Faltas, deputados "chumbados", ameaças e outras histórias

A partir de 2003 passou a ser possível invocar "força maior" ou "motivo justificado" para justificar ausências no Parlamento.

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Em 2001, o problema das faltas dos deputados na Assembleia da República veio a público mais de uma vez Nuno Ferreira Santos

As notícias sobre as faltas, ao longo dos anos, já irritaram muitos deputados. Uns deram tantas que podiam ter perdido o mandato, mas justificaram-nas e nem um só perdeu o lugar na Assembleia da República (AR). As polémicas têm anos e a discussão foi muitas vezes tensa.

Em 2002, depois de um debate sobre a Europa, com pouquíssimos deputados, o então presidente da AR do Governo de Durão Barroso, Mota Amaral, chegou a ameaçar faltas injustificadas a quem não estivesse no hemiciclo do Palácio de São Bento.

O histórico socialista Almeida Santos, presidente do Parlamento dois anos antes, admitiu vetar a presença de jornalistas depois do semanário Expresso ter publicado uma foto de um hemiciclo quase vazio durante um debate – era uma sexta-feira.

Na altura, o jornal Tal & Qual foi ver os mapas de faltas e descobriu que a 4 de Fevereiro de 2000, 42 deputados fizeram "gazeta". No caso de Mota Amaral a ameaça nunca chegou a ser concretizada, abrindo-se, isso sim, uma discussão sobre as maneiras de justificar as ausências. Já Almeida Santos pediu desculpa aos jornalistas e tudo continuou como dantes.

O ano de 2001 foi tumultuoso depois de, em Julho, o Diário de Notícias noticiar que 30 deputados deram mais do que as quatro faltas injustificadas permitidas pelo regimento e que, por isso, como dizia o título, estavam "'chumbados' por faltas". Os recordistas eram José Lamego, do PS, com 18, e Henrique Chaves, do PSD, com 15. À esquerda, não havia deputados "chumbados". Apesar da polémica, as direcções do PSD e do PS recusaram qualquer sanção aos faltosos.

Uma semana depois, o Expresso noticiava que apenas dois não tinham justificado a ausência. E o DN explicava existir "uma espécie de reacção corporativa" na Assembleia: mesmo que os deputados não apresentassem as justificações em tempo útil, elas acabavam por ser aceites. Conclusão: nenhum deputado perdeu o direito ao cargo.

Passados alguns meses, em Outubro de 2001, registou-se mais um episódio. Marcelo Rebelo de Sousa, que deixara de ser líder do PSD dois anos antes e era comentador político, levantou a dúvida sobre se uma lei que precisava de maioria reforçada, a Lei de Programação Militar, tinha obtido, de facto, os 116 votos necessários. Porquê? Tinha faltado António Marqueiro, deputado do PS.

O problema foi resolvido depois de António Marqueiro ter dado a palavra de honra de ter estado no hemiciclo no momento da votação, tendo como testemunhas o líder parlamentar socialista, Francisco Assis, e o secretário da mesa, Artur Penedos, também socialista. O tom das acusações subiu. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a acusar Almeida Santos, presidente da Assembleia, de esconder uma violação da Constituição.

O clima em torno das faltas era tal no Parlamento que, em Novembro de 2001, o jornal PÚBLICO titulou "Deputados 'sequestrados' no plenário", tal era o controlo de quem entrava e quem saia do hemiciclo durante o debate do Orçamento do Estado de 2002. "Estamos aqui sequestrados pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa", atirou o socialista Manuel Alegre, aplaudido pelo PS, mas também por deputados do PSD e do CDS.

Fez-se um grupo de trabalho para tentar resolver o problema das faltas e em 2003 foram alargados os motivos para justificar as ausências. Passou a ser possível invocar "força maior", "motivo justificado", além do "trabalho político" e "trabalho parlamentar", justificações que se mantêm até hoje.

O futebol também atravessou a polémica das faltas: 30 deputados faltaram ao plenário para assistir à final da Taça UEFA, em Sevilha, entre o FC Porto e o Glasgow, em maio de 2003. Mota Amaral, presidente do Parlamento, não aceitou a justificação dada pelos deputados.

2006 foi, de novo, um ano crítico com o problema das faltas. Em 12 de Abril, vésperas da Páscoa, 110 deputados faltaram às votações. O debate aqueceu outra vez e um deputado do PS, Ricardo Gonçalves, chegou a propor que os parlamentares apresentassem um pedido de desculpas públicas, mas a direcção socialista recusou.