Fazer guerra ou aprender a coexistir com “Kim nuclear”?

A escalada verbal, sobretudo quando envolve a ameaça, é perigosa porque pode provocar “erros de cálculo” no adversário e precipitar um conflito aberto.

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A crise do nuclear norte-coreano parece sempre no mesmo estado. Do ponto de vista americano, “o statu quo é insustentável” mas “não há boas opções”, nem diplomáticas nem militares. Entretanto, há dois factores que se agudizaram e que podem vir a criar um novo quadro ou dar lugar a uma involuntária escalada.

A Coreia do Norte passou uma “linha vermelha” ao declarar-se com capacidade para atingir o território norte-americano com armas nucleares. Há um ano, era um cenário “precoce”. Hoje domina a convicção de que a Coreia do Norte é já um Estado plenamente nuclear. Por outro, estalou uma “guerra de palavras” num tom que até agora parecia exclusivo de Kim Jong-un. Este ameaça os EUA, Donald Trump contra-ameaça com uma resposta de “fogo e fúria”, Kim sobe a parada declarando que pode atacar Guam.

A escalada verbal, sobretudo quando envolve ameaças, é perigosa porque pode provocar “erros de cálculo” no adversário e precipitar um conflito aberto. Os norte-coreanos são especialistas em usar como arma psicológica a sua imprevisibilidade e têm agora pela frente um Presidente americano que cultiva a mesma imprevisibilidade. “A ameaça dos EUA pode ser um bluff, mas com Trump nunca se sabe”, escreve um colunista do Washington Post.

Tomada à letra, a ameaça de Kim aos EUA é um bluff: ele, a “família real” e o seu regime seriam aniquilados se atacassem a América. Mas a mensagem real não é bluff: tornar patente que a Coreia do Norte tem uma arma de dissuasão perante a América e que vai prosseguir os seus programas militares. Já antes dispunha de outra arma: aniquilar Seul com a artilharia instalada na fronteira. Com a bomba, alarga a ameaça a países como o Japão. Seria um erro subestimar a “paranóia” dos dirigentes norte-coreanos quanto à sobrevivência do regime.

Racionalidades

Nenhum dos actores — Coreia do Norte, China ou Estados Unidos — é irracional. Têm, sim, racionalidades diferentes. Trump começou por ter a ideia “genial” de fazer do nuclear norte-coreano um problema cuja resolução cabia à China. Não há uma aliança entre a China e a Coreia do Norte e tanto Washington como Pequim se opõem ao nuclear norte-coreano. Mas têm prioridades distintas e, em larga medida, contraditórias. Para Xi Jinping, o risco de se ver perante uma avalancha de refugiados ou, sobretudo, de ver os americanos intervir na Coreia do Norte — até por razões de segurança nuclear — e ficarem à portas da sua fronteira no rio Yalu, é uma perspectiva intolerável. De resto, a Coreia do Norte não obedece a Pequim.

De momento, a China tenta explorar a subida ao poder do novo Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e a sua vontade de pacificar as relações com o Norte, para incentivar os americanos a desistir da instalação do sistema antimísseis no Sul e a suspender as manobras navais na região, como base para negociações. Mas também a posição de Pequim deixou de ser fácil. Defendeu durante anos que o nuclear era um problema bilateral entre Washington e Pyongyang. Esta tese torna-se insustentável quando a crise começa a contagiar toda a região e os aliados americanos ficam nervosos quanto à credibilidade das garantias de segurança dadas por Washington, podendo ser tentados por nova corrida aos armamentos.

Dilema americano

Até nova ordem, continua válido o princípio que tem regido a política americana: se são elevados os custos de uma Coreia do Norte nuclearizada, mais altos ainda seriam os custos de uma guerra. A via diplomática está bloqueada desde que a crise passou do quadro da não-proliferação — que presidiu às negociações dos anos 90 — para um quadro de dissuasão. A América quer negociar, dando garantias a Pyongyang em troca da desistência do nuclear. Kim também quer negociar, mas na base do reconhecimento do seu estatuto nuclear.

Os EUA podem forçar um isolamento mais drástico da Coreia do Norte. Note-se que Pequim se absteve no Conselho de Segurança quanto às novas sanções. Mas diz a experiência que isso faz sofrer, mas não fará desistir Pyongyang.

Este pode ser um momento decisivo. A bombástica declaração de Trump pode ter o inesperado mérito de pôr as alternativas em cima da mesa. Uma será criar uma situação “à beira do abismo”, tentando forçar a mão à China na resolução de uma crise dramática. A outra será partir do princípio de que a desnuclearização só será possível com guerra e com “mudança de regime”. Ou Washington faz a opção militar, o que é improvável, ou inventará o modo de coexistir com a Coreia do Norte e o seu nuclear.

Os Estados Unidos não estão preparados para aceitar esta via. Mas a vida traz surpresas. É ainda cedo para compreender o alcance da ameaça de Trump. 

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