"Angola vai sair da crise «quando quiser»"

João Traça, o novo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, afirma que "se existir confiança por parte dos investidores internacionais", a recuperação deste país africano "terá um ritmo ainda mais acelerado".

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João Traça é o novo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola Mário Lopes Pereira

Para João Traça, advogado da Miranda Law e recentemente escolhido para presidir à Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, este país enfrenta "importantes desafios devido ao baixo preço do petróleo", e que a rapidez das mudanças vai depender "do contexto político nacional e do contexto económico internacional". Em respostas por escrito, este responsável afirma que a situação dos pagamentos ao exterior tem melhorado,mas que as empresas portuguesas ainda se confrontam com dificuldades.

Esteve há pucos dias dias em Luanda, no âmbito da Feira Internacional de Angola, a Filda. Sentiu um ambiente diferente face a outras ocasiões, por se estar em véspera das eleições que marcam o fim do ciclo presidencial de José Eduardo dos Santos, e após a interrupção de um ano deste evento por causa da crise?

Em termos de FILDA propriamente dita, claramente que o ambiente estava diferente do dos outros anos, mas a diferença resulta sobretudo de se tratar de uma “nova FILDA”, assente num novo conceito. A FILDA nunca foi um certame exclusivamente para profissionais nem exclusivamente para consumidores; antes foi, sempre, um momento em que diferentes agentes económicos se encontravam e “misturavam”, o que conferiu a este certame um carácter muito próprio e que tinha uma grande visibilidade local, motivo pelo qual todas as partes (incluindo nomeadamente empresas Portuguesas) o aproveitavam o máximo. Agora, a FILDA localiza-se na Marginal de Luanda e ao ar livre, o que lhe abre novas potencialidades e oportunidades, para expositores e visitantes, para empresários e para consumidores, e este ambiente seria sempre diferente, independentemente das eleições. Penso que o ambiente que se vive em Angola, e que por acaso é eleitoral, se pode resumir em duas palavras: mudança e continuidade. Em termos de mudança, é unanime, entre as comunidades empresarial e política, que Angola enfrenta importantes desafios devido ao baixo preço do petróleo e que uma parte substancial da solução passa por diversificar a economia, sectorial (nomeadamente o aumento da produção agrícola) e geograficamente (investir noutras províncias para além do “triângulo virtuoso” Luanda-Benguela-Huíla). Ao mesmo tempo, e de um ponto de vista politico/administrativo, há a tomada de consciência da necessidade de uma administração pública mais eficiente e que contribua para o desenvolvimento económico. A rapidez com que se vão (continuar) a processar estas mudanças depende muito do contexto político nacional e do contexto económico internacional, a cada momento. Se, como tudo parece indicar, o partido no poder voltar a conquistar o apoio da maioria da população e sair vencedor das eleições, penso que a continuidade política daí resultante assegurará uma certa estabilidade, fundamental para os investidores mais depressa tomarem decisões de investimento num cenário pós-eleitoral.

Qual o ponto de situação dos problemas com pagamentos a empresas e trabalhadores portugueses, por causa da falta de verbas e de divisas?

Com base nas informações disponíveis, nos últimos meses a situação dos pagamentos ao exterior tem melhorado e permitido que mais empresas portuguesas possam exportar para Angola (com o aumento das cartas de crédito, por exemplo) e mais trabalhadores possam receber os seus salários no exterior. Isto é, a situação tem estado melhor, mas ainda está longe do óptimo pois os pagamentos pendentes de regularização, por parte do Banco Nacional de Angola, a muitas empresas portuguesas continuam a acarretar, para estas, problemas de tesouraria que dificultam as suas operações no mercado angolano. Por outro lado, não tem sido possível a muitas das empresas portuguesas repatriar dividendos por falta de divisas por parte do BNA.

Sempre avançou a ideia do governo português de criar uma linha de crédito para ajudar a regularizar o pagamento de salários de trabalhadores expatriados em Angola?

Tanto quando é do nosso conhecimento esta linha para regularizar os salários de trabalhadores expatriados não foi criada.

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"Não tem sido possível a muitas das empresas portuguesas repatriar dividendos por falta de divisas por parte do BNA" Enric Vives-rubio

Até que ponto a desvalorização do kwanza também tem sido prejudicial para as empresas portuguesas? 

Há três situações diferentes a ter em conta nesta matéria: a primeira, é que o Banco Nacional de Angola não desvaloriza o Kwanza desde Abril de 2016, precisamente para evitar situações de especulação nos pagamentos ao exterior. Por isso, o contravalor em kwanzas de uma factura, por exemplo, de Julho de 2016 liquidada apenas em Julho de 2017, é o mesmo do da data de emissão. O que nos leva à segunda questão: não havendo colocação de divisas pelo banco central no mercado, muitas empresas e particulares vêem-se na contingência de recorrer ao mercado “paralelo”, onde reina a regra da oferta e da procura: muitos a procurarem, poucos a oferecerem… o câmbio dispara e atinge cerca de 3 vezes o valor oficial! E aqui, sim, a desvalorização tem um grande impacto sobre os preços, porque o câmbio oficial não acompanhou a evolução do mercado. Finalmente, a terceira questão: para tentar conter a subida extemporânea do valor do Kwanza, o BNA tem estado a retirar moeda física de circulação e a incentivar a utilização de meios electrónicos de pagamento, o que significa que não há dólares para comprar… mas também não há Kwanzas para comprá-los e, logo, o valor do dólar baixa. Aliás, o próprio FMI já felicitou diversas vezes o BNA por esta medida de contenção da desvalorização da moeda nacional.

Dito isto, é fundamental dizer que a desvalorização tem efeito na contabilidade das empresas portuguesas, devido a, por força das regras contabilísticas, a desvalorização do Kwanza ter que ser reflectida nas contas na casa-mãe (Sede) em Portugal, o que leva ao aumento das imparidades (dos custos, no fundo) e à redução dos lucros. Mas a desvalorização também tem um lado positivo: as empresas portuguesas que comprem produtos “Made in Angola”, compram-nos a mais baixo preço, porque o Kwanza está desvalorizado face às divisas. E as empresas portuguesas que melhor conseguirem reconhecer e tirar partido do potencial exportador de Angola, vão beneficiar grandemente desta desvalorização.

Com o preço do petróleo a continuar a rondar os 40 e 50 dólares por barril, e após ter recuado no pedido de apoio ao FMI, Angola vai demorar ainda algum tempo para sair da actual crise?

Eu gosto sempre de dizer que Angola vai sair da crise “quando quiser”. Ou seja, o potencial do país é de tal modo grande que, com boas opções, estímulos certos e muito trabalho, rapidamente as boas notícias vão voltar a aparecer. Se existir confiança por parte dos investidores internacionais, a recuperação terá um ritmo ainda mais acelerado.

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"Agora, mais do que nunca, Angola assumiu como grande objectivo estratégico a diversificação da sua económica com a redução das importações" Manuel Roberto

Verifica-se uma recuperação das  exportações de bens de Portugal para Angola, mas ainda longe dos níveis de outros anos.. acredita que esta tendência vai continuar? Até quando?

Não só acredito que esta tendência vai continuar, como desejo que a mesma aconteça. Portugal é um fornecedor “natural” de Angola. As relações económicas e empresariais entre os dois países são de tal modo fortes que é quase inevitável que isso aconteça. Os consumidores angolanos gostam dos nossos produtos, os empresários angolanos apreciam a robustez e fiabilidade dos equipamentos produzidos por nós,  e as entidades angolanas apreciam a qualidade os nossos recursos humanos. Tudo isto acontece com um pano de fundo que tem como pilares a língua, a cultura e as relações pessoais. Obviamente que a evolução das exportações estará dependente, por um lado, da capacidade de Angola conseguir aumentar a sua produção interna e deste modo reduzir as suas necessidades de importação e, por outro, da capacidade das empresas portuguesas em terem mais e melhores produtos por forma a competirem com outros países que também estão a exportar para Angola.

O candidato presidencial do MPLA, João Lourenço, tem vincado a necessidade de atacar a corrupção e de aumentar a transparência, de modo a atrair investimento estrangeiro. Como vê essas declarações?

Menos corrupção e maior transparência são sempre favoráveis para atrair investimento estrangeiro, em Portugal, em Angola ou em qualquer outra parte do mundo. Os investidores, nomeadamente aqueles que estão cotados em bolsas, gostam de transparência pois facilita a tomada de decisão e a respectiva justificação aos accionistas e aos mercados. Existe um outro elemento essencial que ajuda a atrair investidores internacionais: um rápido, coerente e eficiente sistema de justiça. Com sentenças de primeira instância a demorarem vários anos é difícil atrair investidores e nesta matéria, tanto Angola como Portugal estão longe de serem um exemplo a seguir internacionalmente.

Sente que as empresas portuguesas estão em condições de investir em Angola? Em que sectores?

As empresas portuguesas estão aptas e possuem todas as condições e requisitos para investir no tecido económico angolano. Agora mais do que nunca, Angola assumiu como grande objectivo estratégico a diversificação da sua economia com a redução das importações e aumento das exportações em sectores não petrolíferos. Ora, o sector petrolífero era exactamente um daqueles em que mais dificilmente as empresas nacionais podiam acrescentar valor. Muitas das áreas que diminuirão a dependência de Angola das receitas de exportação e fiscais derivadas do petróleo são áreas onde Portugal tem vindo a desenvolver técnicas e métodos de ganhos de produtividade, que está disponível a partilhar com Angola: a indústria transformadora, o sector agro-alimentar, a pecuária, as infra-estruturas, a metalurgia e a metalomecânica e as rochas ornamentais são bons exemplos de sectores onde é possível e desejável reforçar as parcerias bilaterais existentes e incentivar a criação de novos laços.

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"Muitas das obras atribuídas, ao abrigo da Linha de Crédito da China, a empresas chinesas são, depois subcontratadas a empresas portuguesas, por si só ou em parceria com empresas angolanas" Reuters/Wang Zhao

A China é cada vez mais o adversário económico de Portugal neste país, tendência que irá acentuar-se no futuro?

Não se trata de sermos adversários da China em Angola, até porque se tentarmos “chocar de frente” com a China, iremos perder em quase todas as “frentes” e a da internacionalização empresarial não é excepção. A China tem uma escala incomparável à nossa, sustentada pela ambição de se tornar a primeira potencial mundial. Temos que ser David e estudar e compreender o Golias, ou seja, temos que saber quando deveremos investir em conjunto com os empresários chineses e quando devermos investir sozinhos ou em parceria com empresários de outros países – sermos parte da UE é uma vantagem para nós porque nos dá um peso político internacional que sozinhos nunca teríamos. Parece-nos, ainda, que é importante ter em conta que o trabalho de recuperação e construção de infra-estruturas feito pelas empresas chinesas em Angola ao longo da última década e ao abrigo das diversas linhas de financiamento disponibilizadas pela China ao mercado angolano tem sido vantajoso para os empresários de todas as nacionalidades, pois todos utilizam as estradas, os portos de mar, as vias ferroviárias, as pistas dos aeroportos construídos ou reabilitados pelas empresas chinesas. E mesmo estas já compreenderam a importância do trabalho desenvolvido pelos portugueses em Angola, pelo que muitas das obras atribuídas, ao abrigo da Linha de Crédito da China, a empresas chinesas são, depois subcontratadas a empresas portuguesas, por si só ou em parceria com empresas angolanas. A concorrência nem sempre é sinónimo de adversidade, muitas vezes significa complementaridade.

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