Bruxelas aceita regresso à tarifa regulada, mas só até 2020

A possibilidade de os consumidores regressarem aos preços regulados não choca com as regras europeias, desde que o fim do mercado regulado não volte a derrapar.

Foto
Rita Franca

O Governo quer que até ao final do ano esteja em prática o regime que permitirá aos consumidores de electricidade que já estão no mercado livre optar por tarifas equiparadas àquelas que todos os anos são fixadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

A medida, resultante de uma proposta do PCP, foi aprovada no Parlamento em Junho e porá fim à proibição do regresso ao mercado regulado, para quem já se encontrava no regime livre.

Uma vez que o fim imediato do mercado regulado foi um dos “cavalos de batalha” da troika durante a negociação do programa de assistência financeira e que o prazo que acabou por ser fixado (Dezembro de 2013) para eliminar as tarifas transitórias já foi adiado várias vezes, o PÚBLICO questionou a Comissão Europeia sobre a nova medida.

“À primeira vista não parece contrária” às regras europeias, “desde que o objectivo final de desregular completamente os preços em 2020 se mantenha”, disse fonte oficial da Comissão. É um modelo que existe nos vários Estados-membros em que existem tarifas reguladas, no qual os consumidores são livres de “entrar e sair dos preços regulados sempre que queiram”. Mas esta alternativa não pode é traduzir-se “num passo atrás no processo de liberalização”, frisou a Comissão.

Na resposta ao PÚBLICO, Bruxelas recordou o que já tinha dito no relatório publicado em Fevereiro sobre Portugal, isto é, que as consequências de se ter voltado a adiar a extinção das tarifas reguladas “são incertas”. Havendo um prazo para mudar, e sendo os consumidores forçados a sair, “podem simplesmente permanecer com o incumbente”, a EDP.

Por outro lado, acrescenta a Comissão, um preço regulado representa um preço de referência em torno do qual os comercializadores vão construir as suas ofertas e “isto poderá fazer diminuir a variedade de tarifários disponíveis no mercado”.

Em Junho já estavam no mercado liberalizado da electricidade cerca de 4,85 milhões de clientes (cerca de 92% do total, permanecendo nas tarifas reguladas outros 1,3 milhões de clientes). A esmagadora maioria dos clientes em regime de mercado pertence à EDP (mais de quatro milhões), que concorre com mais 17 comercializadores.

Antes da aprovação da proposta comunista no Parlamento, o PS, que a viabilizou, frisava ser necessário salvaguardar que a medida não teria “efeitos contrários aos propósitos”. É “preciso evitar que o regresso [dos consumidores] ao mercado regulado signifique que grande parte deste bolo vai para a EDP, reforçando o seu monopólio natural”, disse ao PÚBLICO, em Junho, o deputado Luís Moreira Testa.

Para já, é preciso esperar que a lei seja promulgada pelo Presidente da República e que o Governo a regulamente, para saber qual será o figurino final, mas há já no sector quem considere que a medida “será completamente inócua”.

É o que afirma o presidente da Enforcesco (dona da marca YLCE), João Nuno Serra. Notando que no mercado existem “tarifas mais competitivas do que as reguladas”, o gestor frisou que “os consumidores só terão incentivo para regressar ao regulado se pagarem menos”.

Para que isso acontecesse, teria que se alterar a lógica que tem sido seguida nas tarifas transitórias, que é a de serem mais elevadas, para incentivar os consumidores a procurarem melhores alternativas no mercado.

“O Estado só conseguiria apresentar uma tarifa mais competitiva que a do mercado, se fosse subsidiada”. O que significa na prática que os consumidores poderiam acabar a pagar uma factura mais elevada, já que uma tarifa artificialmente baixa viria a agravar o défice tarifário, que anda na casa dos cinco mil milhões de euros e que é um dos factores que mais pesa nas facturas.

Além disso, “seria grave” porque seria “o Estado a competir com os privados” num sector que já liberalizou, acrescentou o gestor, que vê a medida como algo "mais para parecer, do que ser".

Notando que os comercializadores mais pequenos conseguem apresentar preços mais atractivos que os regulados porque os seus tarifários estão “expurgados dos custos pesados das grandes empresas” como a EDP Serviço Universal, o presidente da Enforcesco lembrou ainda assim que a margem de liberdade que as empresas têm para definir preços é pequena, porque “66% do que o consumidor paga são redes [os custos regulados]”.

“Se o Governo quer efectivamente baixar os preços da electricidade, é aí que tem de mexer”, afirmou João Nuno Serra.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários