Inspectores alertam para perigos de facilitar instalações eléctricas

Governo quer simplificar o regime de certificações. Mas estatísticas de segurança preocupam: em 2015, os 74 incêndios com origem nas instalações eléctricas provocaram dez mortes.

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Nelson Garrido

As alterações introduzida pelo Governo no Regime das Instalações Eléctricas Particulares, que foi publicado em Diário da República no passado dia 10 de Agosto, provocaram um clima de preocupação generalizada entre as entidades que até agora eram responsáveis pela fiscalização às instalações eléctricas. Ao eliminar a obrigatoriedade de certificação de todas as instalações, e estabelecendo que os termos de responsabilidade assinados pelos autores dos projectos são “título bastante para a entrada em exploração e para efeitos dos procedimentos municipais relativos à realização de obras ou utilização de edifícios”, há uma automática diminuição de custos – pelo menos os cerca de 50 euros que custava a emissão do certificado. Porém, alerta o director-geral do Instituto Electrotécnico Português (IEP), uma das entidades que faz fiscalizações às instalações eléctricas, esta alteração “vem essencialmente introduzir sérios riscos na vida de todos aqueles que no futuro irão utilizar instalações eléctricas executadas sem qualquer supervisão”.

Numa carta que endereçou aos grupos parlamentares, e que assinou em conjunto com os responsáveis do Instituto Soldadura e Qualidade (ISQ) e do Laboratório Industrial da Qualidade (LIQ), Jorge Serra alerta para “o previsível retrocesso qualitativo de todo um percurso de 18 anos, em que se demonstrou inequivocamente o forte incremento da qualidade e fiabilidade das instalações eléctricas, com o consequente aumento da segurança de pessoas e bens”. “Não é desejável que os cidadãos estejam expostos a acidentes provocados por falta de segurança resultante da deficiente execução das instalações ou da aplicação de materiais de qualidade duvidosa ou inapropriados para o fim em causa”, escrevem os responsáveis de todas estas entidades a quem, até agora, a Certiel – Associação Certificadora de Instalações Eléctricas contratava a fiscalização das instalações eléctricas.

Esta certificação era obrigatória e custava ao particular cerca de 50 euros - uma receita da Certiel, que encomendava a fiscalização a outras entidades do sector, como o Instituto Electrotécnico Português, o Instituto da Soldadura e Qualidade ou o Laboratório Industrial da Qualidade.

O facto de a Certiel contratar a fiscalização destas instalações por amostragem é um dos argumentos esgrimidos pelo Governo para a necessidade de alterar a lei. Assim, todos os projectos têm de pagar para ter uma certificação mas na realidade apenas entre 30% a 40% é que são de facto analisados e fiscalizados. Fernando Mendes, membro da direcção da Certiel, explicou ao PÚBLICO que tal assim foi acordado há mais de uma década e que a amostra é realizada com critério. “Num edifício de apartamentos todos iguais, não fiscalizamos todos os projectos. Mas fiscalizamos, imagine, a sala de um, a cozinha de outro, o quarto de banho de outro. E também temos um sistema que identifica os técnicos que tem tido reprovações. Andamos sempre em cima desses”, explicou.

O orçamento da Certiel, confirmou o PÚBLICO junto da associação, ronda os dois milhões de euros num ano. “Uma certificação devia custar muito mais do que 50 euros. Por esse preço não poderíamos fazer todas as inspecções. Mas o nosso orçamento serve também para concretizarmos os nossos planos de formação contínua, que são fundamentais. Tenho pena de dizer isto, enquanto engenheiro electrotécnico, mas a taxa de reprovação dos projectos ainda é demasiado elevada”, afirmou Fernando Mendes, membro da direcção da Certiel.

É precisamente essa estatística mais negra que os responsáveis do LIQ, IEP e ISQ querem levar aos grupos parlamentares. “Nos últimos 10 anos foram chumbadas, em média, 2430 habitações por ano, pelas diversas entidades inspectoras, por estas apresentarem defeitos graves nas suas infra-estruturas eléctricas, potencialmente causadores de eletrocussões mortais ou de incêndios graves”, diz Jorge Serra. Por exemplo? A ausência de condutor de terra ou ligações mal feitas em banheiras de hidromassagens, que potenciam risco de choque eléctrico, ou a utilização de condutores com secções inferiores aos valores regulamentares e circuitos sem protecção contra sobreintensidades, ambos potenciadores do risco de incêndio.

“Mais de 60% dos incêndios de origem comprovadamente eléctrica ocorrem nas instalações habitacionais que ficam agora isentas de inspecção, sendo que só em 2015 os 74 incêndios com origem nas instalações eléctricas provocaram 47 feridos, 14 graves, e 10 mortes. São números que nos devem preocupar”, afirmou Jorge Serra.

De acordo com o decreto-lei, o primeiro argumento usado pelo Governo para efectuar estas alterações legislativas foi reduzir o tempo e o custo de investimento que era exigido cada vez que se fazia uma instalação eléctrica, “eliminando as situações de burocracia injustificada e geradora de consumos de tempo e dinheiro que prejudicam o investimento e os cidadãos”. É por isso que a medida está inserida no relançamento do programa Simplex e vai entrar em vigor no próximo dia 1 de Janeiro – o Governo de António Costa decidiu que todas as medidas que imponham alterações ao dia a dia dos cidadãos e das empresas só devem entrar em vigor no dia 1 de Julho ou no dia 1 de Janeiro.

De acordo com a nova lei, é a Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) quem verá as suas competência de segurança reforçadas, uma vez que lhe competirá promover auditorias e verificações técnicas, através dos respectivos serviços ou de entidades exteriores independentes. De acordo com um despacho do secretário de Estado da Energia, publicado nesta terça-feira, a DGEG deverá aproveitar este período de vacatio legis para, até dia 1 de Janeiro, “promover os actos necessários para a aquisição de serviços de auditoria e verificação técnica”, isto é, lançar um “procedimento concorrencial transparente e aberto” que seja celebrado num prazo que garanta o início da prestação de serviços a partir do dia em que entrar em vigor o novo regime.   

Notícia corrigida às 12h15 do dia 23 de Agosto: Fernando Mendes não é o presidente da Certiel, mas sim membro da direcção da associação. Pelo lapso pedimos desculpa aos leitores e aos visados

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