O vendedor implacável que conseguiu um emprego na Casa Branca

Anthony Scaramucci chega a Washington para relançar a estratégia de comunicação de Trump. Não leva experiência, apenas a pele que lhe nasceu em Nova Iorque e que é tão dura como a do novo patrão. O seu primeiro teste é esta segunda-feira, dia de Kushner testemunhar no Senado.

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Anthony Scaramucci Jabin Botsford/The Washington Post

Para evitar armadilhas da política, Anthony Scaramucci, o tagarela investidor de Wall Street que o Presidente Donald Trump escolheu para liderar a sua estratégia de comunicação, aconselhava os seus próximos a terem a pele grossa.

Foi uma lição que aprendeu há muitos anos com Trump. Os dois estavam sentados na mesma mesa durante um almoço a favor da Lupus Foundation of America e um abatido Scaramucci disse a Trump que estava a ser "massacrado" pelos media. "Faz parte. Estás a começar a ser conhecido e isso significa que as pessoas vão começar a atacar-te", contou Scaramucci no livro Hopping Over the Rabbit Hole: How Entrepreneurs Turn Failure into Success, de 2016. "Foste encostado às grades durante um bocado", continuou Trump. "E então? Há 30 anos que me fazem isso"-

A decisão do Presidente Trump de levar Scaramucci, de 53 anos, para um lugar cimeiro na Casa Branca representa uma notável ascensão política para o veterano investidor, que andou à volta de vários republicanos durante a campanha para as presidenciais de 2016 antes de lhe ter saído a lotaria ao tornar-se apoiante de Trump.

Scaramucci, conhecido como "the Mooch" (expressão que junta a ideia de penetra, parasita e emplastro) veste, de muitas formas, a mesma pele que o seu novo patrão. Investidores, sócios e aqueles que já trabalharam com ele dizem que é um nova-iorquino impetuoso que se sente cómodo a combater os media e um empreendedor implacável que não se importa de disytribuir cotoveladas no seu caminho.

Ao assumir a responsabilidade de construir a estratégia de comunicação da Administração Trump, Scaramucci disse que responde directamente a Trump. A nova porta-voz, Sarah Huckabee Sanders, depende dele. [O seu primeiro teste é já esta segunda-feira, quando o genro do Presidente, Jared Kushner, testemunhar no Senado, no inquérito da Comissão dos Serviços Secretos sobre as ligação entre Trump e a Rússia].

Scaramucci é pelo menos a terceira pessoa a quem a Casa Branca ofereceu o lugar de director de comunicação desde que Trump foi eleito, no ano passado. Chega num momento em que a Casa Branca pretende pôr debaixo dos focos duas das principais prioridades do Presidente, a reforma fiscal e o crescimento económico.

Durante a sua primeira visita à sala de imprensa da Casa Branca (onde estão os jornalistas), deu efusivamente mostras da sua admiração por Trump — disse que o adora (love) várias vezes — e da sua experiência de 30 anos em Wall Street ao usar abundantemente jargão da finança, por exemplo "arbitragem" e "custo de oportunidade".

Há muito que Trump admira a inabalável determinação de Scaramucci em apoiar o Presidente durante entrevistas hostis nas televisões. Ele tem o entusiasmo que tem faltado na estratégia de comunicação, disseram várias fontes oficiais.

A sua imagem subiu vários pontos dentro da Casa Banca quando a CNN foi forçada a desmentir a notícia que dizia que a Comissão de Serviços de Informação (secretas) do Senado estava a averiguar se Scaramucci se encontrou com um administrador de um fundo de investimento russo antes da tomada de posse de Trump. O momento em que a CNN se retratou foi visto como uma vitória de Trump e dos seus aliados, que há meses se queixam da cobertura negativa dos media. Scaramucci aceitou o pedido de desculpas da CNN.

No início, Scaramucci não correu de braços abertos para a campanha de Trump. Junta-se a outros que agora ocupam lugares cimeiros na Administração, entre eles o conselheiro chefe de Trump para a economia, Gary Cohn, e o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, que financiaram os democratas. Ocasionalmente, Scaramucci também apoiou causas liberais. Deu milhares de dólares ao então candidato à presidência Barack Obama em 2008. E numa publicação no Twitter em 2012, parece defender o controlo das armas de fogo — escreveu "Nós [os EUA] temos 5% da população mundial mas 50% das armas de todo o mundo. Já basta. Dizer que é preciso mais controlo é senso comum". [Este domingo anunciou que vai apagar todos os tweets antigos].

Em 2015, trabalhou na campanha presidencial de Scott Walker como conselheiro para as questões financeiras nacionais, tendo depois passado para a campanha de Jeb Bush quando Walker desistiu. Em 2015, e antes de se juntar a Trump, disse num programa na Fox News que Donald era "mais um mercenário da política" e que iria "provavelmente nomear Elizabeth Warren como sua vice-presidente"; Warren é democrata e senadora pelo Massachusetts.

Na sexta-feira, na sua primeira conferência de imprensa, Scaramucci pediu desculpa a Trump por lhe ter chamado mercenário e disse que o Presidente ainda lhe lembra esse incidente.

Scaramucci, como Trump, tem raízes em Nova Iorque. Começou a carreira na Goldman Sachs, que num ano o contratou, despediu e voltou a contratar, e de onde saiu para fundar a sua própria empresa de investimentos. Em 2005, começou a SkyBridge Capital, que agarra no dinheiro dos investidores mais ricos e os divide em parcelas por fundos de cobertura, com graus de risco variados.

Em Wall Street, é conhecido por ser um vendedor implacável quer de si próprio quer da suas causas. Alguns funcionários lembram que por vezes era agressivo no escritório e que era obcecado com o Super Homem, tendo o seu gabinete cheio de objectos alusivos, além de uma pintura que lhe custou bastante dinheiro do super-herói.

Em Janeiro, Scaramucci anunciou que iria vender a sua participação na SkyBridge Capital antecipando conseguir um cargo na Casa Branca. Não é claro se a venda ao grupo HNA do multimilionário chinês Chen Fang e à RON Transatlantic foi finalizada.

Quando não conseguiu entrar na Casa Branca, regressou às suas raízes de Wall Street, indo dirigir a conferência anual de fundos de cobertura que se realiza em Las Vegas, a SALT. Estes encontros no deserto, que o próprio Scaramucci começou em 2009, ajudaram a fazer subir o seu perfil nos círculos políticos e de Wall Street. Este ano, Jeb Bush e o antigo vice-presidente Joe Biden apareceram ao lado de gigantes do investimento como Daniel S. Loeb e Bill Ackman, que Scaramucci conhece há anos.

Também tem ligações importantes nos media. Foi apresentador do Wall Street Week na estação de televisão PBS e foi presença regular na Fox News. Em 2010, num encontro com eleitores organizado pela CNBC, foi Scaramucci quem perguntou ao então Presidente Barack Obama quando é que a Casa Branca deixava de tratar os banqueiros como "um saco de pancada".

Até tem ligações em Hollywood, onde foi conselheiro de Oliver Stone no filme Wall Street: O dinheiro nunca dorme (2010). "Andei a chateá-lo por ele apoiar Marco Rubio", disse Stone numa entrevista este ano. "Ele chamava-me o seu liberal". (Stone apoiava Bernie Sanders e acabou por votar em Jill Stein).

Questionado sobre se a presença de Scaramucci na Casa Branca lhe fazia ter esperança na Administração Trump, Stone respondeu: "Espero que sim, se ele se rodear de conselheiros sensatos".

Apesar da sua experiência com os media, Scaramucci já se viu algumas vezes em maus lençóis, por exemplo quando comparou uma lei do tempo de Obama exigindo que os conselheiros financeiros defendessem o interesse dos seus clientes com a decisão do Supremo Tribunal de 1857 segundo a qual os afro-americanos não eram cidadãos dos EUA.

Ao mesmo tempo, Scaramucci mostrou abertura para levar mais bipartidarismo à Administração Trump, algo que o distingue de outros que têm ligações mais fortes ao Partido Republicano.

Scaramucci participou no retiro anual que Mitt Romney realiza em Junho, em Deer Valley (Utah). Ali, e de acordo com uma pessoa que assistiu a esta reunião privada e só falou sob anonimato, apresentou a sua ideia para remodelar a equipa de comunicação da Casa Branca,

Scaramucci disse que a mensagem que a Casa Branca transmitia era confusa. Sugeriu que, se fosse ele a mandar, faria uma espécie de programa de televisão todas as manhãs, a partir de uma secretária instalada no relvado da Casa Branca. Todos os dias emitiria o seu próprio noticiário onde destacariam os assuntos que quisessem promover, com convidados, até democratas, para discutir a agenda do dia.

"Parte do trabalho de porta-voz é vender. Comunicar muito claramente a mensagem. Ser agradável. Acho que ele vai fazer um óptimo trabalho", disse Don Steinbrugge, fundador e director executivo da Agecroft Partners, uma empresa especializada em fundos de cobertura. "Ele competiu com muito sucesso num dos mercados mais competitivos que existem. Fez crescer a sua empresa, a SkyBridge, num período de contracção significativa no sector dos fundos. E só conseguiu por ter as competências que tem." Com Ashley Parker

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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