GNR chegou a conclusões sem identificar vítimas e trajectos
Relatório final da GNR diz que era "necessário" identificar vítimas para determinar trajectórias e perceber se algumas das pessoas que morreram tinham seguido viagem a partir do IC8, cortado por militares ou por pinos na estrada. Mas diligência não foi feita.
Enquanto a Guarda Nacional Republicana fez o relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande, a PGR divulgou o nome de todas as vítimas da tragédia. Contudo, a GNR elaborou o documento sobre a sua actuação, incidindo no que aconteceu na fatídica estrada nacional 236-1, sem que tivesse levado a cabo a diligência, considerada pelos próprios como "necessária", de identificar as vítimas e o trajecto que fizeram até ao local onde morreram.
Isso mesmo é assumido pela GNR no relatório enviado à ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e publicado ontem. No texto, acompanhado de um parecer do inspector da guarda a defender o arquivamento do inquérito, lê-se que o documento é escrito sem que todas as diligências tenham sido efectuadas. “Para melhor apuramento dos factos, considerou-se necessário realizar as seguintes diligências: identificar as vítimas mortais, ocorridas na EN236-1, e os locais onde os seus cadáveres foram encontrados, para que seja possível apurar as suas trajectórias e determinar aquelas que provinham do nó do IC8 com aquela via”. Só que esta frase está incluída no capítulo do relatório intitulado “Diligências por efectuar”.
No relatório não se explica a razão por que as diligências ficaram por realizar. Apenas é anotado, nos “factos por apurar”, que não foram identificados “os trajectos e as proveniências” das 47 vítimas na EN236-1 e nas estradas de acesso e escrito que se efectuaram várias inquirições a testemunhas (35). De referir que, quando há mortes, a investigação passa para a Polícia Judiciária. Apesar disso, não fica claro se houve cruzamento de informação ou por que motivo a GNR não fez uso dos dados tornados públicos pela PGR.
O PÚBLICO questionou o Ministério da Administração Interna (MAI) sobre este assunto — nomeadamente se ainda vão ser efectuadas estas diligências e se o MAI não considera que elas são as essenciais para apurarresponsabilidades dentro da GNR — e enviou outras questões sobre o conteúdo dos vários relatórios. O gabinete da ministra respondeu apenas que “nesta fase, o MAI não vai prestar mais esclarecimentos” e que há respostas a estas dúvidas que constam do despacho da ministra.
A verdade é que sobre este assunto, o despacho apenas assume que “do inquérito da GNR não resulta que qualquer elemento desta força de segurança tenha encaminhado qualquer viatura para esta via [EN 236-1]”. Isto porque, no relatório, a GNR explana as acções de vários agentes durante as horas em que o incêndio lavrava com maior intensidade, detalhando as horas e os locais em que foram cortadas as diferentes estradas (a partir das 18h37), para chegar à conclusão de que "não se provou que qualquer militar da guarda, envolvido nas operações de apoio ao combate nos incêndios, tenha indicado a EN 236-1 como itinerário alternativo ao IC8", ao contrário do que era admitido nas primeiras respostas da GNR dadas ao primeiro-ministro.
Esta conclusão acontece - e dá origem ao próprio relatório - porque uma testemunha contou que foi encaminhada por um militar para a EN236-1. A GNR garante que tal não seria possível porque "naquele período" não se encontrava "nenhum militar no cruzamento do IC8 com a EN 236-1". Nesse local, estavam apenas "cones de sinalização" que cortavam o trânsito no IC8, no sentido de Pedrógão. Mais, a GNR conta que os sucessivos cortes no IC8 foram determinados por iniciativa própria, por questões de segurança, e não por ordens que tenham chegado da Protecção Civil. As primeiras "instruções de coordenação" e pedido de corte de estradas, nomeadamente da 236-1, "foram emitidas pelas 22h", diz a GNR.