Prazo dado pela ONU ao Vaticano para se pronunciar sobre filhos de padres termina esta semana
Em 2014, o Comité dos Direitos das Crianças da ONU recomendou que o Vaticano identificasse crianças filhas de padres e tratasse de assegurar o seu direito a apoio financeiro e à identidade.
Há três anos, na sequência dos escândalos em torno dos abusos sexuais de menores infligidos por membros da Igreja, o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas recomendou ao Vaticano que, num prazo de três anos, fizesse um levantamento do número de crianças nascidas de membros da Igreja, as localizasse e se assegurasse que estas veriam respeitado o direito a conhecer o seu pai e a receber, deste ou da Igreja, apoio financeiro.
Preocupado com a situação das mulheres, nomeadamente das que teriam sido coagidas a manter um acordo de confidencialidade tendo como contrapartida a garantia de pagamentos regulares da Igreja Católica até à chegada da criança à idade adulta, aquele comité recomendou igualmente à Santa Sé que se assegurasse de que a nenhuma outra mulher fosse imposto tal silêncio.
O observador permanente da Santa Sé nas instituições das Nações Unidas, em Genebra, Ivan Jurkovic, terá garantido [ver entrevista] que o Vaticano está a preparar um relatório sobre esta problemática que belisca desde há anos a cúpula da Igreja. Em 2012, o bispo auxiliar de Los Angeles, Gabino Zavala, assumiu-se como pai de duas crianças e abandonou funções. Numa nota emitida então, o arcebispo de Los Angeles confirmou que a arquidiocese tinha contactado a mãe e providenciado apoio material e financeiro para ajudar nas despesas com a educação das crianças.
Bispos que deixaram a Igreja
Em 2009, o antigo presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que antes disso era bispo da Igreja Católica, assumiu publicamente a paternidade de uma criança nascida de uma relação que mantivera enquanto bispo. E um antigo bispo de Galway, na Irlanda, Eamonn Casey, protagonizara anos antes um escândalo que abalou a Igreja naquele país depois de se ter descoberto que mantivera uma relação amorosa com uma norte-americana da qual nasceu uma criança que o bispo apoiou financeiramente e em segredo.
O problema das crianças nascidas de relações clandestinas envolvendo membros da Igreja Católica é “sistémico”, conforme adjectivou o jornal Boston Globe, que andou meses pelos Estados Unidos, Canadá, Irlanda, Inglaterra e Espanha a reconstituir as histórias de dezenas de pessoas que cresceram sem saberem quem era o pai e sem direito ao suporte emocional, financeiro ou legal a que tinham direito. Muitos, tendo descoberto a origem já adultos, sofreram traumas psicológicos e alguns, tendo sido obrigados a manter segredo, evidenciam sintomas depressivos e comportamentos auto-lesivos. Formam, segundo o jornalista Michael Rezendes, “uma legião invisível de sigilo e negligência”. O luso-descendente não aponta números, mas cita o sociólogo Paul Sullins que admite que estas crianças ultrapassem em número as vítimas de abusos sexuais que só nos Estados Unidos foram estimadas em 18.500.