Perito pede “serenidade” e rejeita “listas casuísticas pessoais”

Duarte Nuno Vieira, director da Faculdade de Medicina de Coimbra, explica que só deverão ser contabilizadas mais vítimas se for provado o “nexo de causalidade” da morte com a tragédia.

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Duarte Nuno Vieira, ex-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, em 2010 com o então ministro da Justiça SA Sergio Azenha

O director da Faculdade de Medicina de Coimbra e membro do Conselho Científico do Tribunal Penal Internacional, Duarte Nuno Vieira, apela a que se mantenha a “serenidade” em relação ao número de vítimas da tragédia de Pedrógão Grande.

“O momento deve ser de muita calma e tranquilidade, e devem evitar-se especulações feitas com base em inquéritos feitos por pessoas não qualificadas, por iniciativa individual e que não passam de casuísticas pessoais”, afirma ao PÚBLICO o antigo presidente do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses.

“Temos entidades altamente qualificadas para fazer este levantamento e identificação, não há motivos para colocar em causa estas informações”, acrescenta.

O número de 64 vítimas mortais foi fixado com base em igual número de cadáveres recolhidos nos concelhos abrangidos pelo incêndio e identificados e autopsiados pelo Instituto de Medicina Legal de Coimbra, diz Duarte Nuno Vieira, referindo informações obtidas junto destes serviços. E admite como muito provável que a vítima de um atropelamento em pleno incêndio venha a ser contabilizada naquela lista.

Este perito explica que, sempre que existe uma morte não natural, o corpo encontrado é removido e levado para um gabinete médico-legal, onde aguarda a ordem do Ministério Público para proceder, ou não, à autópsia. “É o Ministério Público que tem o poder de ordenar ou dispensar a autópsia, tal como é o Ministério Público que pode determinar se há ou não segredo de justiça”, sublinha.

Questionado sobre se, em caso de muitas vítimas mortais de uma catástrofe, o Ministério Público poderia ordenar autópsia a uns corpos e não a outros, Duarte Nuno Vieira considera que tal é “altamente improvável” ou mesmo praticamente impossível.  

Em Portugal, não existe uma legislação específica para determinar em concreto quais as condições em que se contabilizam as vítimas mortais de uma tragédia, mas Duarte Nuno Vieira não vê grande problema nisso: “Se alguém vier a falecer mais tarde, no hospital, em circunstâncias que derivam da tragédia, em que haja um encadeamento anátemo-clínico, um nexo de causalidade, deverá ser incluído na lista”, afirmou ao PÚBLICO.

Enxurradas na Madeira: número subiu de 39 para 48

Não é a primeira vez que a lista de vítimas mortais de tragédias fica em segredo de justiça e não é divulgada publicamente. Aconteceu na Madeira, após as enxurradas de Fevereiro de 2010, que arrastaram casas, carros e pessoas. Nos primeiros dias, os números de vítimas oscilaram entre 39 e 42, com algumas declarações contraditórias entre a porta-voz e o próprio presidente do Governo Regional. Mas acabaram por fixar-se em 48.

Mais de um ano depois, quando o Ministério Público concluiu o inquérito sem determinar qualquer procedimento criminal, determinando o arquivamento dos autos, foi explicada a evolução dos números. Além dos 40 mortos inicialmente confirmados como vítimas da tragédia, com a realização de perícias médico-legais, e dos seis desaparecidos cujo óbito foi justificado judicialmente, permaneciam por identificar dois outros cadáveres.

Só a realização de exames complementares de genética forense permitiu determinar a verdadeira identidade das duas mulheres levadas por uma forte torrente de água, lama e pedras que fez desaparecer a sua residência no Pomar da Rocha, na Ribeira Brava.

Mas o relatório final da PSP, anexo ao processo, associou à catástrofe mais quatro indivíduos que, internados com ferimentos graves no trágico 20 de Fevereiro, acabaram por falecer nos serviços hospitalares nos dias imediatos. Destes quatro casos, cujos óbitos não foram comunicados ao Ministério Público nem solicitada a dispensa da autópsia, o procurador admite que dois possam ser vítimas do temporal, o que faria subir de 48 para 50 o número de mortos, a maioria registados no Funchal.

A variação de números no caso da Madeira não tem, no entanto, paralelo ao que se conhece até este momento do caso de Pedrógão. Desde logo porque o Governo tem dito que não existem desaparecidos - e não há denúncias públicas nesse sentido -, mas também porque, de acordo com o comunicado emitido pelo Ministério da Justiça, já não há cadáveres por identificar ou autopsiar relacionados com os incêndios de 17 de Junho.

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