalho dos peritos mas deixando uma ressalva: “o acesso a instalações no Irão seria crucial para o cumprimento" do mandato da agência.
O Irão já negou qualquer inspecção, "especialmente a locais militares”. O país tem argumentado que estas inspecções põem em risco informação classificada.
O acordo prevê que estas visitas se façam apenas no caso de haver informação concreta sobre um potencial incumprimento – o que críticos do acordo apontam como uma falha fundamental.
Há quem veja esta pressão como uma das várias maneiras usadas pela Administração para “testar os limites do acordo”, diz Robert Malley, um dos negociadores do acordo, ao diário britânico The Guardian.
A Administração Trump, diz Malley, desconfia da informação que tem recebido dos serviços de informação, considerando que é demasiado simpática para com a República Islâmica.
Isso explicaria a pressão de que se fala sobre alguns elementos dos serviços de espionagem para que encontrem algum incumprimento do Irão. O Guardian cita antigos responsáveis da CIA que comparam a situação com a do Iraque, em que os EUA apresentaram informação sobre armas de destruição maciça do regime que afinal não existiam. Há, no entanto, uma diferença fundamental: na altura houve divisões nos serviços secretos sobre as provas das armas de Saddam Hussein, e hoje os analistas não têm qualquer indicação de actividades proibidas do Irão.
Entretanto, o antigo embaixador dos EUA na ONU John Bolton juntou-se ao debate. Bolton decidiu publicar um artigo de opinião com a sua sugestão para Trump sobre como poderiam os EUA sair do acordo (sublinhando a importância de explicar a decisão aos aliados e justificando-a com a promoção de “terrorismo” do Irão e a sua intervenção na Síria, onde apoia o regime de Bashar al-Assad). Bolton, que chegou a ser considerado para subsecretário de Estado, diz ter feito o plano a pedido do antigo conselheiro de segurança Steve Bannon. Mas após “mudanças na Casa Branca”, diz no artigo, deixou de ter oportunidade para apresentar a sua proposta a Trump, pelo que decidiu publicá-la.
A intenção americana em relação ao Irão está a ser vista com preocupação na Europa. Segundo o New York Times, diplomatas europeus têm feito chegar a Washington mensagens de que apoiam o acordo – assinado pelo Irão, EUA, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia – e avisos de que os EUA ficarão sozinhos se desistirem dele.
O antigo subdirector da CIA David Cohen sublinha que sair do acordo não seria boa para os EUA. “De um ponto de vista prático, não se vai ter o resto da comunidade internacional, não se vai ter os aliados na Europa, não se vai mesmo ter os russos e os chineses a ajudar a fazer pressão real sobre os iranianos”, disse ao Guardian. “O que se terá é uma cisão entre os Estados Unidos e o resto do mundo.”
Ao New York Times, o senador democrata Richard Durbin, defensor do acordo, argumenta que anulá-lo sem um forte motivo concreto tem implicações vastas, pondo em causa “a credibilidade dos EUA não só em relação ao Irão mas também à Coreia do Norte” – que assim não teria qualquer incentivo para negociar com os Estados Unidos.