Primeira ronda do "Brexit" termina mas divisões fundamentais permanecem

Uma semana de discussões técnicas entre Londres e Bruxelas não chegou para conciliar as diferentes posições sobre pagamentos, direitos dos cidadãos e a fronteira da Irlanda do Norte.

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Michel Barnier (direita) e David Davies (esquerda) falaram no final da primeira ronda negocial Reuters/FRANCOIS LENOIR

A segunda semana de negociações formais do “Brexit” em Bruxelas não produziu resultados concretos, e terminou com um ambiente pesado entre as partes que perspectiva maiores dificuldades para as rondas seguintes, em Agosto, Setembro e Outubro. Por um lado, os negociadores da União Europeia criticaram a indefinição política e falta de clareza do Reino Unido; pelo outro, os diplomatas britânicos lamentaram a inflexibilidade de Bruxelas.

Sem conseguir conciliar as diferentes posições nas três matérias actualmente na agenda – o montante a pagar pelo divórcio pelo Reino Unido; a gestão da fronteira da Irlanda do Norte e os direitos dos cidadãos europeus e britânicos no pós-“Brexit” –, as duas delegações esforçaram-se por deixar uma nota de optimismo, falando em conversações “construtivas” e “robustas”. “Estamos todos a tentar avançar no mesmo sentido e na boa direcção”, considerou o negociador da União Europeia, Michel Barnier.

Ao contrário do seu contraparte David Davies, o secretário britânico para o “Brexit”, o diplomata europeu evitou falar em progressos, especialmente no que diz respeito ao acordo financeiro que Londres terá de assinar para consumar o divórcio: sem uma clarificação que Barnier reputou de “indispensável” sobre as obrigações financeiras e os compromissos orçamentais que o Reino Unido está disposto a honrar, o processo negocial trava.

A chamada factura do “Brexit”, que poderá fixar-se entre os 60 mil milhões e os 100 mil milhões de euros, abrange as contribuições para o quadro comunitário aprovado em 2013 e que termina em 2020; os créditos e outros avais assinados pelo Governo britânico para financiar projectos de desenvolvimento e ainda os descontos para o sistema de pensões dos funcionários britânicos da UE. A UE também reclama uma compensação pelos custos de realojamento das agências europeias que deixarão de funcionar no Reino Unido.

Na conferência de imprensa conjunta após o fim das negociações, o governante britânico recusou responder às perguntas sobre o que seria uma factura aceitável para Londres. Davies frisou que “o Reino Unido é um país que reconhece as suas responsabilidades e os seus direitos internacionais, e não deixará de os exercer no futuro” – uma frase que alguns observadores interpretaram como um recado para Bruxelas de que as contas do Governo britânico sobre o deve e o haver são muito diferentes.

Segundo a BBC, uma fonte ligada às negociações disse que não só os britânicos nunca esclareceram o que estavam dispostos a pagar pela saída, como não houve uma “discussão séria” sobre quais os itens que a futura factura deveria incluir. “Ambos reconhecemos a importância de compatibilizar as obrigações que temos uns com os outros, tanto legalmente como no espírito de cooperação mútua”, acrescentou David Davies.

Também nas questões ligadas aos direitos dos cidadãos britânicos residentes em países comunitários após a separação do Reino Unido as divergências entre Londres e Bruxelas foram pronunciadas. “Existe aqui uma divisão fundamental”, reconheceu Michel Barnier, que além de chamar a atenção para vários obstáculos jurídicos, nomeadamente expectativas opostas quanto à jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça, avisou para a possibilidade de uma limitação dos direitos dos nacionais do Reino Unido na Europa depois do “Brexit” – por exemplo, poderão perder o acesso à segurança social e outros benefícios se mudarem do actual país de residência para outro, informou.

Conforme notava o jornal The Guardian, esta é uma discussão que “ilustra a incerteza que enfrentam as cinco milhões de pessoas apanhadas no lado errado do muro do 'Brexit'”: os cerca de 1,2 milhões de britânicos que vivem no continente, e os mais de 3,5 milhões de cidadãos comunitários residentes no Reino Unido. A União Europeia não ficou impressionada com a proposta avançada por Londres para o futuro “estatuto migratório” dos cidadãos da UE; fontes britânicas citadas sob anonimato pelo Guardian exprimiam as suas “reservas sobre o plano da UE e o seu compromisso na garantia dos direitos dos cidadãos”.

No tema da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, nada mais foi dito a não ser que nenhuma das partes deseja que sejam repostos os controlos alfandegários que vigoravam antes do acordo de paz.

De acordo com o calendário aprovado por Londres e Bruxelas para o processo, as duas equipas negociais reúnem durante quatro dias em cada mês. O próximo encontro foi marcado para a última semana de Agosto. A expectativa é que até ao final de Outubro as delegações acertem as suas posições nas matérias identificadas como “prioritárias” – os chamados “termos básicos” do acordo do “Brexit” –, para poderem depois dedicar-se à negociação mais complexa (e difícil) da futura relação comercial.

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