A pior enchente do Harvey ainda está para vir

As chuvas torrenciais que se abateram sobre a área metropolitana de Houston por causa da tempestade tropical só deverão parar na quinta-feira. Doze mil soldados da Guarda Nacional foram mobilizados para operações de resgate.

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Nos arredores de Houston Adrees Latif/REUTERS

O pesadelo não tem, para já, fim à vista. As chuvas torrenciais provocadas pelo furacão Harvey, agora uma tempestade tropical, responsáveis pelas cheias catastróficas em Houston, a quarta maior cidade dos Estados Unidos, e outras localidades do estado do Texas até à fronteira com a vizinha Luisiana, vão continuar a cair pelo menos até meio da semana. Para milhões de pessoas, os próximos dias ainda serão de angústia e perigo: isoladas pela água, sem electricidade nem abastecimento, expostas à fúria dos elementos – chuva, vento e calor.

Ao mesmo tempo que o pessoal de emergência se multiplica em acções de resgate, as autoridades de vários condados esforçam-se por gerir o caudal das cheias que inundaram milhares de hectares. As estimativas eram de que o Harvey tenha “despejado” cerca de 42 biliões de litros de água sobre 30 a 50 condados – uma pressão insuportável para os rios e reservatórios de água. Em várias zonas, caíram quase 130 centímetros de chuva (em 48 horas, choveu o mesmo que num ano inteiro).

Como o Harvey está preso entre dois sistemas de alta pressão, que o empurram em direcções opostas, está a avançar lentamente: o arco da tempestade tropical de Oeste para Leste sobre a área metropolitana de Houston (6,8 milhões de habitantes) só deverá completar-se na quarta ou quinta-feira. O resultado é que as chuvas torrenciais não dão tréguas, pelo que a enchente deve aumentar gradualmente até quinta-feira, que é quando se espera o maior volume de cheia.

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Há dezenas de estradas intransitáveis; aeroportos encerrados e hospitais evacuados. As escolas e o comércio vão manter as portas fechadas nos próximos dias, tal como os correios e os tribunais. As previsões são de semanas e possivelmente até meses antes que se possa restabelecer totalmente a normalidade. E as reparações de todos os estragos do Harvey podem demorar anos, alertam os especialistas.

O governador do Texas, Greg Abbott, mobilizou todos os efectivos da Guarda Nacional do estado, triplicando de 4000 para 12 mil o número de soldados envolvidos nas operações de busca e salvamento em curso. O ponto da situação feito esta segunda-feira pelo mayor de Houston, Sylvester Turner, apontava para mais de 75 mil pedidos de socorro de sábado até ao início da manhã de segunda.

Milhares de pessoas estavam já a salvo em centros de emergência. Na noite de domingo, 1500 pessoas juntaram-se às mil que já estavam no centro de convenções George Brown, no centro de Houston. E na segunda-feira, continuaram a chegar: já eram 3200 ao início da tarde. A estimativa do director da agência federal de protecção civil (Federal Emergency Management Agency, ou FEMA, na sigla em inglês), Brock Long, era de que pelo menos 30 mil pessoas pudessem precisar de ser levadas para abrigos e centros de acolhimento.

O número oficial de vítimas permanece em oito, embora as autoridades prevejam um aumento do número de mortes.

Trump vai ao Texas, mas não a Houston

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, visita o Texas esta terça-feira. A Casa Branca explicou que o Presidente não vai a Houston para não interferir com as operações em curso. Poderá aterrar 350 km mais a Sul, em Corpus Christi, o local de impacto do furacão Harvey, e onde existem várias instalações militares e da indústria petroquímica, a partir de onde vai supervisionar as acções das agências federais envolvidas na resposta à catástrofe.

Na gestão política da crise, a preocupação da Casa Branca tem sido evitar comparações com o desinteresse manifestado por George W. Bush em 2005, quando o Katrina devastou a cidade de Nova Orleães – a sua primeira declaração sobre o Harvey, a desejar “boa sorte” às populações que seriam afectadas, quase tornou esse esforço inglório.

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Pessoas salvas a serem transportadas para um abrigo Nick Oxford/REUTERS

Mas durante o fim-de-semana, Trump, sempre activo no Twitter, publicou várias mensagens sobre os acontecimentos em Houston, e o seu gabinete divulgou fotografias das reuniões do Presidente com o gabinete de crise, a seguir a evolução da situação no terreno. “Grande coordenação entre agências”; “Estamos atentos às cheias e a salvar vidas”, “Não poupamos esforços e está tudo a correr bem”, garantia o Twitter de Trump.

Nas actuais circunstâncias, o desafio para a Administração Trump passa pela defesa das suas propostas de cortes radicais no orçamento das agências federais que gerem os esforços de emergência e que estudam os fenómenos de meteorologia e alterações climáticas.

As diferenças do Katrina

As muitas famílias de Nova Orleães que se radicaram em Houston como “refugiados” do furacão Katrina, terão passado por um desagradável dejá vu nos últimos dias. Em 2005, quando a catástrofe se abateu sobre a maior cidade do estado do Luisiana, mais de 30 mil pessoas pessoas encontraram refúgio, em condições próximas da total insalubridade, no Superdome e no centro de convenções de Nova Orleães; assim que a chuva cedeu, filas de autocarros partiram com destino a Houston, e passados estes anos, é por lá que permanecem muitas famílias que matricularam os seus filhos na escola e encontraram trabalho.

Porém, o drama que se está a viver em Houston tem pouco a ver com a situação de Nova Orleães. Desde logo, porque a geografia das duas cidades é muito diferente. Quando entrou em terra, o Katrina “embateu” em cheio contra o sistema de barragens e diques que rodeia Nova Orleães, uma cidade erguida abaixo do nível do mar – a devastação maior aconteceu com o colapso dessas barreiras, que provocou a inundação, sobretudo dos bairros mais pobres da cidade, que foram submersos por uma “maré” de oito metros de altura (cerca de 40% das 1800 mortes do Katrina foram afogamentos).

Há, no entanto, uma polémica que, tal como em 2005, está a dividir as opiniões: o facto de não ter sido dada ordem de evacuação obrigatória da região metropolitana de Houston, quando já se sabia que estaria na rota da tempestade. A decisão não foi tomada, explicaram as autoridades municipais, por se considerar que os riscos para a segurança da população seriam muito superiores se fossem apanhados pelo Harvey durante deslocações. “Se as pessoas saíssem para a rua estariam a colocar-se em maior perigo do que se tomassem medidas para se abrigar em segurança em casa”, justificou o mayor de Houston.

A experiência caótica de 2005, logo após o Katrina, poderá ter pesado na decisão. Três semanas depois, perante a aproximação do furacão Rita, foi dada ordem de evacuação obrigatória de Houston. No êxodo de cerca de dois milhões de habitantes, mais de cem pessoas morreram em acidentes, por efeito do calor e em episódios de violência. E no regresso, houve grande contestação, quando se verificou que as áreas evacuadas não tinham sofrido a devastação projectada. “Não foi uma boa opção, tivemos pessoas a sofrer com doenças, tivemos confrontos… Muitas pessoas perderam a vida a tentar fugir para outro lado”, lembrou o congressista democrata do Texas, Al Green.

Refinerias paradas

A cidade de Houston é o centro nevrálgico da indústria petrolífera norte-americana, que sentiu imediatamente os efeitos do furacão/tempestade tropical – todos os portos ao longo da costa do Texas foram encerrados, bem como a produção de dezenas de poços de petróleo e gás natural e várias refinarias. A Exxon encerrou a refinaria de Baytown, de onde saem mais de 560 mil barris por dia, e a Royal Dutch Shell suspendeu as operações na sua unidade de Deer Park, que produz 325 mil barris por dia.

Segundo a Reuters, as unidades distribuídas ao longo da orla costeira do Texas respondem por 25% da capacidade de refinação de crude dos EUA. “Todas essas refinarias sentiram o impacto do Harvey desde quinta-feira”, notava a agência, ressalvando, porém, que nem em todos os casos foi preciso parar a laboração. Por exemplo, a maior refinaria do país, gerida pela Motiva em Port Arthur, e responsável por 600 mil barris por dia, manteve-se em funcionamento. Ainda assim, calcula-se que um quarto da extracção de crude do golfo do México, e 13% da capacidade de refinação, tenham sido eliminadas pelo desastre.

Também no caso da indústria pesada, o impacto só poderá ser avaliado. Para já, a operação do Colonial Pipeline, o canal de maior movimento de gasolina, diesel e outros produtos refinados do país, não foi afectada. Mas os analistas estão pessimistas: os receios são de que a paragem da produção na maior parte das unidades possa prolongar-se por mais de um mês, se os sistemas de drenagem ficarem submersos. “Simplesmente não sabemos que tipo de danos esta chuva toda pode provocar na infraestrutura energética de Houston”, admitiu à Reuters Andrew Lipow, que dirige a consultora Lipow Oil Associates.

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