Uma viagem ao coração do Sol (que bate como o de tantas outras estrelas)
Novas simulações a três dimensões no interior do Sol são mais uma prova de que a nossa estrela funciona como muitas outras. Mas é sempre especial, afinal, é a nossa estrela.
Imaginemos que temos uma missão: ir até ao coração do Sol e perceber se realmente é uma estrela igual a tantas outras. Teremos de percorrer cerca de 149 milhões de quilómetros e estar preparados para uma atmosfera que pode chegar aos dois milhões de graus Celsius. Depois, é só mergulhar até chegarmos ao nosso destino. Agora, uma equipa de cientistas simulou este caminho e percebeu como juntar as várias componentes que fazem parte da origem do ciclo magnético do Sol. Confirmaram assim que esta é uma estrela como muitas outras (na forma como o seu coração bate). A viagem ao centro do Sol foi publicada esta quinta-feira na revista Science.
Para viajarem mesmo ao centro do Sol e explicarem a origem do seu ciclo magnético, cientistas do Canadá, de França, do Brasil e dos Estados Unidos fizeram simulações a três dimensões do seu interior. O Sol tem dois ciclos magnéticos: um com dois anos (mais discreto) e outro com 11 anos (mais importante e que varia de forma mais significativa). Este último ciclo envolve mudanças no número de manchas solares, nos níveis de radiação ou na sua luminosidade. Mário João Monteiro, do pólo do Porto do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (e que não fez parte do estudo), indica-nos ainda que a origem deste ciclo tem três aspectos físicos: a rotação da estrela, o transporte de energia por convecção (a forma como a energia vem do fundo para a superfície do Sol) e o campo magnético. Três aspectos que foram determinantes neste estudo.
“Perceber este ciclo é um dos maiores problemas pendentes na física solar”, refere um comunicado da Associação Americana para o Progresso da Ciência sobre o artigo na Science. “Acreditávamos que o ciclo do Sol era peculiar pela sua taxa de rotação – parecia ou demasiado longo ou demasiado curto comparado com outras estrelas”, diz ao PÚBLICO Antoine Strugarek, investigador da Universidade de Montreal (do Canadá) e um dos autores do estudo.
Ora, nas simulações feitas até agora, quando comparavam o sol com outras estrelas, apenas era considerada a taxa de rotação. “Descobrimos que a luminosidade da estrela [que é a energia emitida à superfície e está relacionada com o transporte de energia por convecção] também tem um papel importante, permitindo-nos assim dizer que o Sol é uma estrela normal quando consideramos ambos os aspectos (taxa de rotação e luminosidade)”, explica o investigador numa resposta enviada por e-mail.
“A origem dos ciclos magnéticos tem sido objecto de estudo há muitos anos”, refere Mário João Monteiro num comentário sobre o estudo. “O aspecto inovador é que temos uma visão consistente dos ciclos magnéticos da estrela”, salienta o investigador português. “Encontrou-se uma forma de construir os modelos com esses componentes e que deve ser o ciclo magnético de diferentes estrelas.”
E esta é mais uma prova de que o Sol é uma estrela “normal” ? “O nosso estudo não é o primeiro estudo que propõe que o Sol não é assim tão especial”, responde Antoine Strugarek. “O nosso estudo explica-nos por que é que acreditarmos que é uma estrela solar típica.” Sobre a “normalidade” do Sol, Mário João Monteiro diz ainda que “não há uma definição de normal”. “A natureza é tão diversa que não há normalidade.”
O futuro do Sol na Terra
Mas este estudo diz-nos ainda algo mais. “Vem confirmar que a nossa interpretação do Sol está a melhorar e está de acordo com as previsões sobre a geração do ciclo magnético, permitindo-nos assim prever o comportamento do Sol no futuro”, indica o investigador português. E dá exemplos como o impacto na temperatura média no nosso planeta.
Também Antoine Strugarek refere que este estudo permitirá perceber as repercussões do Sol no nosso planeta, na interacção com os satélites e o seu impacto no trabalho dos astronautas. “Estes resultados podem dar aos cientistas uma ferramenta útil na procura de exoplanetas. Um método usado para encontrar planetas extra-solares é quando a luz da estrela é bloqueada por um objecto em trânsito – um potencial exoplaneta”, explica o autor do trabalho. “Mas a actividade magnética de uma estrela pode criar ‘manchas estelares’ que podem ser confundidas com objectos em trânsito. Perceber como distinguir melhor estas manchas estelares é útil para evitar que se confundam com potenciais planetas.”
Os mistérios do ciclo magnético do Sol estão longe de estar resolvidos. Para Antoine Strugarek, este trabalho dá-nos um novo mecanismo que explica o ciclo, mas ainda não se sabe, por exemplo, qual o mecanismo exacto que permite a formação de manchas estelares, que estão subjacentes à maioria dos eventos meteorológicos no espaço.
Como tal, os cientistas aguardam o lançamento de sondas em 2018 para o estudo do Sol: tanto a Solar Orbiter (da Agência Espacial Europeia, para explorar o Sol) como a Parker Solar Probe (da NASA, e que vai estudar a atmosfera do Sol). “Espera-se que estas missões nos dêem informação sobre o Sol e o seu magnetismo, incluindo informação sobre toda a sua superfície (especialmente dos seus pólos) em alta resolução, e informação sobre a sua corona [a parte mais à superfície do Sol e que é mais quente do que a sua superfície] muito perto do Sol”, aponta Antoine Strugarek. “A combinação destas duas missões irá mudar provavelmente a nossa forma de perceber o complexo magnetismo do Sol.”
Por enquanto, sabemos que é a única estrela que tem um planeta com vida e que até é a nossa casa.