Esta empresa de Lisboa tem o mesmo negócio há centenas de anos: fabricar dinheiro

A Imprensa Nacional Casa da Moeda é das empresas mais antigas do país. A produção de moeda metálica é um dos seus negócios, em articulação com o Banco de Portugal, mas não é a maior fonte de receitas. Com a desmaterialização de suportes, a empresa olha para novos negócios, como os selos electrónicos

A Casa da Moeda tem capacidade para fazer “mais de um milhão de moedas por dia”
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A Casa da Moeda tem capacidade para fazer “mais de um milhão de moedas por dia”
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A Casa da Moeda tem capacidade para fazer “mais de um milhão de moedas por dia”

O som das moedas a bater umas nas outras e todas elas num recipiente metálico é quase ensurdecedor, como se fosse um jackpot industrial. Aqui, no entanto, não há nada de aleatório, e nem entram em campo a sorte e o azar, ou não fosse esta uma fábrica de dinheiro. No interior da Casa da Moeda, situada no coração de Lisboa, são produzidos milhões de euros, mas tudo é calculado ao cêntimo, e à unidade, antes de chegar às máquinas registadoras e aos bolsos das pessoas.

No fabrico de dinheiro, as mãos dos homens e das mulheres ainda são indispensáveis, embora, claramente, menos do que no século XIII, para onde remetem as origens do cunho de moeda em Portugal (as primeiras máquinas surgiram na segunda metade do século XVII). É a própria empresa que se define como sendo, “talvez”, o “mais antigo estabelecimento fabril do Estado português”, com laboração contínua. “As mais antigas notícias da sua existência como estrutura oficinal fixa datam do reinado de D. Dinis, quando ela se localizaria perto da ‘porta da Cruz’, a Santa Apolónia”, lê-se na descrição oficial da empresa, denominada de Imprensa Nacional – Casa da Moeda (INCM) desde 1972.

Ora, o que acontece é que, apesar da sua longevidade, a Casa Moeda acaba por não ser das empresas portuguesas mais antigas, simplesmente porque não era uma empresa até, precisamente, 1972. Era, isso sim, conforme atesta o diploma desse ano, assinado por Marcello Caetano e Américo Tomás, um “estabelecimento dependente do Ministério das Finanças”. Nessa altura, e quando o Estado Novo se aproximava do fim, percebeu-se que chegara o momento de dar lhe autonomia e flexibilidade.

Destacava-se, aliás, a “urgente necessidade de insuflar maior dinamismo na sua gestão, cometendo à actividade administrativa a realização de tarefas que, até agora, só por via legislativa podem ser levadas a efeito”. Uma necessidade identificada em 1972, e que aumentava de volume “se se pensar na evolução tecnológica que, de maneira cada vez mais surpreendente, vem a processar-se no domínio das artes gráficas, inclusive no das especialidades que mais se trabalham e cultivam naquele estabelecimento”.

Negócios misturados

Solução: passar a Casa da Moeda a empresa pública, tal como já tinha acontecido à Caixa Geral de Depósitos, CTT e Imprensa Nacional (esta em 1969). Ora, como “a Imprensa Nacional exerce actividades industriais análogas às da Casa da Moeda”, eis que não só esta última passou a ser uma empresa, como entrou logo nas leis do mercado com uma fusão amigável por iniciativa do único accionista, o Estado.

Antes, a Casa Moeda já se tinha unido com a Repartição do Papel Selado, além de fabricar também (desde meados do séc. XIX) selos postais e de fiscalizar o sector da ourivesaria (algo que se mantém). Quanto à Imprensa Nacional, trazia também consigo todo um passado rico em história, iniciado a 24 de Dezembro de 1768, data do alvará que a criou (e que vem colocar a INCM na lista das empresas mais antigas de Portugal feita pela base de dados Informa D&B). Na altura foi baptizada de Impressão Régia (ou Régia Oficina Tipográfica), e, para que pudesse iniciar actividade, o Estado viu-se na contingência de adquirir um concorrente, a oficina de Miguel Manescal da Costa.

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Empresa teve várias localizações, como o Limoeiro ou a Rua de S. Paulo (na imagem) DR

Depois, dizem os dados oficiais da INCM, houve ainda uma unificação da nova empresa do reino com a Fábrica de Caracteres que estava a cargo da Junta do Comércio. Por esta produtora de obras literárias, passaram os olhos da censura e dos censores, mas também o jogo e a batota já que absorveu a Fábrica de Cartas de Jogar e Papelões, no século XVIII, e, com ela, o monopólio de fabrico e venda de cartas de jogar. Conhecida por ser também a responsável pela publicação do Diário da República (sucessor da Gazeta de Lisboa e Diário do Governo), a INCM que hoje existe é o resultado de uma série de aglutinações de negócios e funções, sempre com o Estado como accionista.

Em 1972, Marcello Caetano mostrava-se preocupado em “assegurar a viabilidade económica da nova empresa”, e esta tem sido cumprida, conforme se verifica pelos últimos números. No ano passado, a INCM, uma sociedade anónima sobejamente conhecida pelos seus capitais públicos, teve um volume de negócios de 94,3 milhões (+3,6% acima de 2015), e um resultado líquido de 20 milhões (+0,2%). Os principais impulsionadores deste resultado foram a vertente gráfica (com componentes de segurança) e a da moeda. Ou seja, as principais valências da Imprensa Nacional e da Casa da Moeda, com monopólios atribuídos pelo accionista Estado que ajudam a explicar a sua longevidade.

Com os olhos nas exportações

É a INCM que produz os passaportes e os cartões de cidadão, o que lhe valeu uma boa fatia dos 59 milhões de receitas gerados pela parte gráfica (onde se incluem muitos outros segmentos, como o dos hologramas para garantir, por exemplo, a autenticidade de bilhetes para festivais), tendo a cunhagem de moeda metálica sido responsável por 23 milhões (incluindo a fabricação de moedas normais mas também outras actividades, como as moedas de colecção). Num momento em que se assiste à desmaterialização, há novos desafios no negócio da identificação de segurança, com o desenvolvimento de selos electrónicos.

Foi a INCM que desenvolveu, por exemplo, um selo de segurança holográfico para o Pêra Manca, o vinho da Fundação Eugénio de Almeida, projecto que, diz a empresa, já foi alargado a outros vinhos da marca. Depois, há também a aposta nos mercados externos, com a INCM a participar, por exemplo, na emissão do novo passaporte electrónico de Cabo Verde e do cartão nacional de identificação electrónico.

No caso da cunhagem de moeda metálica, há também exportações, mas também muitas importações. É que a matéria-prima que dá origem a moedas como as de 20 cêntimos, conhecida por “ouro nórdico”, uma liga metálica feita à base de cobre, é comprada a diversos países. A Portugal, chega já na forma de produto transformado, em forma de discos embalados em caixotes de 500 quilos. À nossa frente, é a vez de um monte de discos de uma dessas caixas se transformar, ruidosamente e rapidamente, num monte de moedas de 50 cêntimos, depois de terem sido devidamente cunhadas.

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Imprensa Nacional chegou a deter o monopólio das cartas de jogar DR

De acordo com Paulo Leitão, director da unidade de moeda, a Casa da Moeda tem capacidade para fazer “mais de um milhão de moedas por dia”, sendo que, actualmente, o ritmo é de “220 milhões por ano”. Se a pergunta passa de unidades para valores, os números desaparecem: “Não trabalhamos com o valor facial. Isso é irrelevante para nós”, sublinha.

Mais moedas, SFF

Enquanto empresa fabril que é, a INCM responde à procura do Banco de Portugal, devidamente articulado com o Banco Central Europeu (BCE). Em 2016, o BdP pediu 147 milhões de moedas à INCM, valor que, este ano, se aproximará dos 220 milhões. Em rigor, uma moeda só se torna “real” quando é recebida pelo BdP, que se torna então seu proprietário, com o valor facial a ser creditado à Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (por seu lado, as notas são produzidas no Carregado por uma empresa do BdP). E, de acordo com os dados do BdP, no ano passado foram levantados dos seus cofres 45,4 milhões de euros em moedas (com destaque para os 24,7 milhões de moedas de um euro). 

De acordo com Gonçalo Caseiro, administrador da INCM, uma das estratégias da empresa para equilibrar a flutuação de encomendas por parte do BdP/BCE passa pelas exportações. No ano passado, por exemplo, foi na Casa da Moeda que se produziram moedas de colecção para a Estónia, e dinheiro corrente para um país do leste europeu, que não foi identificado.

“Herdeira dos mais antigos estabelecimentos industriais do país”, como sublinha a administração da INCM, liderada por Rui Carp, a empresa consegue dar também uma alegria financeira ao seu accionista centenário: no ano passado, entregou 21 milhões de euros em dividendos ao Estado. Um feito que as Finanças quererão certamente ver repetido no futuro.

Dados históricos

Data de fundação: A Casa da Moeda nasceu no séc. XIII, mas a referência da Informa D&B para a lista das empresas mais antigas de Portugal, feita para o PÚBLICO, coloca a origem da INCM em 1768, ano de criação da Imprensa Nacional, já que a Casa da Moeda era um departamento do Estado. A fusão das duas ocorreu em 1972.

Performance da Casa da Moeda: a produção de moedas valeu 23 milhões de euros em 2016. A quantidade mais produzida foi a de moedas de um e dois cêntimos, mas em valor o destaque vai para as de um euro.

Dinheiro de colecção: é uma das referências da Casa da Moeda e fizeram-se várias, como as ligadas a Eusébio e a Fátima. No entanto, na última década a moeda de colecção mais vendida, em unidades, foi a referente à AMI - Assistência Médica Internacional. Foram vendidos 123.063 exemplares, a cinco euros cada, sendo que um euro ia para a AMI e para o combate à malária em crianças com idade pré-escolar.

Receitas globais: dos 94 milhões de euros de receitas gerados pela INCM no ano passado, a principal fatia veio da vertente gráfica e de segurança (como o cartão do cidadão), seguindo-se o negócio das moedas.

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