Especialistas apoiam investigação na edição de genes mas impõem limites
Um grupo internacional de 11 organizações da área da investigação e aconselhamento genético emitiram uma declaração sobre a edição de genes em linhas germinais humanas.
Os especialistas em genética não vêem razões para proibir a investigação da edição genética em linhas humanas germinais (ovócitos e espermatozóides), num ambiente in vitro, mas consideram “inapropriado” avançar com projectos que culminem numa gravidez. A tomada de posição foi publicada esta quinta-feira na revista The American Journal of Human Genetis e é subscrita por 11 organizações que representam especialistas na área da genética em várias regiões do mundo e também a nível internacional.
A declaração é da autoria conjunta da Sociedade Americana de Genética Humana (ASHG), da Associação de Enfermeiros e Conselheiros Genéticas, da Associação Canadiana de Conselheiros Genéticos, da Sociedade Internacional de Epidemiologia Genética e da Sociedade Nacional de Conselheiros Genéticos dos EUA. Também foi aprovado pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, a Sociedade Ásia-Pacífico de Genética Humana, a Sociedade Britânica de Medicina Genética, a Sociedade de Genética Humana da Australásia (região que inclui Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné e algumas ilhas da parte oriental da Indonésia), a Sociedade Profissional de Conselheiros Genéticos na Ásia e a Sociedade da África Austral para a Genética Humana.
"O nosso grupo de trabalho sobre a edição do genoma incluiu especialistas em vários campos da genética humana, bem como de países com diferentes sistemas de saúde e infra-estruturas de investigação", refere Kelly E. Ormond, professora de genética na Universidade de Stanford (EUA) e principal autora da declaração, num comunicado sobre o artigo. "Tendo em conta esta diversidade de perspectivas, sentimo-nos encorajados com o acordo que alcançámos e esperamos que represente a solidez e aceitação das nossas recomendações.”
A CRISPR/Cas9 começou a ser testada recentemente como uma técnica de edição de genomas. Este sistema que permite mexer no ADN num jogo de “corta e cola” genes pode vir a significar avanços sem precedentes no tratamento de doenças mas também levanta uma série de preocupações éticas. O receio de acabarmos por “fabricar” seres humanos feitos à medida é apenas uma das inquietações de muitos cientistas e outros especialistas. A CRISPR chegou com a promessa de ser uma forma muito precisa, fácil e rápida de alterar genes. Há uma proteína que age como uma tesoura e corta o ADN, e há uma molécula de ARN que guia a tesoura para qualquer ponto do genoma que quisermos.
Nos últimos anos a técnica tem sido mais testada em células estaminais e em animais (ratos, ratinhos e macacos). Mas também já foi experimentada em embriões humanos. Aliás, esta quinta-feira a revista Nature publica um artigo sobre um trabalho liderado por cientistas nos EUA que permitiu corrigir, em embriões humanos, uma mutação num gene que está associada a uma doença hereditária cardíaca. Apesar do sucesso da experiência, os embriões usados foram sido destruídos após alguns dias de desenvolvimento. Não é (para já) conhecido qualquer projecto que tenha sido autorizado a fazer uma transferência de embriões geneticamente editados para o útero de uma mulher para uma eventual gravidez.
"Embora a edição do genoma da linha germinal possa, teoricamente, ser usada para evitar que uma criança nasça com uma doença genética, o seu eventual uso também levanta muitas questões científicas, éticas e políticas. Essas questões não podem ser respondidas apenas por cientistas, mas também têm de ser debatidas pela sociedade ", refere Derek Scholes, director de política científica na ASHG.
Assim, o documento assinada por 11 associações que representa várias áreas da genética estabelece que “neste momento, não é apropriado realizar experiências de edição de genes da linha germinal que culminem na gravidez humana”. Por outro lado, acrescentam, também “não há motivos para proibir a investigação de edição do genoma germinal in vitro (fora de um organismo vivo), com supervisão e consentimento apropriados, ou para proibir o financiamento público destes projectos”.
Além destas duas orientações principais, os especialistas recomendam a todos os cientistas que, antes de qualquer aplicação clínica futura desta técnica, assegurem que existe “uma lógica médica convincente para usar essa abordagem, provas que apoiem o uso clínico, uma justificação ética e um processo transparente e público para solicitar e incorporar a participação dos interessados”.
Em Fevereiro deste ano, foi divulgado também o relatório da Academia Nacional das Ciências e da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos que consideraram que os avanços científicos trazidos pela edição de genes em células humanas reprodutivas são “uma possibilidade realista que merece ser considerada a sério”. Estes especialistas defenderam que os ensaios clínicos para edição da linha humana germinal podem ser permitidos – “mas apenas em quadros [clínicos] graves sob supervisão rigorosa”.
Esta foi uma posição mais branda se compararmos com a declaração feita em Dezembro de 2015 por cientistas e especialistas em ética, reunidos numa conferência internacional na cidade de Washington, na sede da Academia Nacional das Ciências norte-americana, quando consideraram que seria “irresponsável” usar a tecnologia de edição de genes em embriões humanos para fins terapêuticos, como a correcção de doenças genéticas, enquanto as questões de segurança e de eficácia não estivessem resolvidas.